Nas duas últimas semanas, o OI discutiu a repercussão e o tratamento dado pela mídia ao padre Júlio Lanzelotti, chamado por um articulista de apedrejamento. Preocupados com a destruição de reputação que pode ocorrer nestes casos, muitos defenderam a lei do silêncio que a mídia deveria ter para não comprometer a imagem que o mesmo tinha dentro da comunidade no seu prestimoso trabalho assistencial no cuidado de menores de rua realizado há muitos anos. Realmente, esta é uma preocupação que deve ser constante com o trato de reputações e até se pode questionar se a mídia deve informar estes fatos antes de transitados e julgados. Afinal, poderia se pensar: o que têm os leitores e cidadãos que saber sobre este tipo de informação que envolve a vida privada das pessoas?
Ocorre que estas são pessoas públicas e que mexem com os valores públicos das pessoas por suas livres e espontâneas vontades. São personalidades que se colocam na mídia com insistências próprias vendendo uma imagem, uma ética – e mais ainda nestes três casos –, como emissários de alegado Deus pregando a salvação das pessoas emocionalmente, moralmente e espiritualmente. E uns até prometendo sucesso financeiro já nesta vida aos que aderirem ao pagamento do dízimo. Nos prometem, recitando o salmo de Davi, que ‘o Senhor é o meu pastor, nada me faltará’. E, no caso do bispo Edir Macedo e seu apostolado, como forma de enriquecer nesta vida com ajuda do Senhor. Caso na qual o mesmo se mostra como um bem-sucedido empresário nascido do nada, e neste mister, pelo menos, se nenhuma alma conseguir entrar no céu, ele realizou a sua profecia. Assim, me parece impróprio que se proceda à ocultação do que ocorre com essas pessoas que servem de exemplo e se propõem a ser referência aos outros para serem seguidos cegamente e imitados. São pessoas que não se colocam no mundo como simples mortais que lutam contra as vicissitudes apenas com a cara e a coragem, mas se colocam como pastores de almas e de conselheiros espirituais aos sofredores, doentes e pecadores, conforme suas escalas próprias de moral, prometendo a solução e o consolo destes problemas todos pelo meio do Deus Fiel.
‘Por que o triunfo do mal?’
Assim, não cabe ao jornalista ocultar este tipo de vicissitudes que pessoas que contam mais do que nós, que podemos apenas contar apenas com a força de nós mesmo, pois alegam ter a Mão de Deus para apará-los. E nos prometem que se seguirmos os seus conselhos seremos abençoados pelo Deus fiel: ‘Pois, ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque Tu estás comigo, a Tua vara e o Teu báculo, eles me consolaram.’ Portanto, para as pessoas que ouvem as suas pregações públicas e privadas, possuem o direito de saberem como é que elas se comportam e quanto de verdade o que dizem e prometem que acontece, ocorre com quem está a serviço Dele.
Afinal, estas promessas são para coisas como doenças graves, crises de vida inevitáveis, desafios de catástrofes da natureza portentosos. Mas o que vimos com o nosso simpático e sempre presente na mídia como voz de reconciliação, consolo e enfrentamento, mesmo no período militar, o rabino Henry Isaac Sobel, 63, presidente do rabinato da Congregação Israelita Paulista, foi que o mesmo não precisou nem passar pelo vale da morte, mas sucumbiu no vale das gravatas de grife. Deus lhe retirou a mão em tão pouca coisa. Não serviram os anos e anos de abrir a Mezuza, tirar a Shemá e fazer a leitura em voz alta recitando a Amidá, lendo o Torá e mantendo o cumprimento das Mitzvoth Torá a serviço do mesmo. O que era de se esperar do Senhor que deixou o templo sagrado de Jerusalém, chamado por Cristo de a casa de meu Pai, quando a protegia dos vendilhões, ser destruído duas vezes, sumindo a Arca da Aliança da posse do povo escolhido por Ele, e só não foi mais vezes abaixo, pois desistiram nos últimos dois mil anos de tentar reerguê-lo. O papa Bento 16 indagou, na sua visita no antigo campo de concentração de Auschwitz. ‘Onde estava Deus naqueles dias? Por que ficou em silêncio? Como pôde permitir esse massacre sem fim, esse triunfo do mal?’
Motivos incompreensíveis
Mas o nosso rabino, a quem tanto aprendemos a admirar a fala abalizada, refere que foi a medicação que tomava que o fez desonrar a Deus se apropriando das gravatas de grife. Pode ser – apesar de não ser um para-efeito comum as pessoas passarem ao comportamento de cleptomania ao tomar psicotrópicos – que nele este efeito seja a causa de ter falhado ante os olhos Dele. Não estou aqui neste raciocínio para julgá-lo. Mas, mesmo assim, ainda mostra que a vida dedicada ao Deus Fiel não previne nem doenças emocionais, da qual o mesmo fora obrigado a se tratar apesar de toda ‘presença, vara e o báculo Dele’. Nem o poupou de tal efeito indesejável da medicação que precisara usar. Parece claríssimo que estas promessas que o mesmo fazia não passavam de falsas alegações e que as pessoas de boa vontade devem saber para poderem se posicionar em suas atitudes na vida. Não para julgar a pessoa, mas abalizar as promessas que não se realizam. Se ele não afasta nem uma gravata, esperar que ele afaste uma doença é esperar pelo inexistente.
O padre Júlio Lancellotti, diretor da Casa Vida, cuja vida foi dedicada à obra de Deus na assistência aos menores, pertence à Igreja Católica Apostólica Romana, que promete as mesmas proteções e uma vida segura seguindo os ensinamentos de Cristo, judeu que rompeu com a tradição do Deus judaico, negando seus ensinamentos, alegando que aqueles que O seguiam estavam errados! As ‘gravatas’ que o mesmo teve de usar ao tropeçar são de valores extraordinariamente maiores daquelas apropriadas indevidamente pelo nosso rabino. Mas os motivos que o mesmo alega de ter usado os valores são muito piores e mais incompreensíveis depois de oito anos. Alega que tentava uma nova forma de tratar chantagistas ou drogados: dar o que pedem sem parar para que se recuperem.
A destruição da verdade
Não é o caso em si que interessa, mas a constatação, mais uma vez, de que a Mão de Deus foi negada para quem praticava o bem pela vida dedicada ao celibato exigido pelo Senhor como sacrifício para uma vida amparada e repleta de alegrias na senda do bem. Mais uma vez, os defensores do silêncio da mídia lembram o caso da Escola de Base em que leitores, tomados de histeria, destruíram a propriedade e a vida de pessoas por linchamento moral precipitado. Mas o caso da escola não envolvia promessas sobrenaturais de proteção junto com a atividade educativa.
No documentário ‘Crimes sexuais e o Vaticano’, exibido pela rede de TV britânica BBC News, o programa culpa o papa Bento 16, quando cardeal, pela lei do silêncio e a política de calar em vez de denunciar e condenar os seus iguais pela prática de pedofilia. Não existe nenhuma organização humana que concentre tantos pedófilos, nem que os proteja com tanta insistência. O que causa espécie por ocorrer numa instituição que alega a transformação moral das pessoas. Realmente é algo que mostra uma incoerência doutrinária, mas ao mesmo tempo, por ser o catolicismo uma organização de homens, é natural que ajam por seus interesses mesquinhos, e não pelo poder que alegam possuir e que realmente não apresentam. O cardeal Joseph Ratzinger acobertou casos de pedofilia. Antes de ser escolhido, ele era o encarregado da Congregação para a Doutrina da Fé (Congregatio pro Doctrina Fidei), originalmente chamada Sagrada Congregação da Romana e Universal Inquisição, fundada por Paulo III, em 1542, e que mandou milhares para a tortura e para a fogueira, entre eles, os judeus. Interesses de Estado falam mais alto do que a religião para ele. É esperado que instituições e poderes terrenos que se sustentam apenas na credulidade dos devotos pouco questionadores, que ajam criminosamente em nome de algo que pensem ser mais importante, salvar o seu Deus da destruição da verdade.
Falsas alegações
A socióloga da religião Regina Soares Jurkewicz, católica, foi demitida sumariamente do Instituto de Teologia da Diocese de Santo André, onde foi professora por oito anos. Mas do tipo que provoca calafrios na ala conservadora. Ela passou os últimos dois anos e meio dedicando-se a investigar as estratégias usadas pela cúpula da Igreja para silenciar vítimas, proteger agressores e encobrir crimes sexuais cometidos por sacerdotes. A pesquisa, financiada pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), é parte de sua tese de doutorado em Ciências da Religião desenvolvida na PUC de São Paulo. Ao se debruçar sobre 21 casos denunciados pela imprensa e esmiuçar dois deles em profundidade, Regina concluiu que a Igreja Católica no Brasil se coloca acima das leis do Estado ao tentar – e, em geral, conseguir – manter os casos de violência sexual dentro de suas sólidas paredes. Afinal, se realmente Deus é fiel, deveria proteger a sua Igreja dos traidores do que concordar em acobertar criminosos pedófilos dentro de suas casas, usando o Seu nome em vão.
Mas novamente os defensores de que a mídia mantenha estas coisas escondidas até que se ‘prove com prova provada’ alegam que não é porque existem casos de pedofilia e homossexualidade nos cinco continentes dentro da casa de Deus em que a Igreja Católica atua que se deve colocar em dúvida o padre Júlio. Se por um lado é correto tal raciocínio, não podemos cometer o mesmo erro de esconder os fatos como faz a Igreja e contar com a pressão nas vítimas para que o tempo provoque o esquecimento injusto. Mas não podemos deixar de mencionar o mesmo comportamento falso em proteção e garantias de felicidade ao se que abraçarem as Obras de Deus. A não ser que se procure colocar a cabeça dentro de um buraco para ignorar a realidade, as tragédias e a vulnerabilidade igual na saúde e na doença destes auto-alegados servos de Deus na terra. Não há doença de que não possam padecer ou desastres de que estão imunes como qualquer pessoa e animal. Apenas sobrevivem as suas falsas alegações.
Atitudes e exemplos
E os bispos? Bem, estes estão bem financeiramente nesta terra. Parece que estão contando com a Mão de Deus para o seu sucesso nas suas contas bancárias e a sua vida nababesca nesta terra de sofrimento. Mostram como é fácil criar igrejas e coletar em troca de promessas falsas. Mas Cristo prometera que era mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha do que um rico entrar no céu. Parece que o apego extremado deste tipo de religião aos bens materiais que acumulam de pessoas ingênuas através do dízimo (dez por cento para irem para o céu, que barbaridade, mais do que a previdência cobra para fornecer aposentadoria de fato) não convencem como reais emissários do sobrenatural, pois se dedicam demais às coisas pessoais. Um bom exemplo de que pagando mais caro nem sempre se obtém um produto de melhor qualidade.
Esta é a função da imprensa e da mídia no seu papel fundamental para democratizar a informação e permitir que as pessoas julguem por si, não os pecadores, não os criminosos, mas as suas atitudes e os exemplos que devem se basear a decidirem se devem ser seguidos e as alegações que fazem, se fazem realmente correspondência com os fatos e a realidade.
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Médico, Porto Alegre, RS