‘Final de ano não é das épocas mais estratégicas para a estréia de uma nova atração na TV. Mas, para José de Paula Neto, o Netinho, só há uma data possível para o lançamento de seu novo projeto, o TV da Gente -previsto para acontecer hoje, no Dia Nacional da Consciência Negra.
‘Escolher esta data é uma opção mais histórica do que econômica’, diz o apresentador e idealizador do novo canal, que entra no ar às 12h, pelo canal 50 (UHF) na cidade, pelo canal 19 (UHF) para a Grande Fortaleza e em todo o país, por parabólica, pelo satélite Brasilsat B1. ‘Quero fazer uma reparação histórica’, afirma Netinho, sobre o pioneirismo da proposta -o primeiro canal brasileiro dirigido por e para negros.
Parceria com o Grupo Bandeirantes de Comunicação, o canal terá Netinho só como empresário. Inicialmente em fase experimental, terá seis horas de programação: das 9h às 15h (de seg. a sex.) e das 15h às 21h (sáb. e dom.).
Estão previstas produções próprias que, como em qualquer outro canal, vão abarcar diferentes faixas de público: ‘Turminha da Hora’ (infantil), ‘Encontro da Gente’ (feminino) e mais sete atrações. ‘O canal não tem apenas um lado social, tem também seu objetivo comercial’, diz Netinho, que adota pensamento à la Juscelino Kubitschek para falar sobre sua experiência: ‘Se em 50 anos a TV não se interessou pelo negro, eu tentei, nestes cinco anos que faço TV, mudar isso. Agora, quero tornar o negro visível’.’
WEEDS
‘‘Weeds’ ironiza os paradoxos da América’, copyright Folha de S. Paulo, 20/11/05
‘Os seriados vêm levantando a ponta do tapete do modo de vida norte-americano para revelar o lixo que tentam empurrar para baixo. ‘Weeds’, série recém-estreada no GNT, é o mais recente de uma linhagem que ainda inclui ‘Six Feet Under’ e ‘Desperate Housewives’.
‘Weeds’ recicla o argumento de ‘O Barato de Grace’, filme inglês sobre uma dona-de-casa que vê no tráfico de maconha uma maneira de ganhar a vida depois que enviúva. Na TV, em vez da Inglaterra rural e da suavidade matronal de Brenda Blethyn do filme de Nigel Cole, temos uma cidadezinha da Califórnia e o charme irônico de Mary-Louise Parker.
O mote inicial é em tudo semelhante, mas, enquanto o filme, por sua extensão, explora de modo concentrado a situação absurda, no seriado o absurdo funciona como provocação. É como se, passando para o lado de ‘lá’ da lei, Nancy Botwin fosse alçada a um lugar privilegiado do qual pudesse ver melhor as contradições e ambigüidades da América contemporânea.
A naturalidade com que aparece a solução adotada por Nancy Botwin para ganhar a vida parece combinar com um princípio que rege o espírito mercantil da sociedade norte-americana: não importa muito de onde vem o dinheiro, importa, isso sim, que ele faça a roda do consumo girar. Nesse sentido, vender maconha no seriado funciona quase como uma metáfora dos mecanismos amorais do capitalismo moderno.
Apesar desse teor crítico, o tom é humorístico e, estranhamente, parece estar pouco se lixando para o politicamente correto. Nancy compra a droga num bairro barra-pesada, na casa de uma família negra, em que, para reforçar os efeitos cômicos do estereótipo, fala-se quase que um patoá recheado de gírias.
Como em ‘Desperate Housewives’ e ‘Six Feet Under’, também em ‘Weeds’ há cenários e mise-en-scène com textura hiperrealista: as cenas da abertura que mostram uma cidade assustadoramente uniforme, a ‘perfeição’ que parece emanar das casas e de seus habitantes de aparência agressivamente ‘saudável’, os personagens tão típicos que tangenciam o caricato…
Mas ‘Weeds’ tem algo que essas outras não têm, e esse algo é Mary-Louise Parker. OK, as ‘housewives’ desesperadas são (quase todas) ótimas atrizes de TV, mas Mary-Louise tem aquela qualidade reservada a alguns poucos atores de tornar qualquer aparição memorável, menos por seu virtuosíssimo em cena, do que por uma espécie de esquisitice. E é raro que mulheres explorem mais sua estranheza do que seus outros dotes.
Mary-Louise nunca teve um grande destaque no cinema, embora tenha papéis marcantes em filmes considerados cult da década passada, como ‘Tomates Verdes Fritos’ e ‘Grand Canyon’, mas parece agora ter achado o lugar perfeito para ser cool.’
SIMPSONS
CENSURADOSMatthew Norman
‘Televisão árabe ‘expurga’ Simpsons em nova versão’, copyright Folha de S. Paulo / The Independent, 19/11/05
‘Em vista do gosto que eles têm pela vingança hilária, vale apostar que os criadores de ‘Os Simpsons’ já estão trabalhando em cima de maneiras de punir o mundo árabe pelo expurgo impertinente que este cometeu com sua criação magnífica.
Na versão censurada de ‘Os Simpsons’ que o canal árabe por satélite MBC apresenta, Homer Simpson deixou de tomar cerveja -o que equivale a mostrar um Basil Fawlty (de ‘Fawlty Towers’) sem esnobismo, ou, quem sabe, a recriar Victor Meldrew (de ‘One foot in the grave’) como mestre zen que sorri com calma enquanto uma operadora telefônica o conserva aguardando na linha por mais de uma hora.
