Alberto Dines – Ministro José Dirceu, nós mostramos no início do programa uma rápida reportagem com um trecho do Roda Viva de 28 de outubro de 2002, logo após a vitória de Lula nas eleições presidenciais, na qual o senhor lançava a idéia de um socorro à mídia, que naquele momento estava de língua de fora. Depois o assunto desenvolveu-se, mas fracassou e sumiu do noticiário; e na sua última entrevista [coletiva], na quinta-feira [1/12], o senhor volta a falar que há interesses econômicos, [que] a imprensa não é neutra, tem os seus problemas, tem as suas dívidas, temos que começar discutir isso abertamente. O que aconteceu entre 2002 e 2005? Começamos a falar de dívidas, esquecemos as dívidas da imprensa e elas voltam novamente à pauta?
José Dirceu – Eu não falava de dívidas da imprensa com a Previdência Social ou com bancos públicos. Eu me referia à necessidade de o Estado brasileiro – já que são concessões públicas e há interesse público, porque a imprensa é indispensável, como todos nós sabemos, à democracia –, que o governo teria que estabelecer uma política de apoio que de certa forma viabilizasse a reestruturação de dívidas, principalmente dívidas em dólar das empresas de comunicação do Brasil, dentro da lei. Não me arrependo de tê-lo feito, acho que continua sempre sendo necessário, seja no caso das empresas de comunicação ou de outras empresas. Se há interesse público ou nacional, o governo deve, dentro da ética e da legislação, apoiar a reestruturação de dívidas para evitar uma quebra sistêmica – no caso, uma crise mais grave. As críticas que faço, faço apoiado em fatos. Isso significa defender, sustentar a liberdade de imprensa, o direito da informação, como sempre fizemos, mesmo na ditadura, mesmo correndo risco de vida. Fico à vontade para criticar porque quando foi mais necessário eu estava na linha de frente da defesa da liberdade de imprensa.
Caio Túlio Costa –Nós ouvimos nesse documentário inicial do Observatório o senhor falando que parte da imprensa está fazendo política, que parte da imprensa está tomando partido político no Brasil. Eu queria explorar um pouco mais disso, porque acho essa declaração preocupante e bastante interessante também, porque o senhor foi, e ainda é, uma grande fonte, é um mestre, e já usou muito a imprensa, já trabalhou muito com a imprensa, inclusive fazendo política. Por que a imprensa não pode fazer política, no melhor sentido que a palavra possa ter?
José Dirceu – A imprensa pode e deve fazer política, só que tem que assumir, tem que ter transparência – por exemplo, não pode apoiar candidatos de uma maneira não-transparente. Tem revista que apoiou José Serra para presidente e para prefeito de São Paulo. Assuma no editorial, como os jornais nos EUA têm feito historicamente. Vou dar dois exemplos do que me deixou de certa maneira indignado. Eu recorri, seja na Comissão de Constituição e Justiça, seja no Supremo Tribunal Federal – e isso ficou comprovado porque me deram ganho de causa três vezes, na verdade foram quatro, porque ganhei o empate uma das vezes – porque meu direito individual de cidadão, e de defesa, estava sendo violado devido ao processo legal. A imprensa tratou isso, em grande parte, como se fosse uma chicana jurídica. Eu não posso ser prejulgado. A imprensa dizia que eu estava procurando evitar não meu julgamento, mas a minha cassação, a minha degola. Isto foi uma constante durante meses, e isto é grave.
Aluízio Maranhão – Eu queria voltar ao início de toda a crise. Qual a fundamentação desse discurso, de que há uma grande conspiração, de que é um golpe das elites, um avanço da direita sobre o PT e sobre o governo quanto, primeiro: essa é uma crise surgida a partir de uma entrevista concedida pelo Roberto Jefferson aliado do governo. Segundo: a crise veio se alimentando e tem se alimentado, de fatos, de evidências, de provas, de avanços importantes que as CPIs têm feito. Terceiro: quando olhamos o coração do governo Lula, que é a economia, quem atira no coração do governo Lula é o próprio governo, o PT. Hoje, a maior ameaça a estabilidade do governo Lula está dentro do PT, e dentro do ministério do governo. Então, exatamente, qual é a fundamentação do discurso da conspiração das elites?
