Leia abaixo a seleção de segunda-feira para a seção Entre Aspas.
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O Estado de S. Paulo
Segunda-feira, 12 de novembro de 2007
NORMAN MAILER
João Luiz Sampaio
O grande cronista da vida americana
‘‘Ele está sempre nos rondando, deixando claro que está prestes a dizer algo que precisamos saber ou então nos lembrando que acabou de dizer algo revelador, a que não prestamos a devida atenção.’ O depoimento de Gore Vidal serve como bom ponto de partida para compreender a importância do escritor norte-americano Norman Mailer, morto no sábado, aos 84 anos, vítima de falência renal. Um dos principais representantes do jornalismo literário, que empresta à escrita jornalística alguns elementos da não-ficção, autor de mais 40 livros, vencedor de dois prêmios Pulitzer, co-fundador do Village Voice, ele deixou também sua marca na cultura norte-americana como personalidade controversa, um polemista pertencente a uma velha escola, como escreveu Charles McGrath no New York Times, ‘que via a arte da escrita como uma empreitada heróica, levada a cabo por personalidades heróicas – com egos à altura, claro’. E, entre vida e obra, Mailer já começa a ser lembrado nos depoimentos de colegas e especialistas como o cronista da vida americana no século 20, no que teve de mais e menos interessante.
Nascido em Nova Jersey, filho de um imigrante sul-africano e da filha de um rabino local, Mailer mudou-se ainda na adolescência para o Brooklyn, em Nova York. Foi na Universidade Harvard que desenvolveu o interesse pela literatura e começou a arriscar suas primeiras linhas, um livro, jamais publicado, ambientado em um hospício. Em 1944, no entanto, ele seria convocado pelo Exército, partindo para as Filipinas e, mais tarde, para o Japão, onde trabalhou como cozinheiro do batalhão. Apesar da pouca experiência em combate, foi da convivência com as tropas no final da Segunda Guerra que Mailer tirou os elementos de seu primeiro livro, Os Nus e os Mortos, ficção sobre soldados norte-americanos às voltas com a luta contra os japoneses no Pacífico.
O livro vendeu 200 mil exemplares em apenas três meses – números impressionantes para a época – e foi sucesso de crítica. Seus dois livros seguintes, no entanto, escritos nos anos 50, Barbary Shore, uma novela sobre a luta entre capitalismo e socialismo, e O Parque dos Cervos, ficção a partir dos problemas enfrentados por Elia Kazan no Comitê de Atividades Não-Americanas do Congresso, receberam, em suas próprias palavras, ‘algumas das piores resenhas das últimas décadas’. Nos anos 50 e 60, ele retomaria o sucesso com livros que mostravam uma guinada em direção ao jornalismo literário – caso de Advertisements for Myself, coletânea de reportagens e ensaios, e Os Exércitos da Noite, em que parte de uma experiência pessoal, sua prisão num dos protestos em Washington contra a Guerra do Vietnã.
Para além de avaliações individuas, o certo é que, nas décadas seguintes, Mailer explorou uma enorme variedade de temas. Virou biógrafo, falou da chegada do homem à Lua, iniciou uma trilogia – logo abandonada – sobre a história do Egito, escreveu um notável livro sobre um assassino confesso, Gary Gilmore (A Canção do Carrasco), investigou as atividades da CIA (O Fantasma da Prostituta) e o processo eleitoral americano (O Super-Homem Vai ao Supermercado). Em A Luta, tratou do último embate entre Cassius Clay e George Foreman. Radicalizando arte e vida, envolveu-se em polêmicas das mais variadas: ao mesmo tempo em que reafirmava sua posição de homem público, falando abertamente de temas políticos da América, com quem dizia ter uma relação de amor e ódio – ‘como um casamento’ -, também sua vida pessoal o levava aos jornais: os seis casamentos, problemas com o álcool , a tentativa de concorrer à prefeitura de Nova York, a prisão após esfaquear a segunda mulher. E, claro, a ‘atitude’ de quem se julgava o mais importante autor de sua geração, comparando abertamente sua obra não apenas à de autores americanos como também de clássicos como Tolstói ou Dostoiévsky.
‘Ele jamais aceitou limites. Ele iria a qualquer lugar, tentar qualquer coisa’, disse ontem o jornalista e escritor Gay Talese. ‘Era um homem muito interessante, em especial porque se interessava’, completou Gore Vidal. ‘Ele tinha uma visão muito específica do que significava estar vivo’, afirmou o escritor William Kennedy. ‘Ele foi o grande cronista de seu tempo, o grande autor de reportagens. Seu interesse era amplo, variado, ia de Marylin Monroe a Picasso, do grafite às mais cruéis formas de crime. Mas a vida pública que levou talvez tenha impedido uma atenção crítica mais cuidadosa e justa. Talvez agora…’
COM AP, EFE, REUTERS
o que ele disse
‘Sempre senti que minha relação com os Estados Unidos pode ser comparada a um casamento. Eu amo esse país. Eu detesto esse país. Fico bravo com ele. Eu me sinto próximo a ele. Ele me encanta, mas também me afasta. E é um casamento que já dura pelo menos 50 anos e, ao longo desses anos, o que aconteceu? Piorou. Não é mais o que costumava ser’
EM ENTREVISTA À TELEVISÃO FRANCESA EM 1998
‘É uma percepção errada aquela que me vê como um selvagem. Eu gostaria muito de ainda ser… Mas a raiva, agora, está tão lá no fundo que é quase confortável. Já estou quase no ponto em que posso lidar com ela filosoficamente. O mundo não é o que eu gostaria que ele fosse. Mas, enfim, ninguém disse que eu tinha direito de desenhar o mundo do meu jeito’
EM ENTREVISTA À REVISTA TIME NO INÍCIO DA DÉCADA DE 90
‘As mulheres conseguiram alcançar poder e reconhecimento e agora se igualam aos homens em cada estupidez e vício que exercitamos durante a história. São limitadas, vivem em busca de poder, incapazes de apreciar um bom debate de idéias. O movimento feminista está repleto de tiranas, assim como os movimentos políticos dos homens’
EM 1991, DISCUTINDO ANTIGA BRIGA COM AS FEMINISTAS’
Luiz Carlos Merten
Ator de Forman e Godard, diretor de filmes bizarros
‘Faz exatamente 20 anos que Norman Mailer realizou seu último filme como diretor – Homens ‘Roxos’ não Dançam foi considerado, na época, o projeto mais comercial do escritor que se havia tornado cineasta fazendo filmes amadorísticos, para dizer-se o mínimo. O primeiro, Wild 90, é de 1967. Seguiram-se Beyond the Law e Maidstone, ambos com Rip Torn, e Homens ‘Roxos’, que foi como Tough Guys Don’t Dance se chamou aqui.
