Mal deu para disfarçar, mas a imprensa torceu quase explicitamente para que o anúncio da descoberta das grandes jazidas de petróleo na bacia de Santos fosse apenas um factóide do governo para distrair a opinião pública do risco de crise no abastecimento de gás combustível. Desde o anúncio oficial, na semana passada, os jornais vinham testando todas a hipóteses, até que, afinal, junto com as revistas de informação, no final de semana, chegaram à conclusão de que o Brasil está mesmo na iminência de se qualificar para ingressar no fechado clube dos exportadores de petróleo.
O fato de a descoberta ter acontecido no início do segundo mandato do presidente Lula da Silva, que sem tanto óleo já vinha navegando em ondas de altíssima popularidade, é apenas um dos aspectos a ser observado na aparente esquizofrenia que afetou a mídia nos últimos dias. Mas é bom exercício imaginar como teria sido o noticiário dez anos atrás. Melhor prática ainda é escarafunchar notícias antigas. Bingo! Todas as notícias anteriores sobre o assunto que se pode prospectar pela internet e em revistas velhas no curto período de duas horas revela que a imprensa sempre recebeu e distribuiu os informes da Petrobras sem questionar os dados apresentados, por mais otimistas que fossem.
Festival de condicionantes
No caso das reservas gigantes descobertas na semana passada – que a Folha de S.Paulo, para não abandonar seu jargão, chamou de megajazida – o que houve foi um festival de condicionantes. O Globo foi o mais reticente entre os grandes jornais. Até o final da semana, o jornal carioca ainda mantinha seu noticiário sob um tom de ceticismo. No domingo, ainda preferiu manter o otimismo isolado nas declarações do presidente da República e destacar as perspectivas de crise no abastecimento de gás.
O Estado de S.Paulo escolheu como manchete a previsão de que o Brasil deverá enfrentar ainda mais quatro anos de escassez de gás, principalmente em função do crescimento da demanda. Nenhuma referência ao fato de que a demanda cresce por conta do crescimento da economia e nenhuma citação ao fato de que o prazo previsto de crise coincide com as expectativas de ampliação da oferta de combustíveis de origem vegetal, como etanol e biodiesel. Como nos encontramos numa encruzilhada tecnológica em que novas alternativas se oferecem para a flexibilização da matriz energética, não apenas no Brasil como nos Estados Unidos e em outros países, as afirmações catastrofistas sobre a gravidade de uma crise de abastecimento de gás deveriam ser analisadas nesse novo contexto.
A Folha de S.Paulo entrevistou um especialista para afirmar que a exploração do ‘megapoço’ na Bacia de Santos vai custar muito caro, em função da profundidade da jazida, que exigirá a operação de plataformas de extração e bombeamento mais sofisticadas. Depois de ler todos os detalhes técnicos que esvaziam o entusiasmo do brasileiro com a descoberta de sua nova riqueza natural, o leitor é informado de que o entrevistado explica que, ‘para companhias dominadoras de tecnologia, como a Petrobras, é possível fazer qualquer coisa, só é preciso saber como. A empresa já sabia de tudo isso e foi avaliando todas as variáveis’, declarou o especialista. E o leitor, voltando atrás nas linhas que acaba de percorrer, se pergunta: se a Petrobras sabia das dificuldades, se a empresa tem condições de superar essas dificuldades técnicas, qual é o sentido dessa reportagem que acabei de ler?
Dificuldade com as boas notícias
Uma outra pergunta que o leitor pode fazer é: por que a imprensa brasileira não consegue simplesmente dar uma boa notícia, aceitar que o Brasil pode, sim, encontrar uma via para o desenvolvimento sem se amarrar ao círculo de influência dos Estados Unidos ou da Europa?
Obviamente, é da natureza e faz parte das obrigações da imprensa analisar tudo que brota das fontes oficiais de informação, e o senso crítico exige a permanente desconfiança de tudo que possa cheirar a propaganda governamental ou partidária.
A revista Época se serviu do mesmo pesquisador citado pela Folha. Deu um tom mais equilibrado à reportagem sobre o assunto, mas não escondeu os fatos, ao anunciar, no índice, que ‘Agora, sim, o petróleo é nosso’, e ao escolher o título ‘De comprador a vendedor’, assumindo a tese da Petrobras e do governo, de que a descoberta na Bacia de Santos pode transformar o Brasil em exportador de petróleo.
Veja deu um espaço mais modesto e não passou recibo para a Petrobras. Prendeu-se à operação de comunicação da descoberta, destacando-a como trunfo político do governo e oportunidade para lançar luzes sobre a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef. Mas não omitiu que há sinais para otimismo. O título da reportagem exprime o constrangimento da revista que faz oposição visceral ao atual governo: ‘É só teste… mas dá para comemorar’.
É conhecido o fato de que a imprensa resiste a celebrações, característica reconhecida em seminários públicos dos quais participaram recentemente editores das principais empresas de comunicação do País. Imagina-se, mesmo, que um jornal cheio de boas notícias em pouco tempo iria fazer o leitor perder o interesse. Mas não dá para esconder a desconfiança de que, no fundo, a mídia prefere ter do que reclamar do que aceitar que o Brasil pode, em algum ponto no futuro, se tornar um país habitável.
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Jornalista