Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A guerra da informação ou a informação da guerra

Conhecido por ter dado em primeira mão o início dos bombardeios norte-americanos no Iraque em 2001 transmitido pela RTP – Rádio e Televisão Portuguesa –, o jornalista português Carlos Fino tem relutância em se considerar um repórter de guerra. ‘Sou apenas um repórter, não estava no meu horizonte estar presente em todas essas situações, me tornei um repórter de guerra sem querer, por acidente’ disse Fino ao falar sobre sua experiência a estudantes de Jornalismo de diversas universidades em São Paulo [no curso sobre o ‘Jornalismo em situações de conflito armado’, organizado pela Cruz Vermelha Internacional junto com a fundação Oboré e a ABRAJI (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo].

Carlos Fino acredita que, como jornalista, há certas coisas que só a prática pode ensinar, mas em situações de guerra é preciso estar preparado e alertado sobre os riscos. ‘É uma imprudência mandar jornalistas sem preparo, principalmente os mais jovens, para cobrir conflitos armados’, destacou Fino, apontando as necessidades básicas que um correspondente deve ter, tais como noções de sobrevivência, auto-socorro, saber dos acordos e convenções humanitárias, direitos internacionais, no que se refere à proteção do jornalista.

‘Eu fiz exatamente o contrário: me lancei despreparado nesse mar de problemas. A guerra abre as portas do inferno, nela tudo pode acontecer, a guerra é a desumanidade’, relatou Fino a futuros jornalistas a respeito de sua experiência de ter visto grupos armados atacarem populações civis indefesas e aldeias inteiras serem alvejadas.

Não-credenciados foram eliminados

De estudante de Direito a ‘agitador revolucionário’ e militante comunista, Carlos Fino iniciou sua carreira de jornalista no final da década de 70 como correspondente em Moscou. Presenciou o fim dos regimes socialistas nos países do leste europeu, além de ter sido correspondente em Bruxelas e em Washington. Em 2000, testemunhou pela RTP os conflitos entre Israel e Palestina e a invasão no Afeganistão. Sua mais recente experiência de guerra foi cobrir a queda do governo de Saddam Hussein e a ocupação norte-americana no Iraque. E afirma: ‘É essencial estar no local dos acontecimentos, nada substitui o papel do jornalista, sem ele não há cobertura’, ao defender a necessidade do jornalista estar presente e noticiar os fatos onde eles acontecem.

Ele se pergunta até que ponto os jornalistas pagam o preço para participar dos eventos e conseguir informações. O jornalista português considera que a informação hoje é objeto da própria guerra – a guerra na busca desenfreada pela informação e a informação oficial transmitida pelos Estados para limitar, controlar ou até desinformar.

Fino discute o papel submisso a que muitas vezes os jornalistas se sujeitam e acaba limitando o exercício da profissão. Ele cita os chamados jornalistas embedded que acompanharam as tropas americanas no Iraque e se submeteram a noticiar apenas um lado do conflito.

E sobre os que estiveram em Bagdá para reportar a guerra do outro lado que ia ser atacado, disse: ‘Nós tínhamos perfeita noção que o regime de Saddam era uma ditadura, éramos vigiados o tempo todo pelo motorista e pelo intérprete que nos acompanhava a serviço do governo iraquiano.’ Para ele, em um cenário de guerra nunca é possível ser neutro, é preciso estar em um dos lados, pois a tendência é ser atacado. Fino explicou que, no Iraque, aqueles jornalistas que optaram não serem ‘credenciados’ pelo governo norte-americano nem pelo iraquiano foram eliminados rapidamente.

‘É preciso contextualizar’

Apesar disso, Fino confessa que às vezes vale a pena pagar algum preço para estar presente nos acontecimentos. ‘Nós pagávamos milhares de dólares por semana ao Ministério da Informação iraquiano para garantirmos nosso visto e a permanência no país.’

Para ele, o jornalismo pode fazer a diferença se não se deixar manipular. Há sempre uma guerra de informação. ‘Corremos o perigo de sermos mercenários em busca da informação.’ Carlos ressaltou que a contradição é própria do jornalismo, ainda mais em situações de guerra – o jornalista atua para a sociedade em um meio dominado pelas regras do mercado.

‘No Iraque, nós éramos nossos próprios editores, noticiávamos o que estava à vista, a própria realidade.’ Fino explicou que havia uma dicotomia no Iraque – a posição oficial do governo do Iraque era contrária aos movimentos civis que clamavam pelo fim da guerra. Para ele, fazer a diferença na cobertura é dar a palavra às diferentes partes envolvidas, fazer matérias sobre histórias humanas, situação dos hospitais, escolas, como os bombardeios que afetam a vidas na cidade, além de estar sempre informado sobre a situação política. ‘É preciso contextualizar, dar um enquadramento e não estar preso apenas ao factual ou ser um mero relator.’

Um colete e um crachá

Quando questionado se em algum momento teve medo, Fino responde: ‘Eu não seria humano se não tivesse medo, refleti com muita hesitação antes e ir a uma guerra.’ Ele considera que há um ‘medo jovem’, que é mais intenso que o ‘medo velho’, pois a partir de uma certa idade já se está mais preparado para aceitar a morte. Após ter noticiado muitos conflitos e ter deparado diversas vezes com situações de risco, ele acredita que ao longo do tempo ‘a gente vai perdendo o medo e ganhando mais calma’.

Sobre os riscos que esse tipo de cobertura envolve, o jornalista português ressalta que a profissão está sempre na fronteira, ‘quase esquizofrênica’, entre a propaganda e a informação. Na verdade, o jornalismo não é neutro, pensa, pois ‘devemos tentar ser objetivos, fiéis aos fatos’, apesar de considerar que o objetivo é sempre influenciado pela subjetividade de cada jornalista.

Quanto ao perigo de ser um correspondente de guerra, Fino alega que, em caso de ataques a jornalistas, não há direito internacional que atue contra isso. ‘A nossa única defesa é ter um colete à prova de balas e um crachá de imprensa. Pensávamos que éramos imunes até o dia que o nosso hotel foi atingido por um tanque norte-americano sem qualquer explicação aparente.’

O furo, de madrugada

E contou o episódio. Quando o Hotel Palestina, onde estavam hospedados todos os correspondentes em Bagdá, foi alvo de ataque, morreram três jornalistas. Fino entrou ao vivo, através do videofone, e teve que esperar quatro minutos para dar a notícia por causa da programação dos comerciais – ‘o nosso repórter está sendo atacado, mas primeiro os comerciais’.

A informação é cada vez mais um elemento midiático de parte da guerra e capaz de mudar os rumos de uma guerra. ‘A mentira não foi só parte do Ministério da Informação do Iraque que se utilizava como fonte de propaganda do regime, mas também partiu do lado norte-americano.’

Ele se pergunta como garantir uma imunidade ideal ao jornalista – um estatuto que protegesse o exercício do jornalismo como papel humanitário – e constata: é difícil. Carlos defende um estatuto semelhante ao da Cruz Vermelha Internacional, uma espécie de Cruz Azul ou Cruz Branca.

Sobre o furo de reportagem ao ser o primeiro a noticiar o início da guerra – a primeira bomba caiu em Bagdá às cinco e meia da manhã –, em Portugal ainda era de madrugada. ‘Foi difícil convencer Lisboa a dar o fato ao vivo, pois como é que a guerra começou se a CNN não está dando nada?’

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Estudante de Jornalismo da UFRJ, Rio de Janeiro, RJ