Foi só um probleminha no Rio de Janeiro, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na quarta-feira (7/11), e todos os meios de comunicação reproduziram com fidelidade suas palavras. Só um probleminha? Investimentos de R$ 100 milhões serão suspensos no maior centro produtor de revestimento cerâmico do Brasil, no próximo ano, se não houver garantia de fornecimento de gás. A produção do revestimento tem crescido em ritmo anual de 10%, há vários anos, puxada pela exportação e pela expansão do setor imobiliário. No Pólo Cerâmico de Santa Gertrudes, no interior paulista, seria preciso aumentar o consumo de gás para 403 milhões de metros cúbicos em 2008, 40 milhões a mais do que este ano, para atender a demanda. Mas por enquanto os planos estão congelados, segundo anunciaram os empresários do setor.
A história, publicada no domingo (11/11) pelo Estado de S. Paulo, detalha e aprofunda informações editadas na semana anterior, quando eclodiu o ‘probleminha’. As indústrias de cerâmica, segundo a reportagem, foram estimuladas pelo governo federal, na década passada a converter seus fornos de GLP (gás liquefeito, usado na cozinha) para gás natural. Mas isso não é tudo.
Em 2003, lembrou o Estadão também no domingo, a Petrobras elaborou um Plano de Massificação do Gás Natural como parte de seu plano estratégico. O diretor financeiro, José Sérgio Gabrielli, hoje presidente da empresa, anunciou a intenção de promover o uso do gás em áreas ainda não atendidas ou onde não se tivesse aproveitado plenamente o potencial de consumo.
Logo depois do surgimento do probleminha, o presidente da Petrobras e o ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, haviam dito o contrário, negando responsabilidade do governo pelo estímulo ao consumo.
Avaliação completa do ‘probleminha’
O leitor foi bem servido. A imprensa relatou a informação oficial e foi atrás do outro lado da história, reconstituindo fatos ocorridos há anos e ao mesmo tempo jogando a bola para a frente, para permitir uma avaliação mais completa do tamanho do ‘probleminha’. Também no domingo o Globo publicou, sob o título geral ‘O nó da crise do gás’, um bom material sobre como ficará a matriz energética nos próximos anos.
Até 2010, segundo a reportagem, o país continuará a depender do gás para o funcionamento das termelétricas. Se não houver chuva suficiente, o risco de escassez de energia será considerável. A indústria, como noticiaram o Globo e o Estado, já avaliou o problema e está procurando soluções próprias.
O anúncio de uma enorme reserva na Bacia de Santos, na quinta-feira passada (8/11), foi noticiada com o necessário destaque e a maior parte dos grandes jornais dedicou mais de uma página ao assunto. Toda a imprensa registrou as palavras da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, escalada pelo presidente da República para transmitir a grande novidade. Os jornais não deixaram, no entanto, de especular sobre o sentido político-eleitoral da escalação da ministra, nem perderam a perspectiva temporal.
Tudo muito bem, tudo muito bom: o País será um dos grandes produtores de petróleo e de gás, quando começar a exploração da reserva recém-estimada, mas isso não resolve os problemas imediatos nem elimina o risco de apagão nos próximos quatro anos. Está ficando mais difícil, para as autoridades, comandar a atenção dos jornais. Lucro para o leitor e para o cidadão.
Leilão energético e interesse nacional
De modo geral, os jornais jogaram bem com as diferentes visões da política energética. Ao informar a estimativa da reserva do novo campo, as autoridades anunciaram também a exclusão de 41 blocos do próximo leilão. A ministra Dilma Rousseff justificou a decisão mencionando a defesa do interesse nacional e da soberania. Essa explicação obviamente não explica nada. Seria preciso dizer por que o leilão daquelas áreas deixaria de atender ao interesse nacional.
Os jornais deram espaço para o setor privado espinafrar o governo, acusando-o de mudar regras no meio do jogo. As autoridades tiveram de voltar ao assunto, no dia seguinte, com uma resposta mais clara: com os novos dados obtidos pela Petrobras, parte do risco inerente à pesquisa desapareceu. A explicação tem sentido, mas não eliminou a discussão. De modo geral, os jornais conseguiram apresentar as alegações dos dois lados com razoável equilíbrio e nesse quesito merece destaque o material publicado no sábado pela Folha de S. Paulo.
Nesta cobertura, os grandes jornais conseguiram, pelo menos até domingo, ser cri-cris na medida certa, reproduzindo com atenção as declarações oficiais e oferecendo, ao mesmo tempo, um bom volume de informações e de opiniões, muitas vezes críticas, de fontes não governamentais. Foi um bom exemplo de cobertura extensa, mas inteiramente justificada. Nem sempre os pauteiros e editores têm um senso de medida tão eficiente.
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Jornalista