Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Luiz Peazê


‘Notícias sobre escândalos na política, tiroteio entre polícia e traficantes, um plebiscito casuístico e a habilidade espantosa de Ronaldinho Gaúcho, o maior jogador de futebol do mundo depois de Pelé, formarão nos arquivos da imprensa nacional apenas metade da história do país.


As manchetes de abertura dos jornais poderiam documentar a história completa, mas não documentam. Poderiam influenciar a outra metade, mas desperdiçam esta chance. E quem perde mais são os leitores, eventualmente consumidores, contribuintes, cidadãos que de um modo indireto são parte do poder que dá a concessão a rádios e TVs, e garantem a existência dos jornais impressos pela coexistência que demanda a liberdade de expressão. Pois, sem audiência e sem leitores os jornais não existiriam.


Um rápido giro pelas ‘não notícias’ demonstra essa pobreza de registros históricos, um desejo que dormita no íntimo de cada jornalista idealista. Somente dos idealistas.


Por exemplo: nesta segunda-feira 21 de novembro será lançada a pedra fundamental do Pólo Sul da Amazônia Azul e a notícia estará perdida em pouco mais de cinco linhas no interior poluído dos jornais, e na escalada nervosa dos telejornais, se pelo menos isso acontecer.


Trata-se do início da construção do Cidec/Sul – Centro Integrado de Desenvolvimento Costeiro e Oceânico na Fundação Universidade Federal do Rio Grande. Pelo nome dá para perceber a complexidade e importância do negócio, e uma das atrações que podem despertar interesse do grande público é o lançamento do Oceanário Brasil, um complexo integrando museu e aquário de grandes dimensões, como os existentes em várias partes do mundo – especialmente na Europa e nos Estados Unidos, país que possui o maior número de oceanários do mundo. Uma recriação da atmosfera dos oceanos, para mostrar a visitantes como é o fundo do mar, com suas diversificadas fauna e flora. Os mais famosos oceanários do mundo têm tanques com grandes animais marinhos, como golfinhos e botos, e acabam sendo grandes atrações turísticas.


Não é por acaso que os Estados Unidos possuem as duas Forças Marítimas maiores do mundo. A Marinha de Guerra americana e a sua Guarda Costeira que, sozinha, ganha em poder de fogo, aparelhamento e contingente da Marinha de Guerra da Inglaterra e da Rússia. O Brasil não possui guarda costeira e a minha Marinha (quem quiser que se aproprie também, fará bem) por mais charmosa e elegante, mais útil e exemplar, vive à míngua. E não é só por causa do revanchismo ainda persistente desde os tempos dos governos militares, é por miopia mesmo dos governantes, políticos e da minha imprensa.


Não é por acaso que o orçamento do Programa Antártico é pífio, se comparado à viagem de um aventureiro pedante ao Continente Gelado, que inclusive utilizou verba da estatal Petrobrás, sem retorno nenhum para o país, para fotografar golfinhos, produzir livros, vender vídeos e fazer marketing pessoal. A Antártica é um cofre de riquezas do mundo, fechado até o ano 2050, ao qual o Brasil tem acesso para pesquisa. Se um dia esse cofre for autorizado por convenção internacional para exploração, o Brasil estará habilitado a tal. Porém, se não der importância a programas como o Antártico, ou nem noticiar desenvolvimentos tais como o Pólo Sul da Amazônia Azul, corre o risco de perder esse direito.


É verdade que assuntos de áreas científicas vão contra o que se aprende na faculdade de comunicação quando a pergunta do professor é: o que é notícia? Vai mais contra ainda quando a pergunta do dono do jornal é: esta notícia vende? Mas, ingenuidade à parte, não custa nada tentar chamar a atenção dos editores de plantão para que sejam mais criativos. Ou responsáveis socialmente. Ledo engano, ou ignorância total, de quem afirmar que os oceanos, por exemplo, não têm nada a ver com o cotidiano das pessoas, das mais sofisticadas às mais simplórias, das cidades, das periferias e das zonas rurais. Se não quiserem noticiar, nunca irão investigar, se não investigarem nunca irão saber.


Enquanto a história do próprio jornalismo não muda, a história continuará a ser documentada pela metade, a opinião pública continuará a ser formada pela metade, funcionando com a sua capacidade atrofiada, sem poder de influenciar tendências históricas, ou pressionar por decisões verdadeiramente históricas a médio e longo prazos. Pois, não importa se o jornal é diário, leva duas horas para ser produzido e morre em quinze minutos de leitura. Tudo fica registrado. No caso aqui, tudo pela metade.’