José Dirceu – Não tem nenhum discurso de conspiração das elites, o que tem são denúncias reais, que precisam ser apuradas, de corrupção da administração pública federal. Não há comprovação de recursos de origem pública, ou de empresas privadas, ou de fundos de pensão – até agora são empréstimos de bancos – e há denúncias de uso de recursos de origem ilegal, por parte do PT, que já assumiu e já pediu desculpas. A partir daí, é evidente que também a mídia não podia deixar, e de certa forma está deixando de lado, que a oposição subisse nesse cavalo que passou selado e iniciou o processo de desestabilização do governo, inclusive tentou vetar o presidente de ser candidato à reeleição: fez a proposta de um golpe branco abertamente. Se não há conspiração das elites, também não há só apuração de denúncias de corrupção que precisam ser apuradas e também das irregularidades existentes no PT. O processo mudou para o processo de desestabilização, de sangramento do governo, de não aprovar projetos que a oposição não tem, mas não aprovou; de tentar manter, por exemplo, agora o Congresso funcionado no recesso; e de chegar às eleições [de 2006] com o governo e o presidente o mais debilitado possível. É essa a luta política que está havendo no Brasil, claramente.
Alberto Dines – Ministro, eu queria retomar o início do processo em maio. Tudo começou com o vídeo da propina, foi a imprensa que divulgou esse vídeo, que causou toda essa bola de neve, mas não foi a imprensa que fez o vídeo: quem o fez, ficou comprovado na CPI, foi um araponga, um ex-araponga (não existe ex-araponga: uma vez araponga, sempre araponga), e evidentemente que ele estava instruído para fazer aquilo e divulgar para a imprensa. Tudo indica que a Abin [Agência Brasileira de Inteligência] tinha instruído ele a fazer aquele vídeo e a Abin é governo. Eu queria que o senhor, agora que está preparando um livro, que pelo menos antecipasse um pouco essa coisa, porque tudo começou com aquele vídeo. Não foi um empresário frustrado, irritado e indignado que pagou aquela arapongagem, aquilo foi uma coisa muito mais sofisticada. Eu queria saber se o senhor tem algo a respeito a informar?
José Dirceu – Veja bem Dines, eu não concordo, não há provas, nem indícios, nem evidências que tenha sido a Abin, oficialmente. Se houve participação ilegal de setores da Abin, isso precisa ser apurado. Existe uma indústria de gravações no Brasil e aqui em Brasília há vários grupos organizados ilegalmente, gravando e oferecendo isso, e tudo indica que exatamente a partir dos depoimentos na CPI Mista dos Correios é que foi, sim, contratado um desses grupos para gravar, não sei qual é o objetivo. Da minha parte, eu nunca tive nenhuma ascendência – até porque não é função da Casa Civil – sobre a Abin ou a Polícia Federal, como muitas vezes a oposição, ou mesmo alguns órgãos de imprensa, afirmam. Nunca tive porque seria, inclusive, uma ilegalidade funcional da minha parte, e o governo jamais estimulou, orientou, decidiu ou participou de qualquer tipo de gravação, até porque quem pode autorizar a gravação é a autoridade judicial. Essa questão dos Correios são denúncias de corrupção na administração. Precisa ser apurado e punir quem é o responsável – seja Correios, seja IRB [Instituto de Resseguros do Brasil], seja Furnas. Agora, daí a dizer que o governo organizou o sistema de corrupção do país, não há provas nem evidências.
Caio Túlio Costa – Ministro, tenho uma curiosidade, queria saber sua opinião sobre o seguinte: o senhor acha que o ministro [Antonio] Palloci foi e está sendo mais bem tratado pela imprensa do que o senhor foi?
