Nelson Homem de Mello é um defensor do jornalismo regional. Acredita que os diários locais são o grande diferencial do jornalismo impresso. Mais: ele destaca que esses veículos estão mais próximos de seus leitores – o que jamais ocorre com as grandes publicações. De acordo com Mello, os ‘jornalões’ já chegam velhos às bancas e às casas de seus assinantes. Por isso estão perdendo leitores a cada ano. ‘Não é à toa que a apresentadora do noticiário do Jornal da Globo, Ana Paula Padrão, encerra o jornal dizendo ‘vocês viram aqui o que vai estar nas primeiras páginas dos jornais amanhã’. Parece até provocação, mas é a pura verdade.’
Hoje diretor editorial da RAC (Rede Anhangüera de Comunicação), Mello é diplomado pela PUC do Rio de Janeiro e começou a carreira no Jornal do Brasil. A vida de ‘jornalista caipira’ teve início no Dia e Noite, de São José do Rio Preto. Depois, passou por Jornal de Hoje (Campinas), ValeParaibano (São José dos Campos), Diário do Povo (duas vezes) e, finalmente, a RAC.
Além de responder por Correio Popular, Diário do Povo, Gazeta do Cambuí, Gazeta de Piracicaba e, agora, também a Gazeta de Ribeirão, ele é responsável pela revista Metrópole e pelo portal Cosmo OnLine. Em três anos à frente desses jornais de Campinas, a redação ganhou um Prêmio Esso e o Annual Awards da INMA (International Newspaper Marketing Association), sediada em Nova York.
Para o leitor acostumado a consultar apenas a análise de especialistas preocupados com a grande imprensa, vale a pena conferir alguns trechos da entrevista dada por este ‘jornalista caipira’ mostrando sua visão sobre a mídia regional.
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O jornalismo regional é a saída para o fato de hoje encontrarmos as mesmas manchetes e matérias em todos os grandes jornais? Por quê?
Nelson Homem de Mello – Essa é uma questão de várias facetas. A redundância de matérias nos jornais de circulação nacional é apenas um dos lados da moeda. O fato é que os jornais regionais melhoraram muito nos últimos anos e já são veículos completos. Com a vantagem, em relação aos jornalões, de que seu conteúdo editorial fala mais de perto com seus leitores. A tendência dos regionais superarem os grandes jornais em suas áreas de atuação vem de longa data, a partir do início mais sólido de profissionalização deles, em meados da década de 1970. Anos depois, os regionais ganharam, sem perceber, na época, um fundamental aliado na disputa por leitores com os ‘grandões’: a internet. Hoje, para um cidadão comum que navegou durante o dia por sites de notícia e assistiu, por exemplo, ao Jornal da Globo antes de dormir, os jornais de circulação nacional são praticamente velhos e desnecessários na manhã seguinte. Não é à toa que a apresentadora do noticiário da Globo, Ana Paula Padrão, encerra o jornal dizendo ‘vocês viram aqui o que vai estar nas primeiras páginas dos jornais amanhã’. Parece até provocação, mas é a pura verdade.
Que dados você poderia oferecer aos leitores para comprovar a eficácia do jornalismo regional?
N.H.M. – O conteúdo editorial dos jornais regionais não aparece no Jornal da Globo nem na internet. Para saber o que foi publicado neles, só comprando um exemplar. Ao contrário dos jornalões, os regionais chegam fresquinhos na banca. Outro diferencial: enquanto os grandes jornais tentam falar com todo mundo – e acabam não falando especificamente com ninguém – os regionais noticiam, analisam, criticam, participam, denunciam e valorizam os assuntos locais, que estão presentes no dia-a-dia dos seus leitores. Há interatividade com o público. O Correio Popular tem um exemplo prático para ilustrar essa interatividade. É o único jornal no mundo que publica cartas dos leitores com a foto do remetente, registrada pelos nossos fotógrafos (é proibido publicar foto enviada, para evitar possíveis fraudes). Seria impossível para um jornal de circulação nacional fazer algo semelhante, mesmo se quisesse muito. O Correio Popular é o décimo jornal brasileiro e o maior publicado fora das capitais. Tem cerca de 140 jornalistas na sua redação e desenvolveu modelos bastante modernos de gestão e de conteúdo editorial. Sua grande arma é a proximidade do leitor. Os leitores reconhecem que o jornal é um eficiente porta-voz dos cidadãos campineiros.
Jornalismo regional e jornais gratuitos, juntos, podem contribuir para o fato de os jornais estarem registrando queda no número de leitores? Por que e qual seria o papel de cada um nesse processo de conquista de novos leitores?
N.H.M. – A queda do número de leitores de jornais é um fenômeno mundial, mas, no Brasil, vem afetando mais os grandes jornais. Acredito que a performance dos regionais é responsável em parte por isso. Os gratuitos são uma iniciativa pioneira da RAC e não temos ainda levantamentos suficientes para comprovar se afetam ou não os jornais de banca, mas, na Europa, sabe-se que os veículos pagos sofreram queda significativa de tiragem a partir do lançamento dos gratuitos. A tarefa de conquistar leitores, do ponto de vista dos regionais, está calcada basicamente na interatividade com os leitores e na cobertura completa dos assuntos locais. Alguns deles fazem grandes esforços para ‘parecerem’ grandes jornais, com generoso espaço para temas nacionais e internacionais e isso me parece um grande erro. Quanto maior for a ‘cara local’ dele, mais possibilidade de sucesso. Sem, claro, deixar de manter seus leitores bem informados sobre questões globais. Os nossos gratuitos tem outro perfil. São jornais que dão bastante ênfase às informações de serviço, com roteiros gastronômicos, de cultura e de lazer. São uma espécie de mapa das opções que os leitores terão naquele final de semana, somado a um noticiário revelador daquela comunidade. São bons motivos para a conquista de pessoas – especialmente os jovens – que não desenvolveram ainda o hábito de ler jornal. No caso da Gazeta de Ribeirão, cujo número de exemplares se aproxima do dobro da soma das tiragens dos jornais de circulação local, ela é uma poderosa arma nesse processo de conquista.