Mailer baseou-se no próprio livro para fazer o filme interpretado por Ryan O’Neal e Isabella Rossellini. É o mais estranho dos filmes noir, com um herói que pode ter cometido um assassinato, mas não se lembra. Mailer povoou seu filme de personagens bizarros. É raro encontrar quem goste incondicionalmente de Tough Guys, mas o filme tem seus momentos, principalmente quando Laurence Tierney está em cena, como o pai – maluco – do protagonista.
Escritor polêmico – e premiado – Mailer biografou Muhammad Ali, Marilyn Monroe, Henry Miller e Gary Gilmore (assassino condenado à morte), usando esses personagens para criticar o sonho norte-americano. Ele foi, com certeza, um autor crítico e importante. Por sua virulência, tornou-se uma espécie de consciência (incômoda) dos EUA. Sua participação no cinema não se deu somente pelos filmes que realizou. Mailer foi também ator – em Na Época do Ragtime, de Milos Forman, por exemplo, e o filme oferece um dos mais poderosos ataques de Hollywood ao racismo, tema ao qual o escritor foi sensível -, tendo se envolvido também na realização do mítico King Lear de Jean-Luc Godard, como intérprete e adaptador da peça de Shakespeare.
Mas a grande contribuição de Norman Mailer ao cinema talvez tenha sido mesmo por meio de sua literatura. Em 1958, Raoul Walsh baseou-se num dos grandes livros do autor, Os Nus e os Mortos, para fazer A Morte Tem Seu Preço. A crítica dos EUA achou o filme superficial. Os franceses, que sempre amaram o diretor, dizem que Walsh potencializou a narrativa de Mailer e fez um dos grandes filmes sobre a 2ª Guerra. O filme tem Aldo Ray no papel do sargento deste pelotão que inclui o garoto rico (Cliff Robertson) que faz um duro aprendizado na vida no campo de combate.’
PUBLICIDADE
Potencial do interior é pouco explorado por anunciantes
‘Da série de estudos que vêm sendo preparados desde o ano passado pela agência de propaganda Talent para esmiuçar o cenário de consumo do País, acaba de sair do forno ‘As ‘Califórnias Brasileiras’ estão mais perto do que pensamos’.
Desta vez, a equipe de mídia da agência detalhou o interior do Estado de São Paulo. São 23.818.401 habitantes, ou 13% da população do País, com um poder de consumo 34% superior à média brasileira. Um universo que consome anualmente US$ 43,74 bilhões do que é produzido no Brasil.
Porém, se é fato corriqueiro que o interior de São Paulo é o segundo mercado consumidor do Brasil, logo após o da capital do Estado, o que surpreende, como diz Paulo Stephan, diretor de mídia da Talent, é o fato de o alto potencial de consumo do interior ser ainda mal aproveitado pelos anunciantes.
‘Quando se faz a análise de aplicação da verba publicitária na região, nota-se que as oportunidades de mídia não são utilizadas, em alguns casos, até mesmo por falta de conhecimento dos hábitos que, embora parecidos com os da capital, não são iguais’, diz. ‘Entre os hábitos que diferenciam a capital do interior está, como forma de lazer, o ato de caminhar para se tomar um sorvete, o que é impossível de se fazer em São Paulo por medo da violência.’
O estudo buscou reunir dados que demonstram o quanto esse universo, que soma um PIB de US$ 130 bilhões e renda per capita de US$ 9,8 mil, pode representar em termos de oportunidades de negócios. Para tal, retrata características de doze regiões, que foram divididas segundo a recepção de sinais de tevê. E, mais do que isso, cruza, por exemplo, dados de consumo com as épocas de safras características de cada uma dessas regiões. ‘É nesse período que o anunciante deve aproveitar as verbas para aplicar sua verbas’, diz Stephan.
No interior de São Paulo há 69 shoppings centers, o que equivale ao total existente nos três Estados da Região Sul, ou então à soma dos empreendimentos do gênero em todo o Nordeste. São 33 aeroportos interligando as principais cidades. Lugares onde vive uma população que costuma sair para se divertir e viajar bem mais do que os seus pares que vivem na capital do Estado.
Entre as categorias em que o consumo per capita no interior é maior do que a média brasileira estão: a frota de veículos, 51% maior; os gastos com manutenção do lar (35% maior); eletrodomésticos e equipamentos em geral (21%); e despesas com viagens (16%).MÍDIA NO INTERIOR DE SP
436 jornais
32 emissoras de TV aberta
500 mil domicílios assinantes de TV paga
570 emissoras de rádio (am e fm)
8,157 mil cartazes de outdoor, em 3.908 locais’
CONVERGÊNCIA
Associação de Jornais debate mídia digital
‘A Associação Nacional de Jornais (ANJ) promove amanhã, no auditório da sede do jornal Folha de S.Paulo, o seminário ‘Os jornais e a internet: para onde aponta o futuro?’. O objetivo é ampliar a reflexão – já recorrente no meio jornalístico – sobre como os profissionais devem lidar com os avanços da convergência de mídias no dia-a-dia das redações.
No encontro, serão apresentados cinco painéis dos quais participam profissionais do setor, entre eles Marco Chiaretti, editor-chefe de Conteúdos Digitais do Grupo Estado, assim como professores e estudantes. O crescimento da internet nos últimos anos exige mudanças culturais e, no caso dos jornalistas, mudanças práticas para que possam trabalhar com os recursos multimídia.
Todas essas questões, somadas a polêmicas em torno do jornalismo digital – como, por exemplo, se os jornais devem ou não abrir seu conteúdo gratuitamente nos sites de notícias -, estão na pauta do seminário.