JORNALISMO AMBIENTAL


Marcos Sá Corrêa


‘O decano do jornalismo ambiental ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 24/11/05


‘Se não forem moda de verão os seminários sobre jornalismo ambiental que entopem as agendas neste fim de ano, está mais do que na hora de publicar no Brasil o livro Green Ink, de Michael Frome. Nos Estados Unidos, onde saiu há sete anos, essa ‘tinta verde’ responde em 204 páginas a todas as perguntas que aqui ainda agitam os auditórios. O tempo pode ter envelhecido alguns de seus capítulos, que estimulam repórteres a usar os serviços de busca na internet sem mencionar o Google. Mas criou um clássico, capaz de ensinar os truques do ofício, que cabem em quatro palavras: ‘Alfabetize e corra riscos.’


Dos riscos ele nem precisa falar. Basta o exemplo de sua carreira, que começou no Washington Post na década de 40 com uma série de reportagens sobre a Polônia, logo depois da 2ª Guerra Mundial. Mal saído do front, Frome voou para lá na companhia de um piloto militar, encarregado de despejar no país arruinado um carregamento de ovos. E emplacou na primeira página tudo o que despachava para o jornal.


Dali para a frente, seu currículo embica para baixo, saltando entre publicações chamadas Changing Times, American Forests, Living Wilderness e Field & Stream, cujos nomes soam como um roteiro rumo à obscuridade. Nem mudando de altitude ele se livrou de turbulências. Perdeu o posto na American Forests, revista centenária que tem pela retaguarda a avó das ONGs ambientalistas, por desancar em sua coluna o serviço florestal do governo americano, velho malversador de árvores. Da Field & Stream caiu ao colidir com um figurão do Senado, que fazia o lobby de mineradoras, empreiteiras e outras espécies rapinantes.


De demissão em demissão, virou o modelo do que hoje os repórteres querem ser quando crescerem. Aos 85 anos, ajudado por uma voz quase inaudível que costuma ser ouvida de pé por platéias cada vez mais jovens, ensina o que não se aprende em cursos de comunicação. Que a objetividade é a virtude dos chatos, por exemplo. Porque, assim como não se pode cobrir educação sem torcer por melhores escolas ou cuidar do noticiário policial edulcorando os bandidos, ao se interessar pela conservação da natureza o jornalista adere a uma causa. E, com ela, perde de uma vez por todas a isenção.


Sem ela, estará fadado a nadar contra a corrente, brigando por interesses sociais que nem sempre as sociedades reconhecem. Terá de entender o mínimo de biologia, botânica, clima, história, economia, geografia, política, religião – enfim, saber se orientar em todas as encruzilhadas do senso comum com o conhecimento especializado, pois nesse terreno acidentado não adianta simplesmente transcrever o que declaram as autoridades. Aliás, elas têm o hábito de estar do outro lado. De quebra, é indispensável cumprir os prazos de fechamento, as normas de imparcialidade e as regras de gramática, porque terá pela frente um caminho meio fechado, onde os erros mais comuns parecem irremediáveis.


Em suma, convém espelhar-se em figuras como a de William Cullen Bryant, que era botânico, traduziu Homero do grego, passeava por Nova York com o poeta Walt Whitman e, escrevendo no Evening Post, convenceu a cidade a comprar terras enquanto era tempo para investir no que viria a ser o Central Park. É difícil? Sem dúvida. Mas parece um atalho direto para o futuro quando Frome aponta as bobagens da grande imprensa americana.


O New York Times, nos anos 70, fez tudo para mostrar ao público que a bióloga Rachel Carson estava se metendo onde não devia ao escrever o livro Primavera Silenciosa, pois não havia provas de que pesticidas tivessem o poder de aniquilar a fauna sem derrubar árvores. Ou seja, o que agora o mundo inteiro sabe. Logo, há riscos também em ser oficioso.


Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)’



TODA MÍDIA


Nelson de Sá


‘E tome campanha’, copyright Folha de S. Paulo, 24/11/05


‘Não faltou manchete, ontem. Começou com ‘Lula garante Palocci até o final do mandato’, da Folha Online ao Google Notícias, canais etc.


Passou a ‘Empate adia decisão sobre o fim do processo de José Dirceu’, do UOL à Globo.com -com a ironia de que dois sites chegaram a dar ‘Dirceu perde’.


Por fim, veio a chuva e com ela as cenas de alagamento, mais a locução de Luiz Datena na Band. Depois, os telejornais nacionais.


Curiosamente, ‘JN’ e ‘SPTV’ mal deram. E tinham as cenas.


Lá no palácio, não era Palocci ou Dirceu ou a enchente que preocupava Lula, ainda que a chuva possa ter efeitos eleitorais. Do blog de Helena Chagas, em um destaque da Globo Online:


– Não é o zunzunzum em torno do ministro o que tira o sono de Lula. É a pesquisa CNT.