José Dirceu – Não está. Eu acredito que a imprensa tratou cada uma das questões e dos fatos no contexto e no momento determinado que eles estavam acontecendo. O ministro Palloci, se nós observarmos os últimos 45 dias, ocupou o espaço que eu vinha ocupando, com exceção do período recente da minha cassação. Quero aproveitar para comentar uma questão que o jornalista Aluízio Maranhão colocou. O jornalista Maranhão sabe que em todos os governos existe um debate sobre a estabilidade do desenvolvimento, sobre o ritmo e a intensidade do ajuste fiscal monetário, e que não é verdade que se pode fazer um determinado tipo de ajuste monetário fiscal. Ninguém no governo se opõe ao controle da inflação e ao superávit fiscal para procurar administrar dívida interna, até porque é um compromisso nosso. Agora, colocar que o país passará por uma instabilidade se nós mudarmos o nível do superávit fiscal e a intensidade da redução de juros, evidentemente não tem base na realidade. A execução do orçamento do país não pode continuar como está sendo feito, e nesse debate ninguém está pedindo para o presidente tirar o ministro Palloci, ninguém está articulando para substituí-lo quando inicia um debate sobre a necessidade de determinadas políticas de desenvolvimento para além das políticas de estabilidade fiscal monetária.Tanto é que o presidente e o governo assumiram a política industrial, porque o país precisa, além da estabilidade, o desenvolvimento.
Aluízio Maranhão – O senhor acha então que a Dilma Rousseff está certa nesse embate com Palloci?
José Dirceu – Quem decide isso é o presidente Lula. O que eu posso dizer é que o país todo, Aluízio Maranhão você sabe disso, a ministra Dilma e ministros como o da Agricultura e dos Transportes, acabam expressando uma reivindicação e uma pressão que vem da sociedade por mais recursos. E não são recursos inflacionários, não são recursos que vão ser desperdiçados: há um problema real no país, na educação e na infra-estrutura. O país precisa de investimentos que têm que ser públicos enquanto não resolve os problemas das concessões. Não se trata de uma discussão de instabilidade ou não, e sim a necessidade de acelerar o crescimento econômico do país sem colocar em risco a estabilidade. São divergências políticas que quem decide é o presidente da República. Eu apoiei o ministro Palloci antes da crise, disse claramente que era contra que se debatesse nesse momento, muito menos que o Palloci saísse do governo, e o defendi inclusive das acusações de que estava sendo vítima. Até porque considero, na maioria dos casos, matéria requentada. Essa questão da Leão Leão [por exemplo], começou em 2002, quando nós fomos indicados, eu para coordenador da campanha e ele para coordenador do programa econômico do governo do presidente Lula.
Alberto Dines – Ministro, eu queria retomar o assunto das críticas, não as suas, mas as da direita. Hoje percebe-se não apenas por parte desse colunista da Veja , mas há uma coisa concatenada de articulistas que estão criticando e tentando até encurralar a imprensa de uma forma inédita, com um viés muito claro de direita, reacionário, conservador. Isso não o preocupa na medida em que o senhor descarrega suas baterias contra a imprensa e simultaneamente o grupo oposto também o faz? O senhor não vê o perigo de desestabilização, digamos, do fiel da balança que no fundo sempre é a imprensa?
José Dirceu – Olha, eu não descarreguei as minhas baterias, até porque nesse momento eu não tenho bateria nenhuma.
Alberto Dines – Algumas delas?
José Dirceu – Eu só tenho a minha energia pessoal, que considero o suficiente para eu sobreviver esses quase 10 anos. Eu não tenho a pretensão. Evidentemente eu não posso ser juiz, nem tenho autoridade para criticar a imprensa nesse sentido genérico. O que eu procuro e procurei sempre fazer é chamar atenção quando avalio que a imprensa está tomando partido de algumas estratégicas ou táticas da oposição, ou quando avalio que o direito de resposta [está sendo desrespeitado] – porque tem o manual de redação, tem a coluna ‘erramos’, tem a coluna do painel do leitor, quer dizer, eu procuro me apegar ao ombudsman quando tem no veículo, eu procuro me apegar a esses instrumentos de defesa do cidadão, do leitor.