Haverá espaço para discussões sobre a tendência de se classificar os jornais não só pela sua tiragem e pelos seus índices de leitura, mas também pela sua audiência na internet. Anunciantes e agências de publicidade resistem a aceitar essa forma de contabilidade.
Outro ponto polêmico, como lembra o assessor da ANJ, Ricardo Pedreira, trata da queda de circulação dos grandes jornais, em especial nos EUA e Europa, em favor do crescimento da audiência dos sites de jornais. ‘No Brasil, não há queda de circulação, como indicam os números do Instituto Verificador de Circulação (IVC)’, explica. ‘Em 2006, a média diária de circulação dos jornais aumentou 6,5% ante 2005. No total, foram distribuídos 7,230 milhões de jornais por dia, ao longo do ano passado’.
Até julho, o ritmo da indústria de jornais permaneceu em ascensão, com as vendas aumentando 13,6% em relação ao mesmo período de 2006. Fato, que segundo analistas, está atrelado à expansão dos jornais populares. Esse avanço introduziu novos títulos no portfólio de publicações diárias, caso do mineiro Supernotícia.’
TELEVISÃO
Record puxa o freio Rede revê gastos com contratações
‘A Record puxou o freio nas contratações milionárias e no assédio em cima de artistas de outras emissoras. A onda do ‘eu pago o dobro’, que tirou muitos nomes de peso da Globo no ano passado, acabou e a ordem agora lá é conter gastos nas renovações de contratos e novas aquisições.
Uma prova disso é a crise instalada na segunda edição do The Simple Life. Sucesso na primeira temporada, Karina Bacchi e Ticiane Pinheiro subiram muito suas exigências salariais na negociação de mais uma fornada do reality para 2008. Resultado: a Record passou a anunciar que estaria atrás de outras celebridades para o programa. Comenta-se nos bastidores que de R$ 60 mil, a dupla passou a pedir R$ 100 mil para estrelar a segunda temporada do programa. Detalhe: R$ 100 mil para cada uma delas. A Record recusou. Ofereceu um pequeno aumento e elas voltaram a negociar.
Outra estrela da casa que pediu um bônus salarial e acabou caindo fora foi atriz Carla Regina, que voltou para a Globo.
As próximas novelas da casa também devem reaproveitar o casting já contratado, sem grandes novidades.’
Matthew Shirts
Terça-feira na TV
‘Conta-se na família uma história divertida do meu querido avô Wesley. Caipira de tudo, criado na roça em Utah, interior americano, no início do século, disseram-me que na primeira vez que foi ao cinema, mudo ainda, levantou-se de repente, deu um grito, e saiu correndo para evitar ser esmagado pelo trem que vinha vindo em sua direção.
Se é verdade ou não, nunca saberei. Deve ter uma dose qualquer de exagero nessa história. Mas lembrei dela, terça-feira passada, ao sentar no sofá com minha filha Maria, na sala de casa em São Paulo, para assistir à nova leva de seriados na TV a cabo.
Não sei se a família progrediu muito do meu avô para cá. O truque do trem não me pega. Mas ainda tenho dificuldades para assistir a programas hospitalares, por exemplo. Sinto medo, acho que é esta a palavra correta, ao ver crianças doentes, cirurgias, corpos mutilados. É preciso mudar de canal. Os médicos são uns heróis, televisivos ou não. Tá louco, tchê.
Minha filha herdou do pai o gosto pelas comédias semi-idiotas, mas engraçadas, as melhores, e a queda por narrativas policiais. Na terça-feira havia grande expectativa em casa – minha sobretudo – pela estréia de Big-Bang Theory, no canal da Warner.
Se você não o viu ainda a situação é a seguinte. Dois jovens estudantes de ciência, ‘nerds’, universitários, dados a elaborar problemas de física nos quadros negros do seu apartamento, e a falar em Klingon, idioma de Dr. Spock, o orelhudo de Jornada nas Estrelas, são tomados de sobressalto quando uma jovem loira se muda para o apartamento da frente. Ela trabalha como garçonete numa rede de lanchonetes especializada na produção industrial de ‘cheesecake’. Embora não seja burra, digamos que nunca antes havia encontrado pela frente a noção de relatividade.
No primeiro episódio, o chuveiro da moça quebra, e ela pede para tomar banho no apartamento dos nossos universitários. Antes da ducha, conta a história da sua vida, dando ênfase ao rompimento recente com o namorado. Vou contar apenas uma das piadas, juro:Loira, inconformada: ‘Passei quatro anos da minha vida com ele, o colegial inteiro!’
Universitário: ‘Você levou quatro anos para terminar o colégio!?’
OK, não é a melhor piada do mundo, mas confesso que me diverti, mais do que a Maria, diga-se de passagem. Em seguida, vimos seu favorito, Two and Half Men, com Charlie Sheen. Depois, Mentes Criminosas, no canal AXN, que discutiu com profundidade surpreendente para um seriado, o horror da guerra.
E aí Maria subiu para dormir. Foi o que ela me disse ao menos. Aproveitei para dar uma espiada em outro seriado novo, Californication, ou Fornicalifórnia, numa tradução livre. O nome me incomoda, supera até mesmo meu limiar de idiotice cômica, mas ao mesmo tempo atiçou a curiosidade. Lera numa revista que seria a versão masculina de Sex & the City, seriado já clássico e recém-encerrado, sobre nova-iorquinas namoradeiras. Como passei a juventude na Califórnia, não havia a possibilidade de ignorá-lo por completo.
Dá vergonha admiti-lo, mas acabei gostando bem mais do que esperava. Narra as agruras de um escritor de sucesso, mas de um livro só, dono de um Porsche e recém-separado, que enfrenta o desafio de equilibrar uma vida sexual movimentadíssima, ajudar a criar uma filha de 11 anos de idade, escrever um novo romance e reconquistar a ex-mulher, por quem é apaixonado. Ah, e como se não bastasse, parece que vai ser obrigado a escrever um blog.
Tudo ao mesmo tempo. O difícil, para mim, foi sentir pena do escritor. Mas a parte do blog me pegou um pouco. Isso aí não deve ser fácil.