Não esperava mais rejeição, ainda que ela tenha resultado de um mês de inserções nacionais dos adversários PSDB e PFL.


Em resposta, ‘mais dinheiro na veia dos programas sociais’. E pose para foto com capacete da Petrobras, entre operários, ontem nos telejornais. Do blog:


– E tome campanha.


Campanha exige dinheiro. O blog de Josias de Souza, na Folha Online, recebeu e-mail do PT, para arrecadação, repassou as coordenadas e deu sua opinião:


– Após Jefferson estourar a banca de Delúbio e Valério, o maior tesouro do PT voltou a ser sua militância. Agora que está podre de pobre, recorre a ela.


E tem os tucanos. Reportagem do ‘Valor’, sob o título ‘PSDB de SP prepara caixa para 2006’, acompanhou um ‘jantar de confraternização de dirigentes partidários e empresários’.


O tesoureiro Marcos Monteiro prometeu ‘gastar menos do que em 2002’ e não descartou ‘um bom marqueteiro’. Será mais ‘um estrategista’ e ‘não vai aparecer tanto quanto antes’.


LULA E OS CORINTIANOS


Como Lula, também os corintianos responsabilizam a mídia. ‘O Corinthians não tem culpa e agora ficam esses comentários injustos de que fomos beneficiados’, dizia o zagueiro Marinho à Folha Online. O blog de Juca Kfouri comentou que ‘é verdade’ que ‘não foi o primeiro nem será o último erro de juiz’. E que ‘os corintianos estão como os petistas’, dizendo que ‘as denúncias passaram dos limites, como se só o PT praticasse delitos que, como se sabe, são comuns na vida de todos os partidos’.


CALOR Enquanto o cineasta João Moreira Salles não lança sua revista, o site Nomínimo se anima e lança blog novo, com ‘posts’ de Xico Vargas sobre política e até uma conversa com FHC, que explicou seu ‘mal-estar’ de sábado pelo ‘calor insuportável’. Na manchete para o blog, ‘O melhor do Brasil é o futebol’, chamando às notas de esporte. De quebra, uma imagem de Kate Moss no novo calendário Pirelli


SOB CENSURA


O ‘Times’ de Londres noticiou que o procurador-geral avisou aos editores dos maiores diários ingleses que vai processar quem divulgar o memorando que revelaria os planos de George W. Bush para atacar a sede da Al Jazira. A emissora árabe soltou nota dizendo que a revelação dos planos, anteontem, questiona a ‘versão’ dada pelos EUA para ataques que atingiram dois de seus escritórios.


FORA DO AR O site do ‘Libération’, jornal que nasceu em 1973, a partir das rebeliões de 1968, está ‘em greve’, suspenso, a exemplo da versão impressa. O único registro no site é para o placar da assembléia, mais o aviso de que a paralisação é contra demissões.’



RACISMO & MÍDIA


Ali Kamel


‘Sensacionalismo acadêmico’, copyright O Globo, 24/11/05


‘Os jornais não passam muito tempo sem divulgar algum estudo relativo à ‘cisão racial’ brasileira, termo muito do agrado dos que dizem que o Brasil é um país estruturalmente racista. O que estes estudiosos não percebem é que, com isso, em vez de pôr fim a uma cisão que não existe, vão acabar dando origem a ela.


A mais recente investida foi o ‘Relatório de desenvolvimento humano’, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O relatório não traz produção própria: é um ‘cozido’ dos muitos estudos que nos últimos tempos tentam provar que, no Brasil, brancos dominam negros. Mas, desta vez, fizeram o que eu chamo de ‘sensacionalismo acadêmico’. No capítulo ‘As desigualdades sócio-raciais’, há uma atrocidade. Primeiro, eles dizem que, em 1982, 58% dos negros e 21% dos brancos estavam abaixo da linha da pobreza, contra 47% dos negros e 22% dos brancos em 2001. Mas, em vez de trocar isso em miúdos, preferiram dar destaque a outro recorte. Declararam que, entre 1992 e 2001, o número absoluto de brasileiros abaixo da linha da pobreza caiu cinco milhões, mas todos brancos ou de outras ‘categorias raciais’: o número de negros pobres teria crescido 500 mil. É como se só brancos melhorassem de vida. No site do PNUD, essas informações estavam em grande destaque.


