Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Plínio Bortolotti

‘Na segunda-feira, uma leitora questionou por qual motivo i não divulgara um caso de suicídio acontecido em Fortaleza, no sábado anterior (6/11). Respondi que o jornal tem por diretriz não divulgar suicídios ou fazê-lo da forma o mais discreta possível, devido à influência negativa que isso pode ter sobre algumas pessoas, segundo atestam especialistas no assunto. A leitora não se conformou, respondeu não haver influência pior do que as notícias sobre crimes, vistas todos os dias nos jornais. Nunca havia parado para refletir sobre o assunto e resolvi fazê-lo durante a semana, com ajuda de estudiosos do assunto.

Exemplo

O psiquiatra Danúzio Carneiro, coordenador do Ambulatório de Psiquiatria Infanto-Juvenil do Hospital Geral de Fortaleza, reconhece que a divulgação de suicídios tende a ‘criar exemplo’. Lembra que, à época da publicação, na Alemanha, de O sofrimento do jovem Werther (1774), de Johann Wolfgang Goethe, no qual o ‘herói’ se mata devido a um amor frustrado, uma onda de suicídios espalhou-se entre jovens, fato atribuído à influência do livro. Danúzio diz que estudos de epidemiologia mostram que um suicídio pode influenciar outro, ‘principalmente entre jovens’. Mas o psiquiatra também destaca ‘o direito da sociedade ser informada’, considerado por ele ‘um aspecto essencial da cidadania’. Por isso, em caso de publicação de notícias sobre suicídios, ele recomenda que o fato seja contextualizado, de modo a levar à reflexão e à ‘aprendizagem psicossocial’, sendo também obrigatório ao jornal ‘abster-se dos aspectos sensacionalistas’.

Informação e educação

Para o médico Francisco Simão, diretor técnico-científico da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), a linha do jornal está ‘corretíssima’ ao não divulgar suicídios, evitando criar uma ‘síndrome de imitação’. Mas, em ‘situações atípicas’, o médico acha que a imprensa pode fazer um ‘trabalho informativo e educativo’. Simão também vê diferença entre a divulgação de suicídios e crimes. Para ele, o suicida está ‘no limite da tensão’, por isso, muito suscetível a exemplos negativos.

Fábio Gomes de Matos, professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFC, coordenador do Programa de Apoio à Vida do Hospital das Clínicas (núcleo de prevenção ao suicídio), concorda que a divulgação deve ser evitada. Ao ser perguntado se não haveria nenhum modo de a notícia ter algum tipo de efeito positivo, ele responde com uma proposta. Para o professor, ‘a atitude mais sensata’ seria a formação de um fórum para discutir o assunto, sugerindo a participação de especialistas, da imprensa e de pessoas envolvidas direta ou indiretamente com ‘casos concretos’ que acontecem. A partir desse debate poder-se-ia pensar ‘novas diretrizes’ em relação aos ‘vários aspectos sobre o assunto’, argumenta.

Leitora

O fato a motivar a pergunta da leitora, citada no início do texto, foi o suicídio de um jovem dentro do shopping Aldeota Expansão. No mesmo lugar, já haviam ocorrido mais dois suicídios (2000 e 2004), e ainda outro (2001), em outro local do mesmo edifício. Quando fazia o levantamento para compor esta coluna tomei conhecimento de outra situação em que suicídios vêm se repetindo. Na cidade de Independência, nos últimos seis meses, houve quatro suicídios e outras cinco tentativas, entre jovens. Autoridades policiais e da saúde pública, preocupadas com o fato, buscam explicação na tentativa de entender o que está acontecendo.

Como agir?

Avaliando o assunto cheguei ao seguinte juízo: se acontece um suicídio isolado, o assunto diz respeito apenas à família, cuja privacidade tem de ser respeitada. Mas se os casos começam a repetir-se, principalmente se acontecem em um local específico, ou começam a atingir com mais intensidade determinados segmentos (jovens, moradores de uma cidade, ou de um bairro, por exemplo), o assunto passa a ser de interesse público, portanto, a imprensa deve cobri-lo, contribuindo para ajudar a buscar soluções para o problema. Essas são as ‘situações atípicas’ das quais fala o médico Francisco Simão. Os cuidados que os meios de comunicação devem tomar com essas notícias estão bem explicitados nas declarações do psiquiatra Danúzio Carneiro, às quais nada teria a acrescentar. Uma boa proposta para entender melhor o assunto e se buscar a melhor forma de agir, faz o professor Fábio Gomes de Matos.

Não quero com esses argumentos contestar as assertivas dos especialistas, fundamentadas em estudos e observações próprias da área na qual atuam. Mas entendo que, em jornalismo, poucos assuntos podem ser analisados genericamente, a partir de ‘imperativos categóricos’, sem a análise do fato concreto. O mesmo dilema acontece em relação aos seqüestros. A imprensa deve noticiar ou não quando o caso ainda está em andamento? As notícias põem ou não em risco a vida do seqüestrado?

Abordagem

O diretor de Redação, Carlos Ely, diz que a ‘cultura’ de não divulgar suicídios, ou fazê-lo somente em casos ‘muito específicos’, é antiga no O Povo – medida também adotada pela maioria dos jornais. Ele diz que o jornal aborda o tema do ponto de vista da saúde pública, como foi na reportagem publicada no caderno Ciência & Saúde, edição de 21/11/2004. Quanto aos casos concretos relatados acima, o diretor diz que o jornal vai cobri-los, mas que se discute na Redação a melhor forma de divulgar o assunto.’