Na manhã seguinte, no café da manhã, Maria confessou que tinha visto o seriado, também, no quarto dela. Os adolescentes de hoje são muito precoces. Do meu saudoso avô Wesley para cá, caminhamos um pouco, sim, sem dúvida.
Na minha modesta e desinformada opinião, os roteiristas hollywoodianos merecem os reajustes que estão pedindo, com greve, inclusive. Os seriados, ao menos, são muito bem escritos.’
INTERNET
Engarrafamento de dados
‘E se um dia a internet parasse de funcionar repentinamente? A última – e única vez – em que quase aconteceu foi em 1988. Poderia ocorrer de novo? Será que a rede agüenta o tráfego cada vez mais pesado e intenso que está por vir: todos os filmes, todos os celulares, todas as cafeteiras e geladeiras que, fatalmente, estarão penduradas nela?
A internet não é a única rede da qual dependemos e com a qual convivemos. Temos a rede do tráfego aéreo, por exemplo. Há um imenso número de pequenos aeroportos, vários médios e alguns poucos muito grandes. De Goiânia é preciso passar antes por Guarulhos para ir a qualquer continente do mundo; mas, de São Paulo, a Europa está a um pulo. Assim como Guarulhos é um elo para os continentes, aeroportos como os de Frankfurt, na Alemanha, vão para quase todos os países.
É um sistema de capilarização: da periferia é preciso fazer escalas para alcançar qualquer outro ponto do sistema. Mas, dos grandes nós, vai-se para qualquer parte.
Já houve quem imaginasse que a internet fosse assim. Afinal, ela tem algumas grandes espinhas dorsais de cabos que interligam continentes e alguns servidores bastante parrudos que parecem atrair boa parte do tráfego. Descobrir que esta é uma rede que funciona diferentemente foi trabalho para cientistas. No caso, para o matemático americano John Doyle, da Caltech – Universidade de Tecnologia da Califórnia.
Boa parte do tráfego da internet funciona na periferia da rede, não em direção ao centro. É o caso do número incontável de e-mails que enviamos para pessoas no prédio em que trabalhamos, no máximo para a cidade. A maioria dos sites que freqüentamos, em nossa língua, está em servidores próximos: não é preciso dar a volta ao mundo para que uma mensagem siga do Leblon para Ipanema, de Higienópolis para Perdizes.
A rede também é esperta para fazer o seu equivalente ao controle de tráfego aéreo. Cada arquivo que enviamos é quebrado em pequenos pacotes digitais do mesmo tamanho com um endereço acoplado. Não importa se estamos enviando um filme de alguns gigas ou uma mensagem instantânea de duas palavras, tudo é quebrado nos pequenos pacotes iguais e enviado pelos cabos da rede. Se a tal mensagem foi quebrada em dois pacotes, cada um deles poderá seguir um caminho diferente na rede – a única coisa importante é que cheguem no lugar de destino, se juntem novamente, para darem forma instantaneamente na janela do Messenger da namorada: ‘Te amo’.
Quando os pacotes chegam ao destino, uma mensagem interna dos servidores é enviada em resposta: chegou ok, ela diz. Como alguns pacotes sempre se perdem, seu servidor não recebe respostas de ok para tudo que enviam. E é assim que ele mede o tráfego: quanto mais pacotes perdidos, mais devagar envia tais pacotes. Afinal, há indícios de que a rede esteja sobrecarregada.
Internet lenta é isso: seu servidor decidindo reduzir a velocidade de envio de pacotes porque, aparentemente, muitos estão se perdendo pelo caminho.
Este é o ponto fraco da internet. Ela funciona, afinal, como o trânsito. No dia em que nossas geladeiras forem capazes de ler a validade do leite para nos informar por e-mail ou celular que ele expirou, haverá uma quantidade inimaginável de conexões à rede.
Não há perigo de a internet parar porque um grande servidor pifou. (Isto pode acontecer com tráfego aéreo.) Mas há perigo de ela parar por conta de um engarrafamento gigantesco que, um dia, não se resolve mais. Assim como Sampa.
Uma das soluções é redefinir como nossos servidores decidem enviar pacotes mais lentamente. Se houvesse algo como um mapa de tráfego mais preciso, ajudaria. Já há um bocado de estudos nesse sentido.’
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Folha de S. Paulo
Segunda-feira, 12 de novembro de 2007
IMAGENS
Fernando de Barros e Silva
Rogéria e Jessica
‘SÃO PAULO – A semana foi do petróleo, mas duas fotos chamaram atenção: 1. A do travesti Rogéria seminu (ou seminua, como queiram), o que provocou o cancelamento da exposição do fotógrafo Luiz Garrido no Salão Negro da Câmara; 2. A da garota Jessica, presa com outros oito jovens da zona Sul carioca, acusados de formar uma quadrilha de ‘elite’ de traficantes de ecstasy.
São imagens distintas e histórias de relevância desigual, mas juntas dizem algo sobre o ‘zeitgeist’ (o espírito do tempo) do Brasil atual.
Invocou-se na Câmara, para censurar o retrato de Rogéria, o dever de preservar a criança e o adolescente de ‘tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor’. Ora, aplicada a lei, a maioria dos ilustres congressistas estaria vetada para visitação, de crianças ou de marmanjos.
A foto de Rogéria sugere uma irreverência quase ‘naïve’, nada tem de chocante ou vexatório e exibe de modo discreto parte daqueles pêlos que, como canta Chico Buarque, só a bailarina que não tem.
O excesso de moralismo ocupa o lugar da falta de moralidade. É o caso de parafrasear Theodor Adorno: o Congresso é permissivo no trato da verba pública e pudico com os costumes; o contrário seria melhor.
O estatuto do adolescente não vale mais para Jessica, 18 anos. Todos os grandes jornais a estamparam algemada, inclusive a Folha. ‘A bela do tráfico’, carimbou um deles.
A mídia alimenta e satisfaz as perversões consentidas pela ‘sociedade do espetáculo’. E, ao expor -aí sim- a garota a abusos de tratamento violento e desumano, ainda ajuda a criar a ilusão de que a lei é igual para todos. Não é. Pobre ou preta, Jessica teria direito às algemas, não à foto na capa: estaria no porão, sob os cuidados de praxe da polícia. O caso e sua cobertura pela mídia são sintoma de regressão social, nunca de avanço democrático.
