Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pequenas notinhas, grandes negócios

Quanto ganha um jornalista da TV Globo? Fortuna suficiente para premeditar uma insensibilidade social e vomitar uma pseudo-consciência fiscal ao dizer que o Brasil não suporta um salário mínimo de 275 reais, como propuseram os parlamentares da oposição ao governo de esquerda do Lula. Triste nação, onde empresários repensam o capitalismo selvagem e gente de imprensa adquire usura e fidelidade canina ao poder.

Ridículo o comentário teleguiado de Renato Machado, ancorando a fala do colega Alexandre Garcia, no Bom Dia Brasil, pregando a impossibilidade técnica de o país aumentar em 15 reais o irrisório salário mínimo de 260 reais desejado pelo partido cuja nomenclatura ainda diz ser dos trabalhadores.

Jornalistas no Brasil, principalmente em estados nordestinos como o Rio Grande do Norte, têm mania estranha de agir (e se acharem) como agentes transformadores do processo político, como se já não bastasse a péssima influência no processo cultural, basicamente na classe média inculta, levada a cabo pela mediocridade do colunismo social que avança em metástase por tudo que é editoria.

Blusinhas de Maiami

O Jornal do Brasil demitiu o mestre dos bons jornalistas nacionais, Alberto Dines, que apontou o óbvio ululante da ridícula cobertura que o diário carioca fez da matança em Benfica, enquanto suas páginas cada dia incham mais com fofocas de dondocas iletradas. Aliás, foi o JB que recebeu o sobejo de O Globo, quando as empresas de mídia impressa da família Marinho decidiram acabar com as colunas sociais. O JB deu espaço latifundiário à demitida Hildegard Angel.

Se não estivesse numa crise financeira de proporção terminal e contasse hoje com uma edição paulistana, quem sabe o JB de Nelson Tanure também não tivesse aberto espaço a outra demitida, esta do Diário de S.Paulo, Karen Kupfer, defenestrada pelos Marinho dias depois que Hildegard recebeu o boné em O Globo. Na nova trincheira fashion do JB, onde já desfilam Márcia Peltier (a primeira-dama olímpica nacional) e Heloisa Tolipan (a talibã das passarelas), o subjornalismo vai ganhando seu status cinco estrelas. Por todo o país, o esquema das ‘pequenas notinhas, grandes negócios’ corre célere nestes tempos de redações aéticas e ilícitas.

No Palácio do Planalto, a sede central do Bom Dia Brasil e do Jornal Nacional (sim, a família do doutor Roberto trocou os socialites de jornais por poderosos bregas eletrônicos), circulam jornalistas espiões com salários de 2.500 reais mensais, segundo as notícias. Uma ninharia para tão aventureira e insalubre missão. O valor não merece sequer um escândalo quando comparamos com o que recebem colunistas da pequena Natal, nos cafundós do meu Rio Grande do Norte. Segundo estimativas rasteiras, a capital do RN e a cidade de Mossoró juntas são hoje as campeãs no número de colunas sociais do planeta, cerca de 100 entre jornais diários, semanais e revistas.

Empresas jornalísticas com mais de 50 anos de atuação em Natal chegam ao cúmulo de publicar cadernos ditos de cultura onde só existem, devidamente espelhados para facilitar a fresca leitura, colunistas especializados no fútil e nas negociatas que eles encaram como merchandising. Como não tem rico por lá – o único natalense da espécie mora a 2 mil quilômetros, comandando a marca Riachuelo –, destaca-se diariamente gentinha de classe média metida a endinheirada. Divulga-se de tudo nas coluninhas, até a ida ao consultório do dentista ou a compra de uma blusinha num shopping de Maiami.

Cultura de abóbora

Colunas sociais fazem as vezes de tudo no acanhado mercado de lazer e promoções da província. Aniversário de colunista, por exemplo, gera quase feriado, com ruas interditadas pela cumplicidade do poder público; encartes especiais contando a vida pregressa do rapaz ou da senhora com riso de mocinha; depoimentos de políticos e autoridades sobre a criatura, com aquela classe de boutique de quem se refere a um mártir da humanidade. Já existe até canal de TV para transmitir a nova vocação de Natal além da turística: todos querem seus minutinhos de Darlene. A mediocridade e o ridículo viraram investimento na cidade, onde agora os imbecis cavam espaço de coluna para os pimpolhos. Nunca se viu tanta criança paramentada, exageradamente fantasiada no debut-fashion-brega.

