A relação entre os jornalistas de redação e os jornalistas de comunicação empresarial é um debate recorrente. Entre as inesgotáveis questões, a mais complexa, talvez, procure levar para cima de um balcão os limites éticos das transações entre estes profissionais.
Em condições normais de temperatura e pressão, onde se lê ‘transações’, leia-se ‘relações’. Se existisse mesmo o tal balcão (imaginário) entre uns e outros, como uma linha que separasse os interesses do jornalismo clássico (‘aquele que tem o compromisso com o leitor’) daquele feito no contexto das relações públicas empresariais (‘que tem o compromisso com os objetivos de uma empresa’), o que passa por ele, sendo ético, seria informação. E, se é boa e tem qualidade jornalística, pode e deve ser aproveitada e virar notícia.
No entanto, no mundo real, não é de se espantar que, não raro, junto com a informação nem sempre de boa qualidade passe o chamado jabá: um presentinho, um convite, uma viagem, um dinheiro, uma informação privilegiada e outros possíveis objetos de sedução.
Legal, legítimo, transparente
Desde os anos 1980, os manuais de redação, entre eles pioneiramente o da Folha de S.Paulo, procuram explicitamente balizar o comportamento – além do texto de quem escreve nas redações tradicionais. É por isso que veículos sérios informam quando despesas de viagens de seus jornalistas em serviço são pagas por empresas, interessadas em transformar as informações oferecidas durante a visita em notícia. Da mesma forma, para dar transparência aos seus atos, as empresas criaram sistemas de governança corporativa – um conjunto de rituais destinados a dar acesso claro aos dados e operações empresariais para seus públicos interessados.
Veículos de comunicação importantes reforçam suas governanças; afinal, a credibilidade de uma notícia é extensão da empresa jornalística assentada em governança corporativa forte, que assegura a transparência de gestão e impede que uma eventual crise administrativa a transforme em terreno viável para um jornalismo não comprometido com o leitor e com a sociedade.
Além dos manuais e ouvidores, um dos melhores antídotos contra as ações que corrompem o jornalismo é a publicidade. Ela fortalece a independência dos veículos de comunicação. Jornais, revistas, emissoras e sites sem anúncios são presas fáceis para o vale-tudo em nome do sobreviver. Os comunicadores empresariais comprometidos com a democracia devem valorizar a publicidade, que, além do objetivo mercadológico, carreia recursos legais e legítimos para que empresas de notícias possam difundir, com isenção, independência e competência a boa informação que, bem apurada, virou notícia.
No relacionamento entre fontes e jornalistas, onde ocorre a troca de informações, só vale o que é legal, legítimo, transparente, a partir do estabelecimento do respeito recíproco, da empatia e da confiança entre jornalistas que não têm um balcão a separá-los.
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Jornalista, professor da ECA-USP e diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)