A proibição de uma imagem e a hiperexposição da outra traduzem um momento do país. E vem referendar as taras conservadoras dos ‘homens de bem’.’
CHARLES SCHULZ
Liberdade de expressão
‘RIO DE JANEIRO – ‘Peanuts’, de Charles Schulz, foi a primeira tira explicitamente ‘cabeça’ dos quadrinhos. Não por acaso, seus personagens -Charlie Brown, Lucy, Linus, Schroeder- têm uma cabeça enorme e problemas que nunca passariam perto de Bolinha e Luluzinha. O próprio cão Snoopy está para Pluto, de Walt Disney, como Albert Camus estaria para o querido Obina, do Flamengo.
Todo mundo em ‘Peanuts’ é depressivo, ansioso, frustrado, cheio de melindres, cruel ou apenas inseguro. Essas características eram um reflexo do próprio Schulz, um cartunista que expressou os sentimentos de milhões nos anos 60 e 70, ficou multimilionário com isso e -sabe-se agora- continuou depressivo, ansioso, frustrado, cheio de melindres etc.
É o que se lê em sua biografia, ‘Schulz and Peanuts’, pelo respeitado David Michaelis, recém-lançada nos EUA. Michaelis teve todo o apoio da família Schulz. Os filhos do cartunista lhe abriram seus arquivos, gavetas e memórias. Publicado o livro, eles o detestaram.
‘Estamos decepcionados’, disse Monte Schulz, o filho mais velho. ‘Não reconhecemos nosso pai. Ele não era melancólico, angustiado, frio ou rancoroso como David o descreveu. Para que seu personagem fizesse sentido, David omitiu histórias que o mostravam como um pai alegre, carinhoso e participante’. Michaelis se defende: ‘Este foi o Schulz que encontrei’.
Notar que Monte chama o biógrafo de ‘David’, não de ‘sr. Michaelis’ ou de ‘aquele cretino’. Disse também que nem lhe passa pela cabeça processar o escritor: ‘David tem o direito, garantido pela Constituição, de escrever o que quiser’. Acredite ou não, a Constituição dos EUA é assim: contém um artigo que garante a liberdade de expressão, sem dar margem a ambigüidades, e revoga as disposições em contrário.’
TODA MÍDIA
Tupi e o mundo
‘O ‘Financial Times’ abriu o editorial ‘Lubrificando o petróleo’ dizendo que ‘a descoberta do campo Tupi no Brasil estimula o otimismo quanto ao futuro dos suprimentos’, mas com a demanda crescente não tem jeito, ‘o mundo tem que se acostumar a preços altos’, até porque ‘grandes descobertas se tornam raras’.
Em longa reportagem, o ‘Wall Street Journal’ foi pela mesma linha. ‘Embora bem-vinda, num mundo em que grandes achados são raros, a descoberta não deve afetar o preço.’ Já sites como Resource Investor saúdam a ‘nova fronteira do Brasil’ e proclamam com esperança que o país é ‘líder em águas profundas’.
E o site de estratégia Strafor destaca os ‘benefícios do bloco mamute’ para Petrobras, com mais reservas que Shell etc., e Brasil, nas relações com China etc.
‘SORTUDO’
Após editorial e até coluna saudando os ‘espasmos de excitação’ com o campo Tupi no ‘FT’, o correspondente Jonathan Wheatley postou no site que Lula é ‘sortudo’ e se tornou ‘o mais popular da história sem fazer nada’.
‘MONSTRO’
Em páginas às centenas, o campo segue sendo chamado de ‘monstro’, na AP, em meio a títulos como ‘Brasil acorda nadando em óleo’, do Google/AFP. Em sites do setor e na ‘Veja’, vem mais por aí -com avaliações sísmicas de novo campo de igual tamanho.
ELITE
Lula falou em entrar para a Opep e o ‘Jornal Nacional’ registrou como ‘o Brasil na elite’ e ‘o presidente sonha’.
No ‘Guardian’ e em várias outras partes, a projeção é de entrar para a primeira liga, ‘big league’, ‘major league’.
NO IRÃ, RÚSSIA
A notícia ecoa por sites da China e outros importadores, mas sobretudo do Oriente Médio, ao menos aqueles em inglês, como ‘Tehran Times’. E também da Rússia, que tem as maiores reservas e não é da Opep, em sites como ‘Pravda’ e agências como Itar-Tass.
FIDEL E A DOR PROFUNDA
O ataque do rei espanhol a Hugo Chávez ofendeu Fidel Castro -que apoiou no ‘Juventud Rebelde’ a ‘crítica’ do venezuelano à Europa. Diz que Che ‘sentiria orgulho’ dos presidentes que também apoiaram, e ‘uma dor profunda’ por outros líderes, de ‘posições tradicionais de esquerda’.
NA ESTRADA
Walter Salles escreveu no ‘New York Times’ sobre os ‘road movies’, inclusive os ‘Diários’ e a ‘transformação de Ernesto em Che conforme vê a desigualdade’ por aqui. Cita outros e avalia que, entre ficção e documentário, eles ‘dizem quem somos e para onde estamos indo’ no globo
MATA QUEM?
Ontem, minutos antes de Corinthians e Goiás, entrou Wagner Moura com a camiseta do Capitão Nascimento, no meio do bar, ‘peraí! pára tudo!’. Questiona o ‘barulho’. Chega cerveja e ele sorri. Da ‘boa’ do bar, ‘agora, mata!’. E dele, ‘mata quem?’.
Já a ‘Caros Amigos’ entrevistou ‘o legista da ditadura’, Harry Shibata, que fala a certa altura: ‘Você assistiu ao ‘Tropa de Elite’? O sistema de combater a subversão era o mesmo, era guerra do mesmo modo. Falta, na verdade, uma tropa com mais gente. Pra diminuir a criminalidade, acho que o que a ‘tropa de elite’ fez e faz é uma solução’.
SOB CONTROLE…
Nas agências editadas por Google e outros, ‘Controle dos EUA sobre a web é tema principal no Rio’, em fórum da ONU que começa hoje.
E SÓ CONVERSA
ZD Net e outros destacam que, da parte do Brasil e dos especialistas, esperam-se resultados. Da parte dos EUA, só ‘troca de informações’.
TELEVISÃO
Monopólio prejudica futebol, diz Flamengo
‘Pesquisa feita pelo Flamengo, clube mais popular do país, conclui que o modelo brasileiro de negociação dos direitos de futebol, baseado no ‘monopólio’ da Globo, ‘prejudicou o crescimento da receita’ dos times, pois privilegiou a TV aberta em detrimento de outras janelas (TV paga e pay-per-view).
O documento é assinado por Leonardo Ribeiro, presidente do conselho fiscal do Flamengo. Foi distribuído aos principais clubes do país.
O estudo mostra como funciona a relação entre TV e futebol na Europa e propõe, a partir de 2009, a adoção de leilões.
Sugere que, para a TV aberta, a Série A do Brasileiro seja dividida em dois pacotes de 38 jogos. Cada pacote iria a leilão por R$ 300 milhões. Neste ano, informa, a TV aberta transmitirá 114 jogos por R$ 160 milhões.
Em outras palavras, o modelo proposto reduz em um quarto o número de jogos na TV aberta (para valorizar a TV paga e o pay-per-view) e aumenta os direitos em quase quatro vezes. Além disso, possibilitaria que a Record comprasse um dos pacotes leiloados e exibisse jogos exclusivos do Brasileiro.
A Globo diz que o trabalho ‘foi elaborado a partir de premissas equivocadas, tendo se utilizado de números de transmissões e valores que não correspondem à realidade’. Afirma também que ‘o estudo não representa a opinião do Flamengo, já que foi criticado dentro do próprio clube’.
OSCAR
O ator José Wilker entregará um dos prêmios do Emmy Internacional, o Oscar da TV mundial, no próximo dia 19 em Nova York. O Brasil concorre com sete finalistas, número recorde. No ano passado, Milton Gonçalves entregou um troféu.
MAIS IBOPE 1
Em 24 horas, o ‘Mais Você’ recebeu 10 mil inscrições de interessados em participar de ‘BBB 8’. No próximo dia 26, Ana Maria Braga anunciará oito selecionados, que serão submetidos a provas no programa.
MAIS IBOPE 2
Desses oito, serão escolhidos dois. Eles participarão da etapa chamada ‘cadeira elétrica’, com outros 160 selecionados pela produção de ‘BBB’. É nessa fase que se definem os participantes do reality show.
ALTA VOLTAGEM
Andaram tensos os bastidores de ‘Duas Caras’ na semana passada. Wolf Maya, diretor-geral, e Alexandre Scalamandré, gerente de produção, quase brigaram. Mas já reataram.
POR UM TRIZ 1
O Ministério das Comunicações aprovou quinta-feira o projeto de TV digital da Rede TV! em São Paulo. Assim, a emissora conseguirá estrear na nova tecnologia junto com as demais redes, no próximo dia 2.
POR UM TRIZ 2
A Rede TV! teve problemas porque não apresentou no prazo inicial certidão negativa de débito no INSS. Teve que negociar uma dívida de R$ 54 milhões e enfrentar, na Justiça, tentativa do Ministério Público de atrelar a ela dívida de INSS da extinta Manchete.’
Cristina Mutarelli
Paulo Autran valorizava o gesto preciso e a tensão com o silêncio
‘No dia 8 de outubro de 2007, uma segunda-feira, quatro dias antes de morrer, Paulo Autran confessou ao amigo, o ator Elias Andreato, que tinha planos para 2008: queria montar uma peça que falasse de amor com a sua mulher, a atriz Karin Rodrigues. Pensou também em um recital de poesias, que seria intitulado ‘Paulo Autran Sem Prosa’. Paulo -cuja morte completa um mês hoje- adorava ler poesias e mantinha um programa semanal na rádio Bandnews, com leitura de textos de sua preferência: Fernando Pessoa, Drummond, Manuel Bandeira, entre outros.
Seguindo sugestão de um amigo, numa dessas conversas bem-humoradas para driblar a dor, Paulo pensou ainda em montar o espetáculo ‘Paulo Autran, Venha Ver Antes que Acabe’. Divertiram-se com a idéia, dizendo que ficariam ricos com a morbidez do título.
Sabiam, àquela altura, da gravidade da doença. Paulo nunca se lamentou, mesmo nos momentos mais dolorosos. Sempre com humor afinado, atravessou o último ano com elegância e altivez, numa braveza nunca antes presenciada por seu médico e amigo, Drauzio Varella. Lutou até que, dois dias antes de morrer, declarou seu cansaço. Quando finalmente admitiu estar sofrendo, depôs as armas e se foi.
Paulo não deixou filhos, deixa uma população de seres que criou com astúcia: personagens que desmascaram gestos de poder, gestos que inferiorizam, olhares que intimidam, diminuem, falas que excluem, ações que emudecem, reprimem, ameaçam, arrebatam… Preservou genial simplicidade para debochar da hipocrisia daqueles que representam o poder, o status e a ganância.
Em ‘O Avarento’, seu último trabalho, era um colega brincalhão. Em cena com seu parceiro Elias Andreatto, fazia caretas de costas para a platéia para provocar risos. Elias, por sua vez, colava fotos de Paulo em seu calção bufante. Também costumava abrir, de repente, sua casaca para mostrar o rasgo na calça e provocar risos no parceiro de palco.
Ele ria em silêncio
Paulo celebrava a vida a cada instante. Era um homem belo, com uma bonita voz, um olhar sedutor… E ele sabia disso; aliás, abusava disso. Sua simples presença causava furor nos corações de atores, atrizes, diretores, dramaturgos e amigos. Ele percebia tudo e ria em silêncio. Sua presença nos desequilibrava, não podíamos deixar de admitir que estávamos diante do maior ator do Brasil. Ele nos acolhia com simplicidade. Paulo não se deixava adular e nos contava, com sua risada, como é patética a vaidade humana.
