Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O rádio democrático

Fugir da discussão sobre o rádio é falar desse meio de comunicação pelo futuro (o digital) ou pelo passado (a época de ouro, antes do surgimento da televisão). Fica sempre aquela sensação de que o veículo ‘foi ou será melhor’. O essencial é discutir o presente e, principalmente para os comunicadores, o conteúdo da programação.

No caso do radiojornalismo, a saída atual está sendo a reprodução das notícias patrocinadas pela indústria da informação, assim como fazem os outros meios, como a imprensa, por exemplo. É que o conteúdo disponibilizado contempla os diversos grupos, incluindo os jornalistas que, ao serem atingidos pelo esquema, aceitam o modelo proposto como suficiente. Para o público, fica a impressão de ouvir sempre as mesmas notícias.

Essa postura (unilateral) é aplicada na maioria das emissoras de rádio, justamente por ser mais simples, objetiva e barata. O problema é que as emissoras estão estáticas, com os jornalistas sendo transformados em papagaios por simplesmente repetir as informações de interesse da chamada grande imprensa. A alternativa é partir para experiências comunicacionais para a construção da democracia, ao estimular condutas diversificadas para a emissão da notícia. Um programa e/ou uma emissora diferenciada pelo conteúdo e não apenas pelo formato, como acontece atualmente.

Cabe não somente à emissora de rádio, mas principalmente ao jornalista, determinar a linha de conduta que caracteriza o programa, mesmo que essa postura seja semelhante ao concorrente/parceiro, prática comum quando certa tendência conquista os patrocinadores, os críticos, entre outros.

O esclarecimento fundamenta a identidade do público, assim como a postura dos envolvidos no processo, já que a participação depende exclusivamente do comunicador. Por isso, a prática condicionada pela intenção do jornalista é que vai determinar a dimensão do momento noticioso.

Nulidade

No primeiro instante é necessário observar os pontos de nulidade, em que o jornalista praticamente está fora do processo de construção da matéria. A notícia chega, mas é logo retransmitida, podendo ainda passar pela fase da maquiagem, conforme o relato. As matérias reproduzidas de outras fontes, como a internet, são exemplos desse modelo. Mas a nulidade também possibilita uma reflexão em que, por meio das informações alheias, o intérprete permite a si intervir no relato pela ‘opinião’. Somente o jornalista interfere, sem a participação de outros possíveis componentes como colaboradores, ouvintes/falantes etc.

Seleção

A cobertura jornalística permite ao comunicador, muitas vezes, determinar quais serão os atores do processo. O convite fundamentado pela escolha dirigida caracteriza uma pequena abertura do meio. A relação é condicionada pela resposta, conduzida pelo anseio ou necessidade da pauta. Mesmo assim, esse contato é distante, revelado pelo aceite dos outros elementos em participar do relato jornalístico, conforme as regras estabelecidas pelo jornalista.

Permissão

Se a condução da notícia é atributo do jornalista, cabe a ele determinar os meios democráticos para a abertura da mensagem. Primeiro é preciso estimular a participação de outrem. O critério é fundamentado pelo microfone aberto, revelando conteúdos a partir do ‘fale o que quiser’. O comunicador aceita o dizer do outro e vice-versa. Cada um defende o seu ponto de vista, podendo chegar a um acordo no simples ato de concessão. Debates políticos ou participações de elementos externos geralmente estabelecem condutas estáticas, sem relacionamento na busca pelo bem comum. O poder do comunicador é quebrado pela voz do outro. Afinal, ambos estão ali para falar e ser ouvidos, sem interferência.

Acordo

Cabe ao comandante alertar sobre os riscos de determinadas atitudes, como as permeadas pelo autoritarismo, pela irresponsabilidade. A direção é do jornalista que possibilitou a participação, sem submissão, sem humilhação. Nesse momento, a conduta é de abertura para posicionamentos diante da fala alheia. Face ao medo e ao desgaste pelo confronto, pela perda do poder de concessionário, logo o jornalista concede aos participantes o direito de resposta, fazendo do diálogo a base do encontro.

Mobilização

As posições estão definidas. Começa o diálogo, com a concessão diante do relato que os une, fazendo da informação, da opinião, da interpretação de ambos um momento único, inspirado no desejo de mudança para o bem-estar social, para a busca de situações (soluções) dos fatos incompreensíveis para o cidadão comum, como a desigualdade e a mentira.

Supostamente, o jornalista ainda comanda a dinâmica, não pelo poder a ele concedido, mas como um direito do exercício da profissão de jornalista. Possibilidade de fazer do rádio um veículo de mobilização, conduzido pela bandeira da liberdade de expressão, não de opressão, como as demonstradas por aqueles que se apoderam dos espaços públicos destinados à informação.

Processo final

O princípio é o de que as manifestações sejam aceitas, sem estipular o certo ou errado, respeitando sempre a liberdade de imprensa. Dessa forma, as condições das mensagens são estipuladas pelo comunicador, que determina os critérios para a apuração e a transmissão da notícia. Assim, o público conhece a postura do jornalista, explícita no universo do ‘só eu falo’; ‘o outro também fala’; ‘eu converso com o outro’; ‘chegamos a um acordo’; ‘nós nos unimos’, entre outras formas que surgem e se intercalam.

O discurso do jornalista como produtor de conteúdo, muitas vezes, viabiliza a expansão da notícia. A informação fica sob controle do sujeito que seleciona os dados a serem transmitidos, conforme os já estabelecidos critérios jornalísticos. Ao quebrar o ensinamento determinado pela cartilha da profissão, o mediador sugere alternativas comunicacionais à democracia, ou seja, programas diferenciados, interativos e integradores. O espaço começa a ser composto pelos diversos recursos radiojornalísticos disponíveis para a construção da notícia, sendo o cotidiano revelado conforme a intencionalidade de seu idealizador.

A diversidade será possível quando os preceitos de liberdade e responsabilidade estiverem, paralelamente, (re)associados ao trabalho do jornalista. A ruptura com o plágio, mascarado pela reprodução/retransmissão das mesmas notícias, é um dever de quem busca revelar, pelo olhar, o cotidiano das (in)justiças e das (in)certezas. Noticiário que modifica a vida do outro, orienta e instiga a troca, a relação, ao propor a igualdade de condições entre participantes.

O processo agora é único porque, para o jornalista, não há mais emissores e receptores, mas sim comunicadores, desde que ele, a empresa e/ou a escola de comunicações estabeleçam a notícia como espaço público de debate. Uma abertura que possibilite, principalmente ao cidadão comum, adquirir subsídios para as discussões do dia-a-dia, como as estabelecidas na rotina da vida. São difíceis situações observadas quando a pessoa está doente (na demora do atendimento até a mudança dos hábitos) ou sem emprego (pela qualificação, salário baixo e/ou paciência) ou insegura nas ruas cheias de lixo ou quando observa o rio poluído em que poderia nadar ou, inclusive, para não ficarem falando da falta de água ou, ainda, do difícil vestibular, com a complexa pergunta da matéria que não foi ensinada no ensino médio.

O importante é revelar que os padrões de qualidade que imperam nos meios de comunicação e que, infelizmente, são seguidos por alguns profissionais (ir)responsáveis, prejudicam a abertura de ambientes democráticos para participação, revelação e debate de situações do cotidiano. E é dever e direito do universo jornalístico (profissional e acadêmico) estimular o conhecimento, começando pela simplicidade do rádio, um meio transformador que modifica pensamentos pela notícia. Afinal, o conteúdo está repetitivo e, por isso, é permitido mudar (não só de estação).

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Professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP