Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Crítica diária

12/3/08


O queridinho da imprensa


Alto de página da Folha em 2 de março: ´Gabeira é o nome de PV, PSDB e PPS no Rio de Janeiro´.


Outro alto, em 4 de março: ´Gabeira aceita concorrer no Rio, mas impõe condições´.


Hoje, também no espaço mais destacado da página: ´Gabeira promete capitalismo, se alia ao PSDB e acena ao PT´.


Sempre na edição São Paulo.


Não me lembro de o jornal ter dado recentemente alto de página para as iniciativas de outros pré-candidatos à Prefeitura do Rio, como Marcelo Crivella (PRB), Solange Amaral (DEM), Alessandro Molon (PT), Chico Alencar (PSOL), Carlos Lessa (PSB) e Jandira Feghali (PC do B).


O lançamento do deputado do PV por uma frente é mesmo um fato político importante. Mas a Folha dá a impressão de se transformar em cronista pouco crítico de um candidato em especial.


Exagero?


A reportagem de hoje não citou nenhum adversário de Gabeira. Nenhum mesmo. Contra quem ele concorrerá? Essa informação, elementar, foi omitida.


Conhecê-la é um direito dos leitores.


Quando o deputado disse que ´as nossas divergências são secundárias´, sobre o PT, não seria o caso de publicar um quadro com as declarações de Gabeira à época do mensalão e de Severino Cavalcanti?


Pior: defensor da ética na política e na administração pública, Gabeira posou ao lado do ex-governador Marcello Alencar.


Era obrigação da Folha contar se o antigo governante notabilizou-se pelos bons costumes à frente do Estado do Rio de Janeiro.


Sobre Marcello Alencar e seus filhos influentes, nenhuma palavra.


Gabeira até poucas semanas atrás era colunista da Folha.


Foi repórter do jornal.


Há inegável interesse jornalístico em noticiar sua entrada na corrida pela prefeitura.


Mas opinião, legítima, deve ser manifestada nos espaços próprios, de editoriais, artigos de colunistas e textos de convidados. Não no espaço noticioso.


A reportagem de hoje não emite posição formal sobre o pré-candidato, mas o trata com uma condescendência estranha aos princípios editoriais da Folha condensados no Manual da Redação.


O jornal faria bem se começasse a tratar Gabeira com o senso crítico que dispensa a outros parlamentares e candidatos.


Para registro: no jornalismo carioca, o tom de simpatia por Gabeira é o mesmo ou ainda maior.


Serra, partidário


Afirma a reportagem ´Serra admite candidaturas de Alckmin e Kassab separadas na disputa em São Paulo` (pág. A11): ´Ele [Serra] se recusou a declarar o seu apoio, embora a expectativa seja de adesão à candidatura Alckmin´.


É virtualmente obrigatório ao governador, aspirante à Presidência, apoiar formalmente o candidato do seu partido à Prefeitura de São Paulo.


Se não apoiar, não tem como cobrar o PSDB unido em torno dele em possível candidatura presidencial em 2010.


Mas o texto da Folha dá a entender que essa adesão seria para valer, quando, mesmo na hipótese de apoio formal, é sabido que José Serra trabalha e trabalhará, ainda que na moita, por seu fiel aliado Gilberto Kassab.


A não ser que o cenário tenha mudado, e a Folha não tenha informado.


Título esfria história


Há uma guerra na Bahia com ingredientes de folhetim, daqueles de acompanhar dia-a-dia com curiosidade de dependente: a disputa familiar pela herança de Antonio Carlos Magalhães.


Abstenho-me de enumerar todos os lances espetaculares de ontem, no capítulo mais ruidoso do confronto, relatados na pág. A11.


Havia infinitas possibilidades de título quente, mas a Folha saiu com um mais gelado que os saborosos sorvetes vendidos na Cubana, em Salvador, na entrada do Elevador Lacerda: ´Oficiais entram em apartamento para arrolar bens que foram de ACM´.


Fotojornalismo


Folha e ´Estado` tinham uma fotografia excelente mostrando a resistência de uma índia, com uma criança no colo, à ação de reintegração de posse no Amazonas.


Ambos a publicaram na primeira página.