Ele não gostava de rótulos e orgulhava-se de dizer que, na vida e no palco, só fez o que quis. E quis muito, era muitos, podia ser todos. Afirmava fazer teatro especialmente porque considerava a vida uma hipocrisia, que poderia ser desmascarada no palco. Café e cigarro
Paulo marcava encontros de trabalho em seu delicioso apartamento na alameda Casa Branca, nos Jardins. Sempre nos esperava no hall de entrada. Ao abrir a porta do elevador, deparávamos com um ansioso diretor à espera do início dos ensaios.
Karin, sua mulher, nos lembrava do café sobre a escrivaninha de madeira… Ele fingia não ouvir, acendia um cigarro, distribuía os lugares na mesa e anunciava: ‘Vamos começar’. E começava: ‘Não precisa correr’, ‘Olha a pausa’, ‘Escute primeiro e depois responda’… Nos dizia que, muitas vezes, o silêncio é mais importante do que a fala, embora não deixasse de falar nada do que pensava.
Sua fala-espada, por sinal, cortava nossas animadas línguas a papagaiar textos desenfreados. Valorizava a palavra, as marcas enxutas, os gestos precisos, as pausas, criava tensões com o silêncio, pequenas paradas fotográficas, congelamentos que desnudavam a alma dos personagens. Ou seja, tinha pleno domínio técnico do ofício de ator.
Não bastasse, era capaz de transmitir a outros atores um pouco da sua sabedoria. Bete Coelho -que foi dirigida por Paulo em 2000 em ‘Pai’, peça de minha autoria- conta: ‘Trabalhar com o Paulo foi extremamente importante: marcou cada gesto, cada inflexão, cada mudança de tom. Ele trabalhou isso de tal maneira que me senti o tempo todo livre, como se eu mesma estivesse inventando tudo isso. Paulo me ensinou que em teatro é possível ser simples sem ser banal’. Numa das últimas apresentações de ‘Pai’, ao ver Bete Coelho entrar no palco, o olhar de Paulo brilhava. Vendo sua ‘musatriz’ cumprir com precisão sua direção, ele chorou escondido.
Travessuras na velhice
Sobre a velhice, falava: ‘Ela vai ter que me aturar’. Odiava a leitura que certas pessoas fazem dela -às vezes o paravam na rua e brincavam com ele como se fosse criança: ‘Ai, que bonitinho, como está velhinho’. Dizia se sentir um débil mental.
Sua velhice foi esperta, cheia de travessuras, cinemas, amigos, teatros, jogos de cartas… Por outro lado, Paulo definitivamente não suportava festas fáceis, abordagens insistentes, era avesso a badalações. Era um sofisticado homem simples sem ‘necessidades extracurriculares’: seguranças, Mont Blanc, e-mails, celulares…
Quando nos deixou, preferiu se despedir sem grandes formalidades. Ao seu modo, dava seu adeus -em uma foto colocada atrás do caixão, piscava, safado, como se dissesse: ‘Aqui não jaz mais ninguém, vão chorar em outra freguesia’. Justa causa.
CRISTINA MUTARELLI é atriz, diretora e dramaturga.’
Daniel Castro
Aguinaldo Silva diz que está sendo ameaçado
‘O escritor Aguinaldo Silva diz que tem recebido ameaças por telefone desde que a atual novela das oito da Globo, ‘Duas Caras’, estreou, há 42 dias. A novela trata de temas como racismo e invasão de terras.
No telefonema mais ameaçador, o interlocutor disse ao autor que ele iria ‘amanhecer com a boca cheia de formigas’. Em algumas ligações, o interlocutor não disse nada. Em outras, houve insultos de cunho sexual (Silva é homossexual) e racial (ele foi chamado de ‘sarará’).
As ligações sempre partiram de telefones públicos ou de celulares que não permitem ao aparelho receptor identificar quem está telefonando.
‘Neste momento, eu sinto medo e tenho sérias razões pra isso. A julgar pelo que dizem os telefonemas disparados dos tais celulares com IDs privados, por motivos alheios à minha vontade, posso até nem terminar a novela ‘Duas Caras’, que tanta discussão está gerando. Se eu parar, não será por minha própria vontade’, escreveu Silva em seu blog.
O autor diz que não acredita que as ameaças sejam ‘sérias’. Decidiu expô-las em seu blog na esperança de que elas cessem. Se isso não ocorrer, afirma que irá à polícia e usar recursos para identificar de onde estão partindo os telefonemas.
‘As ligações são diárias. Em alguns dias, ligam dez vezes’, disse à Folha. ‘Não acho que [as ameaças] sejam coisa de política. A novela mexe com um monte de coisas, provoca muita gente. Acho que são freaks que estão ligando, pessoas que querem me desestabilizar porque estou com uma novela das oito no ar’, afirmou.’
NORMAN MAILER
Gore Vidal e Gay Talese lamentam morte de Mailer
‘Um dos maiores escritores americanos contemporâneos, Gore Vidal lamentou ontem a morte de Norman Mailer, com quem teve, por décadas, uma amizade conturbada. ‘Ele era interessante porque era interessado… Nós dois desgostamos das mesmas coisas a respeito da nossa terra natal.’
Mailer morreu anteontem, aos 84 anos, em decorrência de problemas pulmonares e renais.
Gay Talese, representante do primeiro time do chamado ‘novo jornalismo’ junto com Mailer, elogiou a iniciativa e a versatilidade do colega. ‘Ele nunca achou que as fronteiras estavam fechadas. Era uma pessoa corajosa, totalmente confiante, com grande senso de otimismo’, afirmou.’
CINEMA
Febre pirata, ‘Tropa’ vira líder ‘oficial’
‘Quando ‘Tropa de Elite’ tornou-se na sexta-feira o filme brasileiro mais visto nos cinemas neste ano, José Padilha livrou-se da sensação de flamenguista duplamente injustiçado.
‘Todo mundo sabia que o Flamengo foi pentacampeão. Mas, como um dos campeonatos não foi reconhecido [o de 1987], agora dizem que o São Paulo é pentacampeão. Todo mundo sabia que ‘Tropa de Elite’ teve muito público. A confirmação de que ele foi o mais visto do ano torna isso oficial’, afirma o diretor de ‘Tropa…’.
Embora o longa lidere o ranking de bilheteria nacional (ultrapassou ‘A Grande Família’ com a bilheteria da última sexta e chegou a 2,10 milhões de espectadores com os resultados de anteontem), é ainda considerado uma derrota, no ‘tapetão’, para a pirataria, de acordo com a avaliação do distribuidor Jorge Peregrino, do estúdio Paramount, que fez o lançamento comercial.
A estréia do filme estava originalmente prevista para este mês. Foi antecipada para setembro passado, depois que uma versão preliminar do título foi desviada para o mercado pirata de DVDs, onde se tornou febre de consumo.
Por causa do consumo ilegal, Peregrino estima haver deixado de vender ‘no mínimo, entre 1,5 milhão e 2 milhões’ de ingressos nos cinemas.
A base de comparação do distribuidor é o desempenho de ‘Carandiru’, de Hector Babenco, que reconstitui o massacre de 111 detentos no famoso presídio paulistano, ocorrido em 1992, e foi visto por 4,6 milhões de espectadores em 2003.
‘Não tenho nada de científico [como argumento]’, diz Peregrino. ‘Mas o feeling que a gente tem e a velocidade de queda [do público nos cinemas] no Rio de Janeiro indica que o impacto da pirataria foi monstruosamente alto’, conclui. ‘Tropa de Elite’ não chegará a mais de 2,5 milhões de espectadores no cinema, segundo as estimativas da Paramount.
Baixa renda
O distribuidor que lançou ‘Carandiru’ e ‘2 Filhos de Francisco’ (5,4 milhões de espectadores) nos cinemas, Rodrigo Saturnino, da Columbia, corrobora a análise de que ‘Tropa de Elite’ teve seu desempenho nos cinemas bastante prejudicado pela pirataria.
‘Observando o resultado de cada sala em que o filme está em cartaz, nota-se que as áreas de população de baixa renda não reagiram para esse filme como reagiram a ‘Carandiru’ e ‘2 Filhos de Francisco’, diz Saturnino.
Isso indica, na opinião do distribuidor, que ‘o consumidor de baixa renda que comprou o DVD pirata não foi ver o filme de novo no cinema, como pode ter ocorrido com parte do público da classe média’.
Padilha se incomoda especialmente com o fato de que seu filme, orçado em R$ 10,5 milhões, tenha vazado para a pirataria antes de estar concluído. ‘A pirataria foi muito ruim, porque expôs a uma quantidade enorme de gente meu trabalho inacabado’, diz ele.
Sem meios para mensurar com rigor o impacto da pirataria em ‘Tropa de Elite’, Peregrino diz que ‘nunca saberemos o tamanho do dano’, mas afirma lamentar sobretudo ‘que essa questão esteja sendo encarada com a mesma leniência com que se encara muito mais coisa no Brasil’.
Debate
Já o diretor-executivo da Associação Antipirataria Cinema e Música, Antonio Borges Filho, vê como positivo o debate em torno do tema suscitado pelo filme. ‘Todo debate traz frutos, senão a curto prazo, pelo menos a médio prazo’, diz.
O cineasta Fernando Meirelles depreende do alcance popular de ‘Tropa de Elite’ outro bom sinal: ‘Há uma tendência a achar que o cinema brasileiro teve um espasmo de aceitação de público há uns anos [em 2003, 21% do total de público no país foi para filmes nacionais], mas que seu lugar seria voltar a ocupar uns 10% do mercado. Esse filme provou que não é assim’.
O diretor de ‘Cidade de Deus’ avalia ‘Tropa de Elite’ como o maior fenômeno recente ‘em termos de comunicação e diálogo com o país’. Meirelles diz que, ‘nem a Globo, com sua média de 35% de audiência diária conseguiu, em toda a sua história, tal participação na vida nacional’.’
Congresso Nacional será tema dos próximos filmes de Padilha e Meirelles
‘Os cineastas José Padilha (‘Tropa de Elite’) e Fernando Meirelles (‘Cidade de Deus’) têm um tema coincidente em seus próximos filmes -o Congresso Nacional.
Padilha quer rodar a ficção ‘O Corruptólogo’, com roteiro de Luiz Eduardo Soares (co-autor do livro ‘Elite da Tropa’), para expor o funcionamento das casas legislativas.
‘Estou começando meu longo e árduo caminho de pesquisa. Vou filmar quando o roteiro ficar bom. Assim como em ‘Tropa de Elite’, vai ter que ter ‘inside information’, afirma.
Meirelles pretende, ‘sem a tônica de denúncia’, fazer um documentário ‘que explique o que é, para que serve e como funciona este poder tão mal compreendido por nós, os representados’.
Antes desses projetos, porém, Padilha e Meirelles devem concluir outros projetos. O diretor de ‘Tropa de Elite’ volta à função de produtor em ‘Posto 9’, que seu sócio Marcos Prado (‘Estamira’) dirigirá. Com as drogas sintéticas como tema, o filme ‘será muito oportuno’, na opinião de Padilha. Meirelles está finalizando, para lançar no ano que vem, a co-produção internacional ‘Cegueira’, baseada em ‘Ensaio sobre a Cegueira’, de José Saramago.
O diretor tem também a intenção de filmar ‘Trabalhos de Amor Perdidos’, uma adaptação para a era atual da obra de Shakespeare, pelo diretor e roteirista Jorge Furtado.
É possível que Padilha e Meirelles (ou suas respectivas produtoras, Zazen e O2 Filmes) trabalhem juntos na série de TV derivada de ‘Tropa de Elite’ -um projeto em discussão.
Padilha procurou ouvir de Meirelles como tem sido a experiência de produzir para a TV Globo séries como ‘Cidade dos Homens’ e ‘Antônia’. ‘Contei que nós da O2 não temos sequer uma reclamação em relação a cerceamento ou falta de liberdade’, diz Meirelles.
O objetivo de Padilha é ‘reunir uma galera de cinema, com o [roteirista de ‘Cidade de Deus’ e ‘Tropa de Elite’] Bráulio [Mantovani] coordenando a redação, e fazer um produto diferente -independente da TV’. Meirelles não descarta fazer parte da ‘galera’. ‘Claro que se ele [Padilha] quiser pensar numa parceria, estaremos abertos’, afirma o cineasta.’
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