Este é um livro de estréia. Surpreendente estréia. Estreantes em geral são inseguros, estão tateando no escuro, em busca do caminho. E estreantes freqüentemente recorrem ao conto, por causa de uma dupla ilusão, a primeira de que se trata de um gênero despido de critérios (equivocada interpretação do ‘Conto é tudo aquilo que o autor quer chamar de conto’, de Mário de Andrade) e a segunda de que, por ser curto, o conto é gênero fácil.
Marcelo Ferroni é diferente. Como o leitor logo perceberá, ele domina, e de forma soberba, o conto. Não apenas supera as dificuldades e as armadilhas da história curta, como transforma cada um de seus contos num texto literário da melhor qualidade – e da maior profundidade. O que temos, nesta coleção, é um verdadeiro retrato da sociedade brasileira nos tempos tumultuados em que vivemos. Um retrato impactante que nos atinge em cheio.
Os personagens, em geral da classe média (e em geral de São Paulo, cidade que é hoje a caixa de ressonância dos problemas do país) são convincentes, autênticos. Assim, Dia dos mortos, conto que dá título ao livro, revela de forma implacável os bastidores daquele tradicional ritual que é o jantar em família, terminando com um desfecho inesperado. As histórias são narradas em linguagem seca, precisa, econômica, para a qual certamente deve ter colaborado a experiência jornalística do autor. Mas não falta a Marcelo Ferroni imaginação, humor, ironia, e disso ‘As dores da princesa’ é um exemplo soberbo. Enfim: uma festa literária, para a qual estamos todos convidados.
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[do release da editora]
Este é o livro de estréia do jornalista e editor Marcelo Ferroni. A obra reúne nove contos – ligados pela fluidez e, em muitos casos, pelo bom humor – que abordam desde a violência urbana até a inquietante busca pelo amor e aceitação.
Em conturbada noite de jogo de futebol em São Paulo, um casal vê o seu relacionamento se esfacelar em ‘Os últimos dias de Pompéia’. O conto revela, sob uma ótica dura, a dissonância entre dois personagens de estilos discrepantes. Se a diferença de mundos impede que o casal de passagem pelo bairro da Pompéia mantenha um romance, é a semelhança de condições que une, mesmo que de forma instável, um office-boy a uma copeira apelidada de Gorda Margô em ‘Mulher de Cubatão; menina-lagarto’. Já ‘Nada além de flores’ relata a amarga surpresa de uma mulher ao descobrir as traições do marido, um ilustre economista e ex-presidente do Banco Central, quando lê no jornal sobre o acidente sofrido por ele em companhia da amante. E, no conto que dá título ao livro, um jantar de família num final de feriado aproxima de forma inesperada dois personagens que se sentem estranhos a um ritual já desgastado pelo comportamento entorpecido de seus convidados.
Um dos momentos de grande densidade do livro está em ‘O repovoamento’, em que um garoto testemunha a busca de sua mãe pela saciedade de seu vazio afetivo e passa por definitiva transformação no modo de ver o mundo. A visão crua e implacável de ‘Os últimos dias de Pompéia’ retorna em ‘Por que eu fugi’, que mostra o desconforto de um rapaz ao perceber que sua pretendente fora muito diferente no passado. As temáticas do triângulo amoroso e da perseguição racial são abordadas com originalidade em ‘Angélica e irmãs’ e ‘Olho ruim’. Encerrando o livro com uma história ao mesmo tempo inusitada e cômica, ‘As dores da princesa’ imagina uma passagem pouco ortodoxa de Lady Di pelo submundo de São Paulo, em que o autor constrói uma surpreendente realidade paralela.
O autor
Marcelo Ferroni nasceu em 17 de junho de 1974, em São Paulo. Formou-se em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica (PUC). Trabalhou durante alguns anos no jornal Folha de S. Paulo, onde foi repórter e editor-assistente de ciência. Atuou também como editor da revista Galileu, subeditor da revista IstoÉ e, posteriormente, como repórter free-lancer nas áreas de ciência e cultura. Atualmente, é editor da Globo Livros – cargo que assumiu um mês depois de seu livro ter sido selecionado para publicação pela editora.