Nova quimera, sob a outorga da FIFA, definindo, para 2014, a Copa do Mundo no Brasil, promete muitas doses de euforia, com inegável participação de boa parte da mídia nacional. No tocante aos primeiros sinais colhidos junto ao cidadão do senso comum, diferente não é a reação. Há um certo frenesi, seja por aquele que almeja viver a ‘insubstituível emoção’ de assistir à primeira Copa do Mundo em seu país, seja por quem se orgulha de, na terceira idade, reeditar a comoção que tivera na adolescência, quando da realização da Copa de 1950.
É compreensível a excitação dos devotos do esporte diante da ‘condecoração’ da FIFA. Todavia, o cidadão do senso comum, se conversasse com um cidadão mexicano, cujo país já foi sede em duas Copas, desse ouviria mais lamentos que exaltação. Uma coisa é França e Alemanha, economias consolidadas e com alta taxa de justiça social, sediarem. Diferente situação é a de um país em desenvolvimento, com elevadas deficiências em saúde, educação, habitação, segurança pública, transportes e outros mais.
A função da mídia
A mídia teria, nessa hora, a obrigação de fazer reportagens isentas sobre o que está ocorrendo com o cidadão comum, na África do Sul, sede da Copa de 2010. Por lá, a exemplo do que declaram mexicanos e outros da Coréia do Sul (na época, a Coréia do Sul aceitou, mediante a parceria com o Japão) – Internet, para esse fim, é utilíssima –, a avaliação é outra: muitos consideram a condição de ‘sede da Copa’ como ‘premiação maldita’. As primeiras sinalizações da mídia (impressa e eletrônica) vão na direção da parceria entre ‘empolgação’ e ‘interesses em receitas’.
Uma simples operação de cálculo primário dá conta de que algo estará profundamente errado, uma vez que, para um evento de um mês, são necessários sete anos de pesados investimentos públicos e privados, lembrando que o foco desse investimento nada diz respeito às áreas fundamentais com as quais uma nação se consolida.
É claro que determinados setores terão altas rentabilidades. Esses, porém, pouco ou nada terão a devolver para a melhoria na qualidade de vida do cidadão comum, a não ser por repasse de impostos, fato que não se repetirá nos meses seguintes. Empregos que, durante algum tempo, estarão assegurados, desaparecerão às vésperas do evento. Por outro lado, o cidadão comum que sonhar em assistir a jogos nos estádios, à época, saberá que lhe falta dinheiro para bancar o ingresso. E mais, caso o cidadão seja habitante de cidade-sede, nem a transmissão direta dos jogos de sua cidade ele a terá.
Enfim, há um duplo engano: os remanescentes da Copa de 50 acham que o cenário da próxima reviverá a atmosfera romântica de um tempo em que futebol era apenas um envolvente espetáculo. Os jovens de agora consideram que, com a Copa no Brasil, terão a mesma densidade de participação que se habituaram a ter pelas imagens que provinham de outros continentes. Os dois olhares parecem distorcidos: um perceberá que, nos novos tempos, Copa do Mundo é evento a movimentar bilhões de dólares; outro constatará, nas outras Copas, que eram fora, ele estava ‘dentro’. Nessa na qual ele julga vir a estar mais ‘dentro’, sentir-se-á mais ‘fora’.
Fico imaginando o que será o destino das cidades-sede e que outro destino terão todas as demais cidades brasileiras excluídas. As primeiras, a exemplo do que ocorreu, recentemente, no Rio de Janeiro, por conta do Pan, focalizarão todas as suas prioridades político-econômicas para a eficiência do evento. As demais sofrerão políticas de contenção de verbas federais, em função da escassez de recursos. Como será o Brasil em 2015? Bem, suponho que nenhuma linha deste ‘equivocado’ artigo mereça a menor atenção, ante a poderosa avalanche a arrebanhar multidões em prol da ‘sagração do inverno’ de 2015. Confesso que adoraria haver cometido erro de avaliação em cada linha escrita. Será?
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Ensaísta, articulista, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular de Linguagem Impressa e Audiovisual da FACHA (RJ).