Sinceramente eu não considero que há uma ofensiva da direita, do conservadorismo. O que está se tentando é procurar apagar algumas vozes que existem dentro da imprensa que têm tido comportamento mais de acordo com os manuais de redação, e mais de acordo com o jornalismo investigativo, ou seja, têm exigido provas, exigido que se concluam as investigações, que haja um relatório, uma decisão antes de denunciar, antes de acusar ou antes de julgar. Tem também procurado ouvir para pelo menos dar o direito para o outro lado, como se diz o jargão jornalístico. Não vejo que algum jornalista tenha assumido uma postura ‘lulista’ ou ‘petista’ nessa crise, e também não considero que a imprensa tenha feito parte de uma conspiração. Alguns meios de divulgação tomaram partidos claramente. Praticamente todos os jornais pediram minha cassação em editorial. Isso é a regra do jogo. Eu escrevi inclusive um artigo me defendendo em um desses jornais. Então, faz parte da regra do jogo. Agora, é preciso ficar claro então na história do jornalismo brasileiro que em 2005 os jornais pediram a minha cassação porque vai continuar essa luta. Eu ainda vou provar minha inocência e vou recuperar meus direitos políticos.
Alberto Dines – Ministro, em uma dessas delações ou macarthismos recente. eu, por exemplo, fui chamado de ‘dirceusista’. Quer dizer, existe sim uma campanha para intimidar os jornalistas e essa campanha vem de setores conservadores, alguns ligados até a Opus Dei. Isso é grave. Pelo menos a mim me preocupa, talvez não ao senhor, mas eu vejo esse fogo cruzado como extremamente perigoso. Mas isso nós vamos tratar ao longo do programa.
Caio Túlio Costa – Ministro, voltando à questão da transparência, eu acho que o senhor cobra com toda razão a transparência dos jornais. Isso é bastante saudável e é saudável que a sociedade cobre isso. Só um parênteses: a questão do direito de resposta é uma questão muito difícil de ser resolvida, inclusive pela democracia. Acho que a única democracia que resolveu isso pra valer foi a da Suécia. Aí, a gente não sabe de nada antes que as ações tenham transitado e julgado. Então, o cidadão não tem informação. Esse é um problema com o qual as democracias precisam conviver. Mas além dessa cobrança de transparência sua em relação a imprensa, existe um problema que eu acho que é tão grave ou mais grave quanto, que é absoluta e total falta de transparência, por exemplo, dos depoimentos que a gente vê na CPI. Não estou falando exatamente do seu. No seu, o senhor disse que está cada vez mais convencido de sua inocência, a gente ouviu isso várias vezes. Então eu lhe pergunto: o senhor está convencido de sua inocência porque o senhor não vê naquele pessoal que o julgou nenhuma autoridade para julgá-lo exatamente porque eles fazem e sempre fizeram aquilo que todos fazem, que é usar o caixa 2? Nenhum deputado, ninguém consegue se eleger se não usar o caixa 2, se não usar recursos que não são legalmente contabilizados.
José Dirceu – Quando disse e reafirmo que estou cada vez mais convencido da minha inocência, fi-lo, como diria o ex-presidente Jânio Quadros, porque o ônus da prova foi invertido no meu caso. Eu tive que provar, tenho que provar que sou inocente. Eu nunca usei [caixa 2]. Procurei evitar porque quero repelir e quero impedir a continuidade do caixa 2 no Brasil, não quero que o meu partido use o caixa 2 e lamento que o Congresso não esteja fazendo uma reforma política pra valer. É verdade que os nossos acusadores todos não têm autoridade moral para fazê-lo. O cidadão sim, o filiado do PT sim. Por exemplo, hoje os senhores me entrevistam sim, para dar um exemplo concreto. Por outro lado, eu sei o que eu fiz. Eu tive uma formação, todos nós de certa maneira somos cristão-judaico-stalinista, vamos dizer assim, e eu sei muito bem o que eu fiz. Eu não fiz o que estão me acusando por isso eu sempre tive muita tranqüilidade e não tenho medo de ser investigado, quero ser investigado até o final. Não tenho nenhum temor de ser investigado, nunca procurei impedir qualquer investigação, pelo contrário: me coloquei à disposição das autoridades até porque como homem público eu tenho obrigação de ser transparente nesse sentido.
Aluízio Maranhão – Ministro, só um registro. O Globo foi um dos jornais que pediram sua cassação e isso não impediu o jornal de abrir espaço sempre que o senhor se defendeu, até dando na íntegra o seu último discurso. Só esse registro. Mas eu não queria tocar nesse assunto, eu queria tocar nessa questão das evidências que o senhor se bate dizendo, ‘não, não há provas contra mim, não houve e eu fui cassado pela minha biografia, pelo meu passado, por questões políticas’. Agora, o senhor quando era deputado do PT, da oposição na época da crise da Collor, há registros do senhor fazendo a defesa da cassação do então deputado Ricardo Fiúza, ligado ao esquema Collor, sobre alegação de que os indícios eram suficientes para a cassação do Fiúza. Não se dá aí uma contradição?
José Dirceu – Essa questão eu já respondi no Conselho de Ética, na coletiva de imprensa e felizmente eu, antes dessa crise, muito antes, procurei o deputado Ricardo Fiúza, com quem tenho amizade, que me apoiou inclusive nessa crise, tanto que está enfrentando uma dura batalha pela vida porque está por um momento difícil, enfrentando uma enfermidade, e conversei longamente com ele. Reconheci já de fundo que errei. Reconheci e reconheço que errei. Cometi uma grave erro num momento de imaturidade e também por alguns anos deixei de lado, totalmente, esse lado denuncista que muitas vezes, no calor da luta, nós acabamos assumindo. Desde 1992, 1993, que eu me pautei, a partir daí, estritamente pela Constituição, pelo direito de defesa, porque me dei conta, na própria crise do Collor, dos riscos que nós corremos no país.
Cláudia Tisato – Elias Siqueira, do Rio Grande do Sul, pergunta para o ministro José Dirceu: ‘O senhor apesar de tudo mantém o discurso do Partido dos Trabalhadores, mas também falou de traição de petistas. Será esse o motivo pelo qual a estrelinha do PT não está em sua lapela?’
José Dirceu – Eu sempre digo, eu nunca carreguei estrela do PT, com exceção de um casaco preto que eu tenho, que eu gosto muito, de couro, que tem uma estrelinha de prata que ficou nele o tempo todo. A estrela do PT está no meu coração, o PT é a minha vida. Nem o símbolo de deputado eu uso, não uso praticamente quase nada, não tenho esse hábito. Eu nunca falei em traição. A mídia fez agora uma frase que é uma forma do péssimo jornalismo, do jornalismo marrom, dizendo que eu reclamei do presidente Lula e dos ministros. Primeiro, o presidente Lula me telefonou antes do julgamento, falou comigo, toda a imprensa noticiou, mais do que isso. Segundo, o ministro Jacques Wagner, não como ministro mas como cidadão, o vice-presidente José Alencar e outros ministros, foram ao ato que foi realizado em Brasília em [minha] solidariedade. Então a frase não tem nem base na realidade. Se eu a proferisse teria sido muito injusto, uma pessoa completamente ingrata. Então, não é verdade, por exemplo, que eu algum dia os acusei. O que eu disse é que alguns companheiros se comportaram, no momento, como se comportaram, e eu não aceitei. Pediram para eu sair da chapa do Campo Majoritário. Eu não saí, fiquei como suplente, não sou da direção do PT, não quero ser; e eu disse claramente que alguns personagens, eu não falei se era do PT ou não, se comportaram entre a sordidez e a covardia. Como eu já passei pela vida momentos mais difíceis que esse e vi coisa pior, agora eu passei sem tanto sofrimento determinadas decepções.
