Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Barão da imprensa preocupa redações

‘Desejo possuir um jornal ou uma revista semanal para expressar minha opinião e talvez responder a alguns jornalistas que escreveram a meu respeito coisas não muito agradáveis.’ (Entrevista de Serge Dassault ao canal LCI, 1997).

‘A imprensa é uma maneira interessante de divulgar um certo número de idéias saudáveis e de orientações para permitir a melhor gestão da economia.’ (Entrevista de Serge Dassault a Entreprendre, em dezembro de 2003).

Na França, os jornalistas teimam em querer controlar de fato os jornais em que trabalham. Eles acham que são, em última análise, os donos dos jornais. E, por causa dessa crença, eles se preocupam com o futuro – que pode trazer amargas desilusões ou a vitória numa queda-de-braço que se inicia. Esses jornalistas, determinados a brigar pela independência de opinar e fazer o órgão de imprensa livre que sempre fizeram, são os que têm um novo patrão: o ‘cidadão Kane’ francês, Serge Dassault.

Ele é dono da Dassault Aviations – fabricante, entre outros tipos de armas, dos caças-bombardeiros Mirage – e tem uma importante participação na Boeing. Com a autorização da compra por Dassault da Socpresse, dada no fim de junho pela Comissão Européia – que controla a formação de monopólios –, ele passa a controlar 70 jornais e revistas, tornando-se proprietário do maior grupo de imprensa francês.

O fenômeno de concentração da imprensa na França não é novo, apenas aumenta. Preocupados, todos os jornais franceses abriram espaços para analisar a concentração de uma grande parte da imprensa nas mãos de Dassault que, como homem de negócios, já anunciou que pretende vender os títulos deficitários.

Com a venda do grupo Socpresse, fundado por Robert Hersant, a França vive uma situação única em que 3/4 da imprensa estão nas mãos de dois grupos fabricantes de armas: Dassault e Lagardère, este do grupo EADS e Airbus, que com o grupo Hachette Philipppachi Médias é o número 1 mundial das revistas (Elle e Paris-Match, entre outras). Isso inquieta os jornalistas de esquerda que em várias matérias criticaram mais uma ‘exceção francesa’.

História reescrita

Depois de uma reunião em assembléia-geral, na quinta-feira (1°/7), os jornalistas do Figaro, por meio da Société des Rédacteurs do diário, adotaram um texto de ‘independência’ lembrando que o jornal, comprado por Dassault, deve continuar fiel à sua tradição de abertura às diferentes correntes de pensamento e ‘não deve tornar-se submisso nem dependente de qualquer poder econômico ou partido político’. O texto propõe também que, em caso de conflito entre o acionário majoritário (Dassault) e os jornalistas, a sociedade dos redatores atue como mediadora.

É importante lembrar que Dassault é prefeito de uma pequena cidade, faz parte do partido do presidente Jacques Chirac (UMP) e é candidato a senador nas eleições de setembro próximo. Além de tudo, sempre assumiu claramente suas posições de grande capitalista. O Sindicato dos Jornalistas (ligado à Força Operária) se congratulou com a declaração de ‘independência’ dos jornalistas, mas lamentou que antes de ser divulgado o texto tenha sido mostrado a Yves de Chaisemartin, presidente e diretor político do jornal.

Os jornalistas do Figaro já haviam manifestado desagrado ao ouvirem uma entrevista de rádio de Serge Dassault na qual ele dizia: ‘O jornal tem algumas coisas que não me agradam. Gosto das coisas bem-feitas, fáceis de ler. Desejaria que na primeira página fossem listados os artigos e matérias do interior do jornal’. Alguns jornalistas disseram que gostariam de ouvi-lo pessoalmente durante uma assembléia-geral para que ele fizesse essas observações diante de todos. Por outro lado, o nome do fundador do Figaro, Robert Hersan, desapareceu do expediente desde o dia 23 de junho, o que também preocupa os jornalistas. Como se o novo dono quisesse apagar parte da história do jornal para reescrevê-la.

Apetite voraz

A Société des Journalistes (SDJ) do L’Express também se reuniu em assembléia-geral ainda que, sobre a revista, o novo patrão não tenha feito ainda comentário algum. No comunicado, a SDJ disse claramente que…

‘…julga inquietantes as declarações recentes de Serge Dassault confirmando sua intenção de orientar a linha editorial dos títulos dos quais comprou o controle. Tal intenção de influenciar no conteúdo dos jornais é incompatível com a tradição de independência e de liberdade do L‘Express e sobre esse ponto a SDJ não transigirá’.

Será que é possível a manutenção da independência dos jornalistas que trabalham nos diversos veículos que compõem a Socpresse? É o que se vai ver depois da assembléia-geral extraordinária desta quinta-feira, 8/7, prevista para transformar a estrutura da empresa – que se tornará uma sociedade anônima com um conselho de administração presidido por Serge Dassault.

Mas o apetite do novo cidadão Kane parece não ter fim. O jornal Le Monde noticiou no fim de semana passado que Dassault já está em contato com TF1, a maior audiência da televisão francesa, para uma futura associação.

À sombra do pai

No fim de junho, Serge Dassault, de 79 anos, recebeu o aval da Comissão Européia como o novo patrão da Socpresse, enorme grupo de imprensa que publica, entre dezenas de jornais regionais de grande tiragem, Le Figaro e L’Express. Ele tinha comprado 82% da empresa em março, mas a negociação dependia da aprovação de Bruxelas.

Tentando seduzir os herdeiros de Robert Hersant há alguns anos, finalmente Serge Dassault conseguiu realizar o negócio. Mas, com a crise do mercado publicitário, o valor do grupo caiu para 1,2 bilhão de euros – um terço do que valia em 2002. Um grande negócio para Dassault, o homem mais rico da França segundo a revista Le Nouvel Observateur. Sua fortuna é calculada em 10 bilhões de euros, atrás apenas da mulher mais rica do país, Liliane Bettencourt, dona da fábrica de cosméticos L’Oréal.

Esse personagem é um caso típico de filho que precisou da morte do pai para existir. Apagado pela sombra de Marcel Dassault, Serge, considerado uma pessoa sem interesse, renasceu em 1986 com a morte de Marcel. Ele multiplicou a fortuna da família por quatro e passou a ter uma existência própria aos 61 anos.

Segundo alguns perfis muitas vezes pérfidos publicados na imprensa francesa, o pai de Serge o desprezava e isolou-o durante muitos anos. Marcel preferia ver seu neto Olivier sucedê-lo. Por isso, o filho quis mostrar o quanto valia e, depois da morte do pai, fez crescer a fortuna da família.

Ao contrário de outros milionários da indústria francesa da lista dos dez mais ricos, nem Serge nem seu pai nunca pediram um tostão emprestado a banqueiros. E ao propor aos 13 herdeiros de Hersant a compra das diversas partes na Socpresