‘Como seria de esperar, a decisão de Rui Rio de condicionar o acesso dos jornalistas à informação de interesse público da Câmara Municipal do Porto, anunciada a 31 de Outubro último, tem continuado a suscitar uma série de comentários, publicados quer nos meios de comunicação profissionais quer em sítios da Internet, como os blogues.
Tanto o móbil imediato das medidas do presidente da Câmara – a entrevista dada a este jornal – como o respectivo conteúdo e as justificações apresentadas fizeram vir ao de cima questões importantes que importa continuar a reflectir.
Teremos de voltar a uma afirmação de Rui Rio, segundo a qual, as manchetes do JN acerca da entrevista por si concedida constituem ‘uma subtil manipulação’ das suas declarações e ‘um abuso ilegítimo de interpretação, com a intenção clara de enganar os leitores’.
Na coluna de há oito dias, procurei, de forma argumentada, mostrar que, ainda que o trabalho publicado pelo JN não estivesse, do meu ponto de vista, isento de falhas, Rui Rio tinha sido injusto na sua reacção. E essa injustiça manifestava-se pela substância, pela proporção e pelo juízo de intenções.
Pela substância, visto que entendia ter havido manipulação da informação nas manchetes. Ora, tendo consultado várias pessoas, algumas treinadas em análise de discurso, todas concordaram que o teor das declarações de Rui Rio sobre o Parque da cidade de algum modo abre espaço à formulação encontrada por este Jornal, segundo a qual o Presidente admite que possa vir a haver construções. Rui Rio veio, no comunicado de 31 de Outubro, clarificar que essa não é a interpretação correcta e que mantém o que defendeu no passado. Mas se considera correcto o que vem no corpo da entrevista, não poderá estranhar que a interpretação feita pelo JN tivesse sido pelo menos uma das interpretações possíveis.
Ao considerar que a entrevista publicada traduziu bem aquilo que ele tinha dito aos jornalistas, o presidente da Câmara foi igualmente desproporcionado no teor das suas críticas, porque, no geral, aos leitores foi dada a possibilidade de adquirirem uma percepção adequada das ideias e propósitos de Rui Rio.
Finalmente, uma manifesta injustiça de interpretação, quando atribui ao JN ‘uma intenção clara de enganar os leitores’. Analisado o caso com o distanciamento necessário, nada justifica um tal julgamento. Pelo contrário trata-se de uma acusação de evidente gravidade, que põe em causa o bom nome do Jornal e dos seus jornalistas, de forma que entendo ser infundada.
Mas o que torna este caso mais preocupante é que a Câmara não tomou medidas apenas por causa do (e para o) Jornal de Notícias, mas para toda a comunicação social. Este ‘meter tudo no mesmo saco’, além de revelar um afrontamento de uma instituição social como um todo, é sumamente gravoso para todos os profissionais que se batem diariamente pelo rigor e pela qualidade do jornalismo que produzem.
Creio que algo vai ter de se fazer para sair de uma situação de conflito entre duas legitimidades, que prejudica justamente quem nunca deveria ser prejudicado os cidadãos. Num estado democrático não seria aceitável o cenário de quatro anos em que a segunda Câmara do país e a generalidade dos media vivessem de candeias às avessas. Mas, como parece evidente, um dos requisitos de qualquer diálogo reside no reconhecimento e aceitação mútua das partes, cada uma no seu papel e com a respectiva especificidade, e na disposição para reconhecer erros eventualmente cometidos e assumir compromissos para o futuro.
Uma coisa parece certa dificilmente os jornalistas poderiam aceitar discutir uma agenda de diálogo, sem que fosse previamente retirado o normativo de relacionamento com a comunicação social, recentemente imposto pela Edilidade. E isto porque tal suporia aceitar a existência e funcionamento de mecanismos negadores da especificidade e da missão do jornalismo e das instituições jornalísticas, tal como vêm consagrados no artº 38º da Constituição.
Sei perfeitamente que há, entre os jornalistas, quem entenda que com Rui Rio não é possível o entendimento, por considerarem que ele assume de forma reiterada, no exercício da actual função política, posições de afrontamento que tornam qualquer diálogo sem sentido. Mas neste, como em muitos outros aspectos, torna-se imprescindível a serenidade e o discernimento entre o que é essencial e o que é secundário. E uma capacidade de admitir e explicar erros – muitos deles não justificáveis mas compreensíveis, face aos condicionalismos em que a profissão é exercida – e de apostar em iniciativas que promovam a melhoria do jornalismo.
Discernir entre o que é essencial e o que é acessório’