Alberto Dines – Ministro José Dirceu, temos o caso da Coteminas, muito recente, que foi levantado em boa hora pela Folha de S.Paulo e é um caso líquido e certo. Realmente alguém do PT levou um ‘saquinho’, uma ‘malinha’ com 1 milhão [de reais] em dinheiro vivo. A desculpa é o caixa 2. Isso é um crime menor, um pecado menor. O senhor não acha que essa complacência com o caixa 2, quando o próprio ministro da Justiça diz que isso é banditismo, não está criando realmente uma situação de resignação aos atos ilícitos?
José Dirceu – ‘Não, no caso do PT não. O PT está respondendo à Justiça comum e eleitoral, tomou medidas disciplinares com os dirigentes, o Delúbio Soares for expulso, o Silvio Pereira se desfiliou do partido. Existe uma comissão de sindicância no partido. Então eu vejo que o PT está adotando um comportamento, ao contrário dos outros partidos que não assumiram, não pediram desculpas ao país, não tomaram nenhuma medida. E denúncia de caixa 2 nós temos a de 1978. Agora mesmo estão surgindo na imprensa outras denúncias. Nós temos em 2002 a da famosa produtora que foi cobrar na Justiça 32 milhões [de reais] não contabilizados na Justiça Eleitoral. Então, a minha opinião é que, no caso, pelos dados que eu estou vendo na imprensa, que eu não estou acompanhando dentro do PT e nem nas CPIs, a Coteminas não tem nenhuma responsabilidade porque ela faturou, vendeu um produto e recebeu um pagamento. A responsabilidade é de quem o fez da parte do PT, que precisa ser apurado evidentemente, como qualquer outro ilícito que aconteceu no país, mas não é o que está acontecendo. Nós sabemos que as denúncias que dizem respeito a caixa 2 nos outros partidos estão caindo, inclusive na imprensa, para o segundo plano.
Alberto Dines – Ministro, [a crise] é um fato muito recente, é muito quente, é reconhecido, quer dizer, ninguém nega e foi a imprensa que levantou. O senhor agora nessa última resposta menciona a imprensa como fonte de referência. O Observatório pretende observar a imprensa, mas não deixá-la encurralada porque a imprensa é a única saída inclusive dessa crise. Eu queria chamar a atenção, com a sua permissão, para o fato de que a imprensa cumpre seu papel, e cumpre muito bem, porque o PT poderia ter aberto o jogo e ter dito ‘não, erramos no caso Coteminas’. Mas não. Foi a imprensa que revelou e agora o PT reconhece.
José Dirceu – Precisava ver se estava contabilizado no PT esse pagamento porque nós estamos falando de um PT que sofreu uma mudança, quase uma ruptura entre uma direção e outra. Não houve uma continuidade. Há um reorganização financeiro-administrativa no PT e uma tentativa de recuperar a memória de uma parte que não era legal, não era estruturada. Então,vamos dar uma atenuada. É verdade que a imprensa tem e deve ter um papel investigativo. Agora, a imprensa também tem momentos de macarthismos, a imprensa tem momentos de abuso de poder, tem momentos de denuncismos. Nós vivemos, eu vivi particularmente nesses últimos seis meses, momentos graves, e isso ficou evidente, de prejulgamento, de linchamento político, de procurar induzir inclusive a minha convocação ou a minha condenação e eu não vou abrir mão de falar isso. Isso não significa não defender a liberdade de imprensa e nem [deixar de] reconhecer o papel que a imprensa tem quando faz denúncia, quando faz investigações que ajudam o país a combater a corrupção.