Fiz as contas, e espero que o leitor me acompanhe, apesar da aridez do terreno. Repetindo: com base nos números do próprio PNUD, no período entre 1982 e 2001, o percentual de negros pobres caiu de 58% para 47% e o de brancos pobres se manteve praticamente estável, de 21% para 22%. Em números absolutos, em 1982 havia 14,5 milhões de brancos pobres e 30,6 milhões de negros pobres e, em 2001, 20,1 milhões de brancos pobres e 36,9 milhões negros pobres. Portanto, em 19 anos, em função do aumento populacional, o número de negros pobres cresceu 6,3 milhões, apesar da queda percentual, e o número de brancos pobres cresceu 5,6 milhões, apesar da estabilidade em termos percentuais. A população total negra no período cresceu 49,2% enquanto a população total branca cresceu 31,9%. Portanto, a diferença maior de negros pobres no período – 700 mil – mais do que se justifica pelo maior crescimento populacional do grupo em relação aos brancos. Se levarmos isso em conta, verificaremos que 25,4% dos brancos que se somaram à população brasileira no período eram pobres e que essa proporção foi menor entre os negros: 24,3%. E mais: se percentualmente a pobreza entre negros tivesse se mantido estável (58%), como ocorreu com os brancos, o número de pobres negros em 2001 deveria ser de 45,6 milhões e não de 36,9 milhões. Logo, 8,7 milhões de negros escaparam da pobreza. A melhora na situação do negro foi expressiva: a pobreza caiu muito mais acentuadamente entre os negros do que entre os brancos. Naturalmente, o PNUD não fez essas contas, preferindo aquele outro recorte ‘sensacionalista’. Eu chamo isso de manipulação.


A coisa é freqüente. Outro dia saiu um estudo comparando o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de brancos e negros em municípios brasileiros. O estudo é em si uma bobagem: se 60% dos pobres são negros, não é surpreendente que o IDH da maior parte dos negros, em qualquer município, não seja alto. Pois bem: o estudo destacou com estardalhaço que em apenas sete municípios o IDH dos negros era alto, situação em que os brancos se encontram em 1.591 municípios. É uma escolha estatística pela pior notícia. Eu poderia ter feito outra opção. Por exemplo: em 88% dos municípios pesquisados, os negros têm IDH médio-alto e médio; o mesmo acontece com os brancos em 69% das cidades. A reportagem não fez essa conta, claro.


Um outro estudo mostrou que seria preciso aplicar R$ 67 bilhões em ações voltadas para negros em saneamento básico, educação e habitação para que brancos e negros tivessem um mesmo padrão social. Não consigo entender como alguém pode fazer uma conta como esta. Qual seria o resultado se o governo enveredasse por esse caminho? Um país em que os negros estariam em ótimas condições, mas os 20 milhões de brancos pobres continuariam com índices humilhantes. Isso não faz o menor sentido. A conta não deve ser quanto é preciso para tirar os negros da pobreza, mas quanto é necessário para tirar os pobres da pobreza, negros e brancos.


Com freqüência, porém, dizem que minhas afirmações são fruto do que chamam de pensamento convencional. E eu concordo: de fato, chego a essas conclusões usando apenas o raciocínio lógico. É justamente a falta do pensamento convencional que embaça o debate. Há dias, vi na TVE alguém defendendo a ação do Ministério Público do Trabalho: ‘Esse programa é uma revolução silenciosa porque está fazendo as empresas olharem para dentro de si e verem que não têm trabalhadores negros. O programa está combatendo os clichês de que o racismo é um problema econômico, social e educacional. Porque, na verdade, está sendo demonstrado que há vários negros capazes em número suficiente, e eles não estão sendo absorvidos pelo mercado de trabalho.’ Taí um pensamento não convencional. Ou bem é verdade que o racismo barra os negros nas universidades ou bem é verdade que as universidades despejam no mercado todos os anos muitos profissionais de qualidade que não são absorvidos pelas empresas por racismo. Os dois fenômenos não podem coexistir na mesma medida. Apesar disso, as cotas são vistas como remédio para ambos os fenômenos.


Outro argumento freqüente dado como prova de racismo é a distribuição geográfica de brancos e negros nos bairros das cidades. Naquele mesmo programa da TVE, um professor repetiu o que muitos dizem: nas favelas cariocas, 90% dos habitantes são negros. Não é verdade. Nas favelas da cidade do Rio, segundo o IBGE, 57% se declaram negros, contra 41% que se dizem brancos, um contingente altamente expressivo. Onde está o racismo? Considerando todas as favelas pesquisadas, 22% delas, ou 114 comunidades, têm mais brancos do que negros, entre elas a Rocinha, onde os brancos são 54%, Rio das Pedras, com 58% de brancos e o Morro do Timbau, com 61% de brancos. No Brasil, 59,7% dos favelados são negros e 40,3%, brancos.


Em toda família brasileira, o negro se faz presente, essa é a verdade. Num país assim, a solução só pode ir numa única direção: uma política econômica que distribua renda e políticas sociais voltadas para o resgate de toda a pobreza, independentemente da cor.’