A história é tão dinâmica e instável quanto as ondas que arrebentam em nossas praias.
Antes do Romantismo, não existiam direitos autorais. Em razão disto, os autores podiam utilizar com liberdade a produção intelectual alheia. Transfigurar, adicionar, adaptar ou transformar uma obra alheia para lhe dar uma versão singular era prova de gênio. Mas havia um problema. Somente os artistas que tinham cabedal divulgavam suas obras. Aqueles que não tinham condições econômicas podiam se fiar dos mecenas, mas ficavam ao sabor do humor dos mesmos.
Originalmente, os direitos autorais foram concebidos para dar suporte material ao artista através da proteção legal de sua obra. As vantagens do novo regime eram evidentes. Em razão desta inovação, mais artistas poderiam difundir sua obra. O acesso ao público não ficaria restrito aos que tivessem cabedal. Além disto, os artistas não ficariam mais aprisionados aos humores dos mecenas.
Mas o regime do direito autoral trouxe dois problemas. O primeiro e mais óbvio foi o engessamento da produção artística. Como cada novo trabalho intelectual tinha que ser único e original, seguiu-se um verdadeiro apodrecimento da cultura intelectual. Não é à toa que os gênios da literatura que cultuamos são quase todos anteriores ao Romantismo. Miguel de Cervantes reciclou as novelas de cavalaria para nos dar um personagem imortal. Johann Wolfgang von Goethe concebeu sua versão do Fausto a partir das obras que circulavam na época. Dante Alighieri recuperou a mitologia greco-romana para povoar seu Inferno e Purgatório. Willian Shakespeare empregou o verso branco concebido por Marlow para renovar o teatro inglês e nos legou obras imortais.
Além do apodrecimento da cultura intelectual, o regime dos direitos autorais fez surgir os mercadores da cultura. Existem dois tipos de obras de arte. Algumas se identificam de tal maneira ao suporte que não podem ser comercializadas em escala porque a cópia compromete a autenticidade e originalidade da obra (pintura e escultura). Outras têm características imateriais e dependem da existência de vários suportes para se tornarem conhecidas do público (literatura, música, cinema).
Se falirem, não vou chorar
A revolução industrial possibilitou a produção em escala industrial de livros, discos de vinil, CDs e DVDs. Entretanto, o elevado capital investido na produção destas mercadorias fez com que os músicos se tornassem servos das gravadoras e os escritores, escravos das editoras. Ninguém precisa ser um expert para perceber que a preponderância dos interesses mercadológicos acarretou a queda da qualidade da produção cultural. Se o CD do Tiririca vende mais que o da 9ª Sinfonia de Beethoven, que se lixe o alemão porque o que interessa é o lucro – raciocina o mercador.
Foi neste contexto que a internet surgiu e aboliu a necessidade de suportes materiais para obras de arte imateriais. Não demorou muito para a inovação produzir estragos em todos os setores. Hoje, os filmes podem ser distribuídos através da internet. A própria rede mundial de computadores pode ser utilizada na captação de recursos para produção dos mesmos. As músicas se tornaram arquivos digitais compartilhados livremente para desgosto dos mercadores da cultura. Os próprios músicos podem comercializar suas obras através da internet. Idem para os escritores.
A criatividade humana não tem limites mercadológicos, industriais e jurídicos na internet. Quem não souber ou não quiser surfar nesta onda de criatividade ilimitada pagará um alto preço ou se tornará irrelevante. Espero, sinceramente, que os mercadores da cultura se amoldem às necessidades. Mas se falirem não vou chorar, nem deixar de consumir música e literatura a um preço justo.
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Advogado, Osasco, SP