A Folha recortou a foto à esquerda, à direita, acima e abaixo. Descaracterizou-a.


O ´Estado` deu-a inteira, exuberante.


Não é todo dia que se tem uma imagem dessas.


É uma pena desperdiçá-la.


Títulos


Título interno da Folha: ´Dilma se diz ´mãe do PAC` e ouve apelo por 2010´.


Título na primeira página do ´Globo´, mais inspirado: ´Dilma assume ser a mãe do PAC e chora´.


CQD


Acompanhando há pouco o noticiário on line do ´New York Times` sobre a renúncia do governador Spitzer, constatei que Nova York está uma hora atrás de Brasília.


Como um leitor atento alertara, a Folha segue publicando diferença de duas horas.


Tratei do tema na coluna dominical.


A permanência de erro na tabela de fusos horários confirma, infelizmente, o comentário.


História desperdiçada


A Folha noticiou em uma nota minúscula de rodapé: ´Manobrista atropela e mata rapaz em SP` (pág. C7).


De acordo com o ´Estado` e o ´Diário de S. Paulo´, que deram alto de página, tratava-se de uma manobrista, mulher. A Folha informa que era homem.


O episódio ocorreu na av. Paulista.


Repito: na av. Paulista, onde circula parcela expressiva dos leitores da Folha.


E o jornal fez pouco caso do fato.


Forfait


Participo amanhã de manhã em São Paulo do evento BBC Debate, na mesa-redonda ´Liberdade de Expressão: Limites do Jornalismo no Século 21´.


À noite, faço palestra a alunos do Colégio São Luís.


Na segunda-feira, dou aula inaugural no curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa.


Esta crítica volta a circular na semana que vem.


11/3/08


Os leitores também cansam


Entre as reclamações mais freqüentes e exaltadas que recebi dos leitores nos primeiros meses como ombudsman se destacavam os protestos contra a má ou inexistente cobertura das equipes de futebol de outros Estados.


Nas críticas diárias e na coluna dominical, ecoei as manifestações dos leitores.


Com o tempo, elas foram diminuindo. Não sem motivo: os apelos pela mudança de nada serviram. Os leitores também cansam.


Nas respostas da Redação, o principal argumento para a postura adotada é a limitação de espaço.


Não foram poucos os leitores que prometeram cancelar a assinatura do jornal em virtude do silêncio sobre seus clubes de coração.


A edição de ontem é exemplo de falta de sensibilidade jornalística.


Na véspera, Atlético-MG e Cruzeiro levaram mais de 50 mil pessoas ao Mineirão. O Campeonato do Rio de Janeiro teve mais uma rodada de repercussão.


A Folha simplesmente não noticiou os jogos dominicais daquelas competições. Os resultados não saíram nem na seção ´Placar´, que não deixou, contudo, de anunciar os resultados do vôlei nacional e do Campeonato Alemão de futebol.


Houve um tempo em que a edição Nacional não era ficção: para otimizar o espaço, noticiava-se com mais destaque os times de outros Estados nos exemplares que seguiam para lá. Depois, o tamanho da notícia diminuía.


Hoje em dia, é silêncio absoluto na edição Nacional e na São Paulo, que às segundas-feiras nada mais é do que a mesma edição Nacional.


Falta de espaço? Mas a edição de ontem tratou de nadadora americana, boxeador nigeriano e prova de motociclismo vencida por um piloto australiano.


Uma reportagem sobre a queda do desempenho esportivo de Cuba ganhou dois altos de página. Ela poderia sair dias antes ou depois, sem diferença. Segunda-feira, no entanto, é (deveria ser) dia de noticiário quente, sobre os embates do fim-de-semana.


Ao ignorar o futebol de fora de São Paulo, a Folha esquece que é o jornal brasileiro com mais leitores fora do Estado onde é editado, conforme o jornal noticiou recentemente com justo orgulho.


Já a concorrência não dorme. O ´Estado` deu matérias sobre a rodada em Minas e no Rio. E veiculou a tabela de classificação dos campeonatos (mais do Paranaense e do Gaúcho; além de vários do exterior, incluindo o Português, que a Folha também ignora, para irritação de leitores).