Caio Túlio Costa – Eu tenho duas perguntas, ministro. Primeiro, eu gostei da sua resposta final, eu acho que a preocupação do Dines procede, bem como a análise dele. Mas em função do seu discurso eu volto a lhe perguntar: o senhor ainda acha necessário o Conselho Federal de Jornalismo? E a segunda pergunta: eu queria uma análise sua um pouco mais abrangente sobre a questão da crise na imprensa. Se a gente olhar as grandes empresas de comunicação, a gente vê a Globo, por exemplo, tem sócio estrangeiro, tem sócio mexicano, tem sócio áustralo-americano, a Abril já tem sócio americano, a Folha tem sócio português, a família Mesquita já não tem mais a gestão econômica do Estado de S.Paulo, o Jornal do Brasil e a Gazeta Mercantil estão sendo tocados por um empresário que não tem tradição na área de comunicação, a Bloch faliu. Enfim, a situação é de empresas tentando sair da crise e com isso algumas estão perdendo parte de seu capital, outras perdem a própria gestão da sua empresa. Que análise o senhor faz do ponto de vista da conjuntura econômica da nossa mídia?
José Dirceu – Com relação ao Conselho Federal do Jornalismo, eu, dentro do governo, tive uma posição muito clara logo depois que iniciou o processo de crise, a partir da decisão do presidente de atender um pedido aprovado de um congresso de jornalistas, que o projeto fosse enviado a Câmara de Deputados, até porque a iniciativa é do Executivo, que o governo retirasse o projeto, porque um projeto dessa natureza precisa ser amplamente debatido como foi o caso da Ancinav, da Agência Nacional de Cinema e Audiovisual, com todos os interessados, com a sociedade e particularmente com os jornalistas e com as empresas de comunicação. Não dá certo enviar o projeto dessa natureza do Executivo para a Câmara dos Deputados sem um amplo debate democrático antes, sem audiências públicas, sem um processo de consulta inclusive ao próprio parlamento, às lideranças ou à comissão permanente – no caso, a Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados. Acho que foi um erro que nós cometemos. Com relação à questão da crise, eu acredito que o país deve tomar todas as medidas necessárias para sustentar o desenvolvimento de uma imprensa e de meios de comunicação no caso de interesse nacional, de interesse público. Tanto os meios de comunicação que são públicos no sentido do nós estamos nesse momento [um canal de radiodifusão de uma emissora pública de TV, a TVE do Rio de Janeiro], mas particularmente as empresas que têm a concessão do poder público e hoje exploram este serviço, todas tributárias no sentido de financiamento e de preservar o controle nacional. Eu sou radicalmente contrário que haja controle de estrangeiros sobre os meios de comunicação do país. Notei com muito temor a participação de 30%, que eu acho que não serve para nada porque ninguém tem interesse em 30%, todo mundo quer 51%, que é o controle e o risco de começarmos ter contratos de gaveta no país. Portanto, tudo que eu pude fazer no governo para minorar essa questão tributária, para viabilizar o desenvolvimento da imprensa e dos meios de comunicação no Brasil, eu procurei fazê-lo dentro do espírito público sem, evidentemente, nenhum favorecimento a esse ou aquele grupo. Agora, precisamos melhorar também a renda do país, combater o analfabetismo, melhorar também a educação do país porque evidentemente que se nós temos três, quatro vezes mais leitores de jornais e revistas, os custos também vão ser bastante reduzidos no país.
Aluízio Maranhão – Ministro, o senhor comentou genericamente que na imprensa, políticos de outros partidos envolvidos nesse caso todo de caixa 2, estariam desaparecendo. Não é o caso do Globo. Se depender da minha editoria no Globo, Eduardo Azeredo, Roberto Branco, seja PFL, seja PSDB, vão ter que ser investigados e se for o caso punidos. Aliás, o Globo é quem deu o furo do caixa 2 de Eduardo Azeredo. Dentro do mesmo tema, o senhor tem falado também de maneira genérica, tipo a Veja, de vez em quando, mas é de forma genérica que o senhor acusa a imprensa de fazer política. Que casos exatamente o levam a fazer este tipo de denúncia?
José Dirceu – O Globo participou ativamente da luta interna do PT e depois da luta interna eu não estava participando, é só você ver todas as manchetes, eu tenho várias aqui. ‘PT: Tarso sai, Berzoini entra e Dirceu continua mandando’. Isso aqui todo mundo sabe que não é verdade, Aluízio Maranhão. Eu não tenho participação na vida interna do PT. Eu fui tirado da chapa do Campo Majoritário, só não fui tirado porque não tinha a maioria para me tirar, mas eu virei suplente, que na prática é ser tirado. Essa questão do Tarso Genro, o Globo tomou partido. É a minha opinião, posso estar enganado. Estou dando minha opinião como cidadão.