Além de não beber, Omar al Shashoon, como Homer agora é conhecido no mundo árabe, deixou de comer bacon. Ainda não foram apresentados planos formais para muni-lo de um esteira para orações e um compasso, mas não podemos deixar de nos indagar até onde esses insensatos irão na tentativa de emplacar a opinião fundamentalista.
O resultado parece ser o suicídio do que é cômico. Consta que o jovem ator egípcio que dubla Omar se destaca por ser tão pouco engraçado. O próprio programa é visto do mesmo modo, e o produtor de ‘Os Simpsons’, Al Jean, destaca o óbvio quando diz que um Homer que não bebe, não come e nem se comporta como porco não é Homer, simplesmente.
A impressão que se tem é que uma oportunidade de melhorar as relações árabe-americanas está sendo sacrificada no altar da correção político/religiosa, para onde vai o humor para ter sua garganta cortada como um frango ‘halal’.
O riso pode ou não ser remédio para muitos males. Mas um ‘Os Simpsons’ não censurado poderia servir de paliativo, senão cura, para o ódio e a desconfiança em relação aos EUA que alcança seu auge no Oriente Médio.
Adolf Hitler desaprovava profundamente as piadas sobre judeus, conforme escreveu em ‘Mein Kampf’ (‘Minha luta’), baseado na premissa de que as pessoas têm dificuldade em odiar aquilo que as faz rir.
Por mais difícil que seja enxergar o Führer como protoprofessor de comédia, ele tinha toda a razão. Nada constitui antídoto mais eficaz aos sentimentos que tantos entre nós desenvolvemos a contragosto contra os EUA do que assistir ao país satirizar a si mesmo, em toda sua complexidade singular, de mundo dentro de um mundo, através das bocas dos Simpsons.
A dependência da gratificação instantânea, a generosidade de espírito, a crueldade, a tolerância, a intolerância, a falsa religiosidade nauseabunda, o hábito sincero de freqüentar a igreja, a cultura das armas, os perigos do capitalismo de livre mercado irrestrito, a arrogância imperial, a insegurança subjacente, o calor humano, o bom humor e todas as características do país e de seu povo são objeto de zombaria impiedosa, mas que é feita com afeto transparente por alguns dos roteiristas cômicos mais talentosos do planeta.
Parece pouco provável que a visão da usina nuclear assustadoramente insegura de Monty Burns vá fazer os iranianos desistirem de criar sua própria, e é pouco provável, também, que a democracia local em ação de Springfield seja capaz, por si só, de convencer a família real saudita a fazer as malas e fugir em massa para os Alpes suíços.
No entanto, se a emissora árabe tivesse o bom senso de confiar em seus espectadores, deixando-os enfrentar por conta própria a visão de personagens bebendo álcool e comendo carne de porco, sem fazer mais do que traduzir os diálogos originais para o árabe, desconfia-se que a percepção de que os americanos se sentem tão confusos com seu próprio país quanto se sente o resto do mundo poderia, quem sabe, fazer um pouco de bem.
O simples fato de saber que o programa de televisão mais apreciado dos EUA trata o presidente tão asperamente quanto o crítico árabe mais intransigente -em um episódio recente, Homer prevê que ‘o próximo atoleiro militar será no Irã ou na Coréia do Norte, graças ao general Maluco Banana que está no comando’- poderia servir para tranqüilizar o espectador, fazendo-o achar que essas idéias são literalmente risíveis demais para se concretizar.
Ouvir George W. Bush sendo descrito, com sotaque americano, como ‘burro com cara de macaco’, poderia sugerir que há mais em comum entre os EUA e o mundo fora de suas fronteiras do que imaginam os habitantes do Qatar ou da Jordânia.
É claro que se poderia levar ao exagero a idéia de que um senso compartilhado de prazer satírico seria capaz de unir países ideologicamente distintos em um grande Woodstock panglobal, mas a mensagem subliminar encerrada em tudo isso -de que os cidadãos de Springfield e do Cairo são divididos por diferenças menores do que imaginam- não seria má coisa de se difundir.
Com certeza vai demorar algum tempo até que o ditador sírio, Bashar al Assad, filho de pai presidente, chore de rir ao ver seu equivalente ser ridicularizado ou se divirta, gritando ‘D’oh!’, diante de algum equívoco imbecil relativo à tortura de um cidadão italiano seqüestrado pela CIA e levado a Damasco em jatinho executivo para ter sua língua afrouxada.
Pode ser que o ditador egípcio, Hosni Mubarak, se se cansar das férias semigratuitas passadas pelo casal Blair na costa egípcia, jamais recomende ao premiê britânico -ele próprio convidado de ‘Os Simpsons’, em sua pior atuação desde que leu um discurso no funeral da princesa Diana- que coma seus shorts.
Pode até ser que ‘Os Simpsons’, em toda sua genialidade não censurada, simplesmente não façam sucesso no mundo árabe. Mas isso não é motivo para não lhes dar uma chance de fazer esse sucesso, nem constitui desculpas para quem ousa interferir com o que é perfeito.
Tradução de Clara Allain’