Até o Globo, jornal mais focado na sua cidade-sede, imprimiu reportagens sobre os Campeonatos Paulista e Mineiro.


O que eu mais lamento na atitude da Folha é que estes argumentos e observações não são novos. Já foram repetidos antes aqui.


É desagradável ver o jornal com uma postura que pode ser confundida com provincianismo ou bairrismo, olhando apenas para SP e fazendo pouco dos seus numerosos leitores em Minas, Paraná, Rio e outros Estados.


Não discuto se a cobertura foi boa ou não. Se o espaço deveria ser maior ou menor.


A Folha não deu nada, zero, a não ser que se considere o resultado de loteria.


O estranho caso da manchete que não rendeu nem alto de página


Em dia de notícia fraca, tiros para todos os lados.


Manchete da Folha: ´Pessimismo com EUA derruba mercados´.


Do ´Globo´: ´Onda de invasões do MST atinge exportação da Vale´.


Do ´Estado´: ´Governadores do PMDB já atacam a reforma tributária´.


O ´Globo` deu em cinco colunas, 100% do espaço horizontal da página, a reportagem que mereceu manchete.


O ´Estado´, em título de duas linhas em seis colunas, o máximo possível.


Ambos em alto de página.


A Folha não noticiou sua manchete em alto de página.


Pior, a reportagem saiu em duas colunas, das seis possíveis.


Uma coisa é o eventual jogo de edição bem bolado, em que o título interno não repete a manchete e destaca outro aspecto da notícia.


Não se trata disso: o fato mais importante da véspera, na ótica da Folha, a considerar sua primeira página, não conquistou nem alto de página em Dinheiro.


Bate-volta


Foi muita boa a idéia de enviar repórter à Espanha, para contar o tratamento recebido ao entrar no país.


A viagem de André Camarante, noticiada ontem pela Folha, ficou ainda melhor com o relato sobre a obtenção de trabalho.


À ótima reportagem faltou esclarecer as condições do passaporte do jornalista: com muitos carimbos, seria sinal de que se trata de viajante constante, o que facilita o ingresso.


O passaporte de Camarante não é uma coleção de carimbos, como esclareceu a Redação, a pedido de leitores.


Pautas e reportagens como a de ontem valorizam o jornal, têm repercussão.


Lista? Que lista?


A reportagem ´OEA cobra Brasil sobre ameaças à imprensa` (pág. A6; há cacófato ´bra-bra´) se refere a ´oficiais de governo` do Brasil.


Imagino que se queria dizer ´funcionários` do governo.


Reproduzo verbete da lista de tradução recentemente distribuída à Redação: ´official: funcionário de médio ou alto posto, no governo ou em uma empresa´.


Hollywood é aqui


Dá uma boa discussão jornalística, como observou dias atrás o blog ´Novo em Folha´: seria possível evitar uma barriga como a reportagem que bancou que uma ´médica` (não é) foi ´roubada` (não foi) e vítima de ´tentativa de homicídio` (também não foi)?


Notícia de hoje esclarece parte da estória: ´Falsa médica de Taubaté diz ter inventado roubo` (pág. C10).


Vestido de noiva


Mesmo se considerada uma crônica sobre o poder, econômico e político (Marta, Alckmin e Kassab presentes), a cobertura do casamento dos filhos de empresários não merecia uma página inteira (´Mil em uma noite´, pág. E2).


Houve mudança nas fotografias, da edição Nacional para a São Paulo/DF.


O incrível é que os noivos continuaram sem aparecer. Há uma longa nota sobre o vestido da noiva. Sem imagem, ao leitor só se dá o direito de imaginar.


10/3/08


Leitores e checagem


O editor de um excelente diário britânico costuma dizer que os jornalistas estão errados ao pensar que sabem muito mais que os leitores.


Em minha opinião, o raciocínio fica no meio do caminho: os jornalistas se equivocam ao ignorar que, sobre os assuntos a respeito dos quais informam, há sempre algum leitor que sabe mais do que eles (nós).


Mesmo os leitores não iniciados nos temas que se transformam em objeto de interesse jornalístico têm hoje à disposição uma vastidão de fontes nas quais podem cotejar a informação obtida no, por exemplo, seu jornal predileto.