Aluízio Maranhão – O desfecho confirma a manchete, o desfecho foi a derrota do Tarso na queda de braço com o senhor.
José Dirceu – Jornalista Aluízio Maranhão, o senhor acompanhou declarações que o ministro Tarso Genro fez à Folha de S.Paulo e uma série de posições que ele adotou que são minoritárias no PT e inviabilizaram a candidatura dele. Não tem nada a ver com disputa comigo. Eu apoiei o Tarso Genro em uma mesa quando ele ainda estava com condições de participar, em uma discussão para ser presidente interino, e defendi a candidatura dele. Isso aqui é uma invenção da imprensa, do Globo e de parte da imprensa brasileira que insistiu e ainda te dou outro exemplo. É verdade que as Organizações Globo sempre me deram direito de resposta, não estou colocando isso, jamais o faria porque seria injustiça e não que O Globo, o jornal, está sendo omisso com relação a denúncias que atingem outros partidos; mas eu dei exemplo do escândalo que ficou, que a imprensa deixou passar, que é o das gravações da eleição da mesa da Assembléia Legislativa de São Paulo. As gravações eram graves. Se nós tomarmos uma reação da imprensa de gravações que atingiram nós, do governo, direta ou indiretamente, e essa que envolveu o governador Geraldo Alckmin, evidentemente que houve um tratamento diferenciado por parte da imprensa nacional – toda a imprensa nacional nesse caso.
Caio Túlio Costa – Eu só queria agradecer o ministro pela sua disposição, pela vontade de continuar trabalhando e dizer que já estamos curiosos em relação ao seu livro. Só acho que o ministro poderia ser também um pouco mais transparente com a gente na questão do jogo das fontes, que muitas vezes as fontes conseguem, ou de boa-fé, ou de má-fé, muitas vezes, plantar determinadas informações. Evidentemente que não somos cordeirinhos e também não somos lobos maus, mas no meio do jogo aí eu acho que a gente precisa de um pouco mais de transparência também. Nesse caso o ministro tem razão.
Aluízio Maranhão – Bem, vamos morrer divergindo. Acho que não é um bom exemplo que ele tomou da manchete do Globo, acho a manchete correta. Agora, o ministro está no seu papel de político experiente, faz política 24 horas por dia, perdeu o mandato e muito legitimamente tenta manter um espaço na política nacional. Isso é um assunto que nós ficaremos, como imprensa, acompanhando pela relevância que tem.
José Dirceu – Eu ia inclusive falar do jornal O Globo e das fontes. Eu não estou dizendo que o jornal O Globo está de má-fé, estou dizendo que comprou uma versão que pode ser de fontes do próprio PT, da bancada, de parlamentares, que eu estava por trás de um movimento para inviabilizar ou impedir a candidatura do Tarso Genro. Quero dizer que eu divergi abertamente, publicamente, do Tarso Genro, mas não seria irresponsável ao ponto, em meio a crise que o PT está vivendo, de articular um movimento para que ele não fosse candidato a presidência do PT. Eu não faria isso. Eu sempre prezo o PT, todo mundo sabe, coloco o PT, às vezes, à frente da minha própria pessoa. É verdade que eu perdi o mandato, eu sei da minha situação, das minhas limitações, sei que vou começar do zero de novo a minha vida. Quando eu venho participar desse debate aqui com a imprensa, eu o faço de uma maneira humilde. Eu estou participando de um espaço que está aqui para fazer ou não a crítica da imprensa brasileira. Quero repetir: serei sempre um defensor da liberdade de imprensa e do direito de informação e da cidadania.
Alberto Dines – Eu só queria dizer aos telespectadores que a imprensa precisa ser criticada, precisa ser acompanhada, precisa ser observada, mas ela não pode ser encurralada.