Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A entrevista do ministro

O ministro-chefe do Gabinete Civil, José Dirceu, deu bela entrevista (‘Em convenção que homologa Bittar, Dirceu nega corrupção no governo’, Folha de S.Paulo, 26/4/04) na qual afirmou ter liquidado a corrupção no governo federal.

Como a regra jornalística não mudou, a matéria tem de responder àquelas perguntas básicas, ‘quem, onde, como, quando e por quê’. Como em nenhuma reportagem apareceram as respostas, façamos de novo as perguntas:

1. Quais os casos de corrupção foram detectados e liquidados por Sua Excelência?

2. Como agiu Sua Excelência para liquidar com a corrupção? Chamou a polícia e o Ministério Público, ofereceu denúncia à Justiça, alguma coisa desse tipo?

3. Por que a imprensa não foi informada dos casos nem recebeu a relação dos personagens ‘do mal’ neles envolvidos?



O charme das bordoadas

Uma novela de boa audiência tem, sem dúvida, mais espectadores do que todos os telejornais somados (e, se somarmos também os clientes de jornais escritos, revistas, emissoras de rádio e internet, o resultado não muda). E que é que se depreende da cena campeã de audiência em que a heroína ‘do bem’ cobre de tapas sua inimiga ‘do mal’?

Exatamente: as questões pessoais devem ser resolvidas a bofetões – e, como se trata da moça boa espancando a moça má, nem um boletim de ocorrência de rixa foi registrado.

Tudo bem, novela é entretenimento, não é seu objetivo chatear os telespectadores com lições de moral. Mas seria demais esperar que ao menos não desse lições de pancadaria?



É campeão!

Quando assistir ao secretário Garotinho explicando como reduziu a criminalidade no Rio, quando ouvir entrevistas do secretário Saulo Abreu explicando como o banditismo está sendo combatido em São Paulo, quando ler entrevistas de qualquer outro secretário da Segurança explicando suas eficientes providências na luta contra a violência, lembre-se deste número: o Brasil, com 2,8% da população mundial, registra 11% dos homicídios ocorridos no mundo inteiro. Os números são da ONU.

Mais números? No último ano, 40 mil pessoas foram assassinadas com armas de fogo. É mais gente do que os mortos em igual período na guerra do Iraque – e lá existem foguetes, caças supersônicos e carros-bomba.

Mais um último número, também da ONU: só o setor privado da economia brasileira gasta 70 bilhões de reais por ano para se proteger do banditismo.

Com esses números na cabeça, a gente nunca mais verá uma entrevista de secretário da Segurança do mesmo jeito.



Do morro ao paiol

O Exército informou que tem um estoque de minas terrestres, mas que são utilizadas apenas para exercícios.

Este colunista é reservista de terceira categoria e certamente faz a pergunta que se segue por pura ignorância: como é que se usa mina terrestre para treinamento? Isto lembra a velha piada em que dois escandinavos, o Manoelsky e o Joakinski, estranhavam que os fósforos não acendessem, pois tinham testado um por um.

Se é para treinar, ou seja, para descobrir como evitá-las e desarmá-las, por que não usar réplicas sem explosivos?



Falta de modos

O deputado federal Jamil Murad (PCdoB-SP) foi a Ramallah, sede da Autoridade Nacional Palestina, em companhia de um grupo de parlamentares brasileiros. Tudo bem: os deputados devem viajar, devem procurar personalidades internacionais (no caso, Yasser Arafat), devem informar-se sobre questões externas. Mas posar ao lado de Arafat fazendo o ‘V’ da vitória, como Murad, já ultrapassa o limite das viagens: um representante brasileiro não pode esquecer que é brasileiro, e não palestino, cipriota-grego ou basco. No mínimo, as conveniências diplomáticas foram esquecidas – ou, como diria minha avó Maria, foi pura falta de modos.



A festa que rolou

E, por falar em falta de modos, este colunista esperou muito tempo até que alguém se manifestasse sobre a festa que reuniu empresários e políticos na Ilha de Comandatuba, no litoral da Bahia. Como a imprensa se limitou a noticiar, e com prazer, vamos lá. Não fica bem, para autoridades, participar de times de futebol chamados ‘Gostosos’, ‘Viagra’ ou coisa parecida. Não fica bem participar de um evento em que relógios de 60 mil reais são vendidos – como diz o excelente colunista Elio Gaspari, nem em Davos deve haver comércio de relógios desse preço. E não fica bem para a imprensa aceitar convites para convescotes de puro lazer e, em troca, pagar com cobertura embasbacada, sem qualquer senso crítico. Como fica o leitor nessa história?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação, e-mail (carlos@brickmann.com.br)