Institucionalizadas como dublês de jornalismo e um misto de comércio e chantagem, as colunas sociais estão para os jornais como o cavalo de pau estava para os troianos. Empresários vaidosos entendem que as notinhas valem mais que um anúncio e assim legitimam nos colunistas uma condição de agência de publicidade marginal, cuja centimetragem é substituída pela tabela PBP (Palavrório Babão Publicado). Qualquer ‘a beleza de fulana’ ou ‘o talento de sicrano’ custam mais que meio salário de um espião do Planalto.

Agências de propaganda começam a ser a segunda vítima dos colunistas, depois dos jornais. Algumas contas já deixaram a carteira de boas empresas de marketing para entrar na nova fase de ‘clientes’ da coluna de alguém. Apesar de sugados no próprio negócio, os donos de jornais parecem não perceber a venalidade dos jornalistas de aluguel. Alguns percebem, mas nada fazem, pois o minifúndio impresso é ocupado por políticos amigos e até anunciantes sazonais da empresa.

Vale tudo no bazar socialite dos chamados ‘coleguinhas’. Quando a chantagem ou o oba-oba com alguma empresa ou chefe de ocasião está dando na vista, há a permuta de notinhas, um intra-esquema que faz um colunista publicar o que interessa ao outro e vice-versa. Um elogia o cliente do outro e o outro espinafra o desafeto do um, neste caso sempre um potencial patrão que não aceitou a extorsão com máscara de notícia. Cercar o cliente com aura de celebridade provinciana e apor-lhe até sex appeal são táticas infalíveis para arrancar um troco, mesmo que no colunável sejam notórias a nobreza ‘cinderela’ de ser e a faceta cultural de uma abóbora.

Entre um anúncio e outro

Os colunistas sociais que se enquadram no presente balanço desenvolveram uma estratégia peculiar de fazer prospecção, coisa há muito não praticada por cangaceiros nordestinos ou lideranças políticas do baixo clero paulista. São vários os estilos. Tem aquele do tipo ‘bispo evangélico’, que primeiro dá uma nota favorável a esse ou aquele serviço/produto, forja uma repercussão no templo da moda e depois passa a sacolinha in loco; tem o tipo ‘Michael Moore’, que mete a porrada com ares de crítica inteligente e posteriormente fabrica um encontro casual com a vítima para futura relação de paz.

Um tipo surpreendente, já registrado no submundo de Natal, é o ‘David Murphy’ (o personagem interpretada por Woody Harrelson no filme Proposta indecente, que recebe uma grana para deixar a mulher transar com um ricaço), aquele que garante um bom contrato de assessoria, dando como bônus a companhia de alcova do cliente. Há também um tipo chamado ‘Terceiro Setor’, o que se acha socialmente produtivo por gerar dependentes funcionais na sua contraproducente atividade. São capatazes de si mesmos.

Confundidos pelos mais desavisados com jornalistas competentes, os escribas da banda podre da comunicação – espécies de lideranças comunitárias da mídia – exibem na fachada a emergência social conquistada, com suas roupinhas de grife e carros importados cujas prestações custaram uma nota (na verdade, muitas). Alguns já chegaram ao pico da ‘honorável’ (como dizem uns chineses) profissão e se transformaram em Edmundos ou Romários de jornal, a ponto de realizarem festinhas para arrecadar a quantia que permita pagar a folha de pessoal da empresa em crise.

Ninguém se engane: num futuro muito próximo, os colunistas sociais serão os donos da mídia convencional e mudarão por completo a linha editorial de jornais, revistas e TVs. Farão com as notícias de futilidades e com as fotografias de beldades incultas aquilo que lorde Beaverbrook fazia com a publicidade impressa, numa Inglaterra do século 19. Dono de alguns predecessores dos tablóides londrinos, ele definia como jornalismo tudo aquilo que conseguia encaixar entre um anúncio e outro. Eram os tempos do ‘reclame’, bem distintos dos tempos atuais, em que já não há mais a quem reclamar de nada.

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Jornalista, sócio-diretor do site (www.sanatoriodaimprensa.com.br)