Não há estatística da Folha para identificar a origem das retificações em Erramos. É possível assegurar, contudo, que a maioria absoluta das correções é feita a partir de avisos dos leitores. Em boa parte dos casos, os alertas são enviados ao ombudsman, que os repassa à Redação, com pedido de checagem e eventual correção.


A transformação dos leitores da Folha em potenciais ´checadores` de informações é uma conquista do jornal. Os leitores são aliados da Redação, no esforço para o jornal ser preciso nas informações que publica.


Há participação cada vez maior dos leitores, como indicam os números mais recentes do atendimento do ombudsman.


Em janeiro, houve 1092 contatos, recorde histórico em 19 anos, 5% a mais que no mesmo mês em 2007. Em fevereiro, 1228 –39% a mais que em fevereiro do ano passado.


O empenho dos leitores em zelar pela precisão das informações é um dos aspectos mais notáveis do jornalismo contemporâneo.


Seguem algumas sugestões de checagem e retificação elaboradas com a indispensável contribuição dos leitores da Folha.


Checagem 1


Informa o texto ´Pai afirma que Patrícia ficou 10 horas confinada, sem água e sem comida` (pág. C1 da sexta-feira): o horário de 12h em Madri equivale ao de 16h em Brasília.


Está errado. Estamos quatro horas atrás, e não à frente.


Checagem 2


O texto ´PM não vai tolerar ´baderna` no RS, diz coronel` (pág. A10 da sexta-feira) relata declarações de um oficial da Brigada Militar.


Não existe, que eu saiba, corporação de nome Polícia Militar no Rio Grande do Sul.


Logo, o título está errado, ainda que a Brigada seja a versão local da PM dos outros Estados.


Checagem 3


Há erro na primeira frase da reportagem ´Equador faz busca em fazenda que forneceria produtos para a guerrilha` (pág. A12, sexta-feira, edição Nacional): ´Agentes da Polícia Nacional e um promotor de Justiça equatorianos cumpriram ontem mandato de busca em uma fazenda próxima ao local do acampamento das Farc destruído por bombardeio colombiano no sábado´.


Como se sabe, o correto é mandado, com ´d´.


O erro foi corrigido na edição São Paulo/DF.


Checagem 4


Eis comentário desta crítica na quinta-feira passada: ´Sumiram 30 pontos – Há erro na nota ´Texas, a missão` (pág. A18) na edição Nacional. Afirma-se que Hillary Clinton liderava a disputa em assembléias no Estado por 26% a 44%. O correto é a senadora com 56%, como saiu na edição São Paulo, corrigida´.


Tanto a versão inicial como a derradeira estavam, aparentemente, erradas. Quem liderava, por 56% a 44%, o caucus do Texas era Obama, e não Hillary.


Checagem 5


O erro na pág. A12 do sábado repete engano que motivou Erramos no ano passado (´União indeniza 7 perseguidas por ditadura militar no Brasil´): a organização armada que combateu a ditadura se denominava Ação Libertadora Nacional, e não ´Aliança` Libertadora Nacional.


Checagem 6


Sérgio Cabral elegeu-se governador do Rio de Janeiro em 2006, ao contrário do que afirma (2002) reportagem na pág. A10 do domingo, ´Cabral negocia a vice com 4 presidenciáveis´.


Checagem 7


Texto na pág. E11 do domingo afirma que, em novela brasileira e no seriado americano ´Brothers & Sisters´, ´maridos morrem sem saber que tiveram filhas com suas amantes` (´História de ´Duas Caras` é idêntica à de série americana´).


Leitor informa que ´em B&S o marido sabia da filha, tanto que usa a inicial dela para compor a senha de seu cofre, junto às iniciais dos outros filhos´.


Checagem 8


A língua se adapta ao mundo, muda e evolui com ele.


Chamada na primeira página dominical: ´Soropositivas contam a experiência de ser mãe´.


Na boa reportagem da revista, não há concessão ao feminino: as mães são soropositivos, no masculino.


Creio que a Revista está certa e, a primeira página, errada.


Será?


Para reflexão.’