O relatório da organização americana sem fins lucrativos Freedom House, que procura analisar ao redor do mundo como anda a liberdade de imprensa, lançado no dia 28 de abril em Nova York, constatou que a liberdade de imprensa sofreu substancial declínio no mundo em 2003 (fonte: www.jornalistas.com). Cita vários países do globo, alguns velhos conhecidos, e inclui a Itália como um país onde a imprensa é parcialmente livre. Motivo: o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi controla 90% das TVs na Itália, configurando um controle da informação.
No entanto, deixa de fora os Estados Unidos. Ora, desde o 11 de setembro que a mídia americana vestiu a bandeira e aceitou a censura imposta pelo governo Bush. Desde então, especialmente durante as invasões ao Afeganistão e ao Iraque, a imprensa ianque manipula grosseiramente as informações, aceita as limitações impostas pelas forças armadas e pela Casa Branca, numa atitude próxima à dos países totalitários que historicamente tanto criticou.
Toda aquela história de imprensa livre foi pelo ralo. Salvo algumas exceções, a imprensa ianque não aceita essa crítica, de que tenha falhado. A justificativa tem sido de que os EUA precisavam se proteger do movimento terrorista internacional – leia-se al-Qaida, bin Laden e Saddam Hussein – e para isso a imprensa se engajou, de corpo e alma, na luta sem quartel que Bush e seu bando estariam fazendo para proteger os ideais democráticos americanos.
Na realidade, sempre houve uma estreita aliança entre a mídia, o Estado e as elites americanas. A história mostra bem isso, inicialmente com a Guerra Hispano-Americana, do fim do século 19, quando a imprensa sensacionalista de Joseph Pulitzer (1847-1911), que dificilmente ganharia qualquer prêmio Pulitzer, e de William Randolph Hearst (1863-1951), retratado por Orson Welles, no filme Cidadão Kane, ajudaram a criar um clima de apoio à guerra na população ianque, principalmente depois que o navio de guerra americano Maine explodiu no Porto de Havana. Hoje sabe-se que foi um acidente, mas na época forjaram-se provas de que teria sido um atentado dos espanhóis, que dominavam Cuba, para incentivar a guerra e a invasão à ilha. O papel da imprensa foi fundamental, manipulando e criando informações falsas para justificar o conflito. Como resultado, os EUA, que ganharam a guerra, ficaram com as ilhas de Cuba e Porto Rico, no Caribe, e Filipinas e Guam, no Pacífico.
Sem peso moral
A ocupação das Filipinas foi difícil, em função da resistência, especialmente da população muçulmana. Foi lá que o exército americano começou sua história, pouco conhecida ainda, de massacrar civis em guerras e ocupações. O episódio atual da invasão do Afeganistão e do Iraque, guardadas as características da época, mostra que essa simbiose entre mídia americana e poder político-econômico continua, com a imprensa sempre apoiando as guerras de que os EUA participam. Watergate, que resultou na renúncia do presidente Richard Nixon, foi uma exceção. Já o papel que a imprensa teve na retirada e na derrota das forças armadas americanas do Vietnã foi relativo. A guerra já estava acontecendo havia anos. Só depois do aumento do número de soldados americanos mortos no conflito, aliado às imagens na TV das mortes e da destruição da população civil, é que o movimento de retirada dos soldados cresceu e forçou a derrota militar e política dos americanos no Sudeste Asiático.
A hipocrisia e a arrogância da imprensa americana continuam. Para eles, o que está acontecendo é normal, visto que a pátria foi atingida. A mídia se transforma em mais um soldado. Aliás, os repórteres engajados nas tropas, durante a invasão ao Iraque, mostraram muito bem esse lado soldadesco dos ‘jornalistas’. Só foram mostradas ao povo americano imagens liberadas pelos oficiais do exército ianque, criando no imaginário popular um falso cenário da guerra. A atual resistência iraquiana contra a ocupação militar anglo-americana, que conseguiu unificar xiitas e sunitas, coisa impensável alguns meses atrás, joga por terra todo esse esforço propagandístico que a mídia dos EUA aceitou fazer passiva e patrioticamente.
A Freedom House, assim como a maioria da mídia americana, perdeu a credibilidade. Que peso moral e político tem esse relatório, sobre como anda a liberdade imprensa no mundo, produzido por um órgão americano que não avalia a situação da mídia em seu próprio país? Sem credibilidade não há imprensa livre em nenhum lugar do mundo.
******
Jornalista