Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O partidarismo da grande imprensa

Surpreendi-me ao ver principal manchete da Folha de S.Paulo de segunda-feira (31/3) – ‘Serra mantém favoritismo para 2010’. Pensei que tivesse dormido tanto que tinha acordado em 2010. Com essa primeira página, a Folha faz um estardalhaço com uma pesquisa sobre a eleição que vai ocorrer daqui a dois anos e meio. Isso mostra o panfletarismo e engajamento político do jornal para favorecer um político e um partido, que no caso óbvio são José Serra e o PSDB.


Para deixar mais claro ainda esta parcialidade das notícias, a pesquisa que mostra a popularidade de Lula como a maior desde que ele chegou a presidência fica em segundo plano na primeira página, e com menos destaque que a notícia sobre o favoritismo de Serra.


Não se trata aqui de defender Lula, mas se é para destacar o resultado de Ibope, o caso da popularidade do atual presidente seria naturalmente o maior chamativo. Dar destaque ao resultado de pesquisa sobre uma eleição que vai ocorrer daqui a mais de dois anos, mostra como o jornal age como assessor de imprensa e cabo eleitoral do candidato José Serra e também atua como se fosse uma ala do partido (PSDB) que quer ver Serra como candidato a presidente, e não Aécio Neves.


‘Dossiês’


O caso do suposto ‘dossiê’ sobre os gastos de FHC e família é emblemático sobre a atuação da grande imprensa, especialmente a revista Veja, como um partido político apêndice dos partidos de oposição PSDB e DEM (ex-PFL). O vazamento das informações não se sabe de quem partiu e o porquê, pois a imprensa não quer saber mas, sim, usar isso para dar munição à oposição que estava em banho-maria na CPI dos Cartões.


É muito estranho alguém do governo Lula vazar tais informações justamente para Veja. A revista disse que o tal ‘dossiê’ era para chantagear a oposição, mas não prova, pois apenas sugeriu que seria para isso. Pronto, já se tornou verdade factual e o resto da imprensa reverberou isso para os quatro cantos sem verificar e esperar para fazer análises mais isentas. Mas isso é pedir muito.


Se há um dossiê, esse mesmo foi montado pela revista Veja, com direito a suborno de funcionários e tudo (estou testando uma hipótese, como faz o Ali Kamel, da Globo). Uma revista que já tentou tornar verdade mentiras como os dólares de Cuba, contas externas do presidente (a fonte era ninguém menos que Daniel Dantas) e mostrar o presidente na capa com a marca de um pé no traseiro só faltou publicar que Lula estava escondendo o Bin Laden no Brasil e que a al-Qaeda financiou a campanha dele.


É muito clara essa articulação perfeita entre oposição e imprensa – e no caso da imprensa paulista, esta é ainda mais o braço direito desses partidos. Em São Paulo, o governo do estado sob comando de Serra e a prefeitura de São Paulo a mando de Gilberto Kassab são quase isentos de críticas e questionamentos. O governador é o mais blindado e a colunista da Folha Eliane Cantanhêde até ironizou que Serra era injustamente ‘acusado’ de ser o queridinho da imprensa, mas é a pura verdade, como mostra a primeira página da Folha de segunda-feira 931).


Assim como no dossiê das ambulâncias não teve nenhum esforço da imprensa em apurar o seu conteúdo, o governador foi defendido fielmente por esta com um atestado de inocência. Fizeram tempestade no fato de o dossiê ter sido negociado pelo PT, só para mostrar Serra e seu partido como vítimas inocentes.


Quem conhece a rotina de todos os partidos em época de eleições (e isso os jornalistas de política sabem muito bem) sabe que é enorme a quantidade de pessoas que têm informações incômodas para os candidatos (geralmente lobistas descontentes, como foi o caso das ambulâncias) ou outras que acham que podem faturar atrás de minúcias e possíveis desvios de um candidato. E os partidos têm equipes para analisar tais informações e o risco de usá-las nas campanhas. É do jogo político, como dizem alguns, mas quando a imprensa entra e joga de um lado só, ainda mais quando é a mídia hegemônica, fica difícil aos leitores e telespectadores formarem uma opinião equilibrada.


Ética e interesse comum


Quando essa mesma imprensa acusa um governo de não ter ética, esquece que ela também não têm, pois está ativa no jogo político favorecendo um dos lados e, como todos sabem, nenhum dos lados têm ética e sim interesses. Também há muitos interesses comuns entre a grande mídia e esses políticos e partidos que explicam um pouco a parceria entre eles. O interesse comum mais forte é no campo econômico, no qual as políticas devem estar voltadas a atender os poderosos grupos que fazem muita propaganda nos meios de comunicação e a famosa elite.


Opinião pública


Não se trata de defender um ou outro governo, mas a imprensa deve dar espaço à diversidade de opiniões que existe e tentar dar equilíbrio as notícias. Se o objetivo é blindar e defender tais políticos e partidos, que deixem isso claro à opinião pública, pois a opinião dos donos desses poderosos veículos de informação não representa a opinião pública, mas sim privada. Muitos de nós (opinião pública) percebemos isso e devido a isso não somos ‘petistas’, ‘idiotas latino-americanos’ e ‘debilóides’ como alguns articulistas e editoriais nos classificam. Divergimos, sim, desse consenso midiático (lembrando Noam Chomsky) imposto, às vezes, como ‘voz da sociedade brasileira’.


Sei que muitos questionarão sobre a imprensa de ‘esquerda’ ser lulista e fazer a mesma coisa que a grande imprensa. Adianto que há alguns veículos que são assim (o jornal Hora do Povo e a revista Brasil, ligada à CUT, são exemplos). Mas a maioria dos outros (CartaCapital e Caros Amigos por exemplo) fazem muitas críticas ao governo Lula. Outro fator importante é a abrangência dessa imprensa em relação aos grandes grupos midiáticos, pois não chegam nem perto das tiragens de uma revista como a Veja, a qual chega a 1 milhão de exemplares por semana. Então acabam não tendo influência na formação da opinião da maioria dos leitores e principalmente dos telespectadores, pois a Rede Globo só repercute o que sai na Veja , na Folha ou no Estadão, ainda que a internet tenha diminuído um pouco essa disparidade.


Infelizmente temos que cada vez mais desconfiar da informação veiculada pelos grandes grupos midiáticos (tanto no Brasil como no resto do mundo) e essa outra imprensa (inclui-se também alguns blogs e mídia independente), mesmo que pequena, acaba sendo o único contraponto existente.

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Biólogo, Piracicaba, SP