UMA BREVE HISTÓRIA…
O manual definitivo, 16/12/05
‘Este verão promete. Saiu às vésperas da temporada ‘Uma breve história de quase tudo’, de Bill Bryson. Vem com dois anos de atraso, fama de best-seller internacional, atestado de ‘clássico moderno’ pelo ‘New York Times’ e selo do Aventis, o maior prêmio europeu de literatura científica, pela primeira vez entregue a um autor americano que ficou famoso escrevendo livros de viagem.
É grande. Tem mais ou menos 543 páginas de largura por mais ou menos 13 bilhões de anos de profundidade. Fala de quasares, prótons, quanta, gravitons, isótopos, mitocôndria, genoma, explosão cambriana, placas tectônicas e outros personagens que provavelmente lhe inspiraram, ainda no colégio, a precoce decisão de passar a vida o mais longe possível de uma carreira científica. Ou seja, lido com calma, dá para um mês inteiro de praia.
Ele tenta enfiar na cabeça de qualquer pessoa, a começar pelo autor, o mínimo que se precisa para não ser analfabeto em cosmologia, astronomia, geologia, química, física, microbiologia e outros assuntos que você sempre quis saber se não iriam cair na prova. Devassa os segredos mais íntimos, do Big Bang à última descoberta de laboratório que não deu para entender no jornal, como se não passassem de um fim de semana de Adriane Galisteu na ilha de ‘Caras’.
Em outras palavras, é uma grande reportagem. Provavelmente, a maior que já saiu em letra de forma. Obra de um jornalista que, depois fazer livros que viraram de cabeça para baixo os guias de viagem e os manuais de redação, constatou da janela do avião, olhando lá embaixo o oceano brilhar sob a rota de um vôo intercontinental, que tinha chegado à meia idade sem saber sequer por que a água do mar é salgada. Aliás, ele admite que ‘não sabia o que era um próton ou uma proteína, não sabia distinguir um quark de um quasar, não sabia de que é feito um átomo e não podia imaginar de que maneira alguém deduzia uma coisa dessas’.
O estalo, lá pelo fim dos anos 90, pegou-o naquela altura da existência em que Lula estava pensando se iria se candidatar mais uma vez à presidência da República. Mas Bryson foi ambicioso. Já tinha, naquela altura, emplacado nas listas de mais vendidos os livros mais divertidos de duas décadas sobre a Inglaterra, o idioma inglês, a Austrália e a trilha das montanhas Apalache na costa leste dos Estados Unidos.
Vendendo bem em vários continentes e muitas línguas, ele estava literalmente com a vida ganha. E decidiu mergulhar fundo nesse caldo de ignorância primordial. Ia tirar a forra contra o livro didático em que aprendeu, ainda no ginásio, que a curiosidade cientítica não tem lugar em aula de ciência. O exemplar, achado na biblioteca do colégio, tinha na capa o diagrama. ‘Como se tivessem cortado a terra com uma faca’, ele lembra, via-se no miolo ‘uma esfera incandescente de ferro e níquel, tão quente como a superfície do sol’.
Espantado com a imagem, levou o livro para casa e se atracou com ele depois do jantar, achando que ele lhe explicaria tudo. Ou seja, como um sol tinha ido parar no centro da terra. E pior, como as pessoas sabiam disso. Mas, ‘estranhamente’, o autor não tratava de nada que que não fossem ‘falhas axiais e coisas do gênero’. Teve que deixar as respostas para mais tarde, quando tirou três anos para ler muito – aliás, ‘devotadamente’ – e procurar um a um os donos das respostas que iria perseguir para ‘um monte de perguntas marcantemente cretinas’.
Tratava-se de ver se era possível compreender ‘as maravilhas e as conquistas da ciência num nível que não fosse muito técnico ou rigoroso, mas também não fosse inteiramente superficial’. Mas Bryson conseguiu mais do que isso. Pôs num livro só, que é leve apesar de extenso, tudo o que encontrou espalhado pelo mundo afora em bibliotecas, monografias e tratados impenetráveis. E amarrou o resultado num texto que, segundo o suplemento literário do ‘Times’, melhoraria todas as escolas se fosse a principal leitura obrigatória para qualquer aluno de ciência.
Parece exagero, mas é um exemplo anacrônico de fleuma inglesa. Pelo método, ‘Uma breve história de quase tudo’ tinha mesmo é que entrar com urgência no currículo de todas as escolas de comunicação. Nelas, sim, faria um Big Bang. Para todo candidato a jornalista sair do curso sabendo como se apura e se conta uma história. Qualquer história. E como se torna simples o que parecia infinitamente complicado. E divertido o que era chato. Principalmente, para ensinar que nesse ofício ninguém chega mais longe nem mais alto do que o repórter. E repórter, no fundo, é quem nunca deixa de estar pronto para enfrentar sem medo, de lápis e papel na mão, a própria ignorância, por maior que ela seja.’
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