O que se pode pensar quanto ao modelo de jornalismo no futuro? Não são poucos os que, a tal questão, destinam reflexões. Diria que o tema é tão instigante quanto a margem de risco das previsões. Por outro lado, quem olha para frente sabe que, nada vendo, pois o futuro é o ainda será construído, tem o desafio de, na paisagem ausente, inserir algo cujo tempo, depois, confirmará ou não. Pensar, portanto, sobre o futuro implica aceitar, a priori, o risco.
A melhor maneira de diminuir o insucesso do olhar prospectivo é tentar, ao máximo, ater-se ao correto reconhecimento dos sinais já inscritos na realidade presente. O primeiro deles dá conta de que, em âmbito mundial, a circulação de jornais diários decai. Para esse fato, não há muito o que especular: o surgimento de outras opções oriundas das novas tecnologias da informação, afora as anteriores (rádio e televisão), gerou expansão de concorrência.
Em tempos de ‘infotela‘
O impacto das novas ofertas sobre a vitalidade do jornal se deve(u), acima de tudo, por certo equívoco que, há algumas décadas, o jornalismo cometeu: investir na informação, em detrimento do conteúdo. A fórmula satisfez num primeiro momento em que a concorrência era menor: ainda inexistia a informação on-line. No que esta, entretanto, se tornou presença no cotidiano de milhares de pessoas, o formato do ‘papel-informação’ se enfraqueceu ante a ‘infotela‘, rápida, caseira e gratuita, principalmente em tempos de ‘banda larga’. É claro que os dois modelos, por algum tempo, ainda haverão de disputar ‘fatias’ de consumidores. Todavia, é inevitável que, para frente, gerações já educadas por estímulos audiovisuais se inclinem, naturalmente, para a procura de informações em telas e não mais em páginas.
A única solução a ser trilhada pelo jornalismo impresso será a de enveredar pelo caminho do conhecimento. Por outro lado, não é tarefa das mais fáceis preencher páginas e páginas (e mais cadernos), diariamente, com matérias propiciadoras de conhecimento. Quem sabe, então, surja a idéia de jornais, a exemplo do que já foram no passado, em lugar de diários, se tornarem semanários, ou edições em dias alternados, como três edições semanais.
Enfim, o que se pontua, no limite deste modesto exercício especulativo, é a imperiosa determinação de o jornalismo impresso passar por uma ‘reinvenção’. O jornalista do futuro terá de se indagar quanto ao papel a ser por ele desempenhado. Em igual condição, já está a figura do professor, bem como a do médico. As tecnologias de informação, conteúdos e diagnósticos, para bem e para mal, são parte da realidade concreta atual e, a despeito das deformações geradas, elas vieram para ficar. Outras mais somar-se-ão.
A tecnologia não anda para trás. Também não dá passo recuado o tempo da história. Deste modo, é infantil qualquer tentativa de confronto. Trata-se de uma guerra que, antes de ser deflagrada, tem vencedor assegurado. A questão reside, pois, em evitar-se a perda maior. Como se sabe, a tecnologia, em si, não tem a noção de ética. A tecnologia propõe; o usuário dispõe. A tecnologia é potência; o indivíduo é ato. No reconhecimento devido quanto ao papel a ser exercido por cada agente, a decisão é a do operante humano. É ele que, por seu ato, demonstra a face radiante (ou terrível) do que é mera potência.
Emancipação do jornalismo impresso
Se alguma eficácia crítica tem o pensamento prospectivo, proposto em parágrafos anteriores, cabe definição no tocante ao futuro desempenho do jornalismo impresso. Nesse caso, o jornal terá de ser capaz de oferecer ao leitor aquilo que ele não seja capaz de encontrar em nenhuma outra ‘ferramenta’ de uso continuado. Esta situação-limite representará uma nova etapa de emancipação do jornalismo impresso. Para tanto, haverá de se redefinirem o perfil e a formação do atual profissional de comunicação, com a devida conseqüência nas grades curriculares dos atuais cursos. A cena do futuro exigirá profissional com apuro intelectual e desenvoltura em línguas. O que for ‘recrutado’ para operar informações em mídias eletrônicas será aquele menos sofisticado intelectualmente e mais eficiente em ‘tecnicalidades’, obviamente, com salário menor. Em contrapartida, será contratado para jornais impressos os que demonstrarem maior suporte de conhecimento.
A rede do capital já sabe, há muito tempo, que quem se forma à base de máquinas é muito menos criativo e incômodo do que aquele que forjou seu saber em obras de densidade. Não é menos verdade também que a rede do capital precisa dos dois, seja no varejo, seja no atacado. A rede fatura com os dois. Os dois, porém, apenas poderão faturar com um. Quem apostar na duplicidade do ganho perderá em ambos. O que se desenha, aqui, é um futuro com prefigurações invertidas, ou seja, o mundo das ‘infotelas‘ será entretenimento para as massas, enquanto a realidade das ‘logopáginas‘ será destinada a segmentos seletivos.
A ‘(in)cultura de massas’
O fosso do futuro poderá ser o oposto do que hoje parece o contrário. Hoje, os mais instruídos e, economicamente, ativos estão na ‘rede’, contra o expressivo contingente de excluídos. No futuro, dar-se-á o inverso, a exemplo do abismo que se verificou na Idade Média: o saber atrás das muralhas. A ‘alegria ingênua’, fora delas. Alguém retrucará: o vigor da era renascentista pôs abaixo as muralhas. Sim, é verdade. Passado o primeiro estágio, eis que o quadro se redefiniu em outros formatos. Adiante, a sociedade de massa demonstrou que a fórmula anterior poderia ser reeditada. Foi necessário quase um século para se caracterizar a ‘(in)cultura de massas’.
O jornalismo do futuro terá de aprender que não há absorção de conhecimento, sem a contaminação do ‘espanto’. O problema do jornalismo atual é o fato de ele confundir ‘espanto’ com ‘sensacionalismo’. No futuro, o jornalismo saberá que a ‘sensação’ é tão instantânea quanto fugaz. O ‘espanto’ (do qual surgiu o pensamento filosófico) é impactante e transformador. O leitor do futuro não quererá o segundo, mas perseguirá o primeiro. O segundo será devorado, com avidez, pelo ‘vedor‘.
O desafio do jornalismo impresso, resguardado algum grau de equívoco, será o de apostar na análise, na interpretação, na criticidade e na contextualização. Para tanto, precisará da cumplicidade entre cérebros e temporalidade. A TV já ensinou: tudo que é diário não se sustenta pela qualidade. A diferença está no fato de que a TV põe a imagem gratuitamente em todas as casas e a qualquer hora. O jornal, não. Cada um escolhe e, por ele, paga, ainda que seja um preço barato. Esperemos, pois, o futuro.
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Ensaísta, articulista, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular de Linguagem Impressa e Audiovisual da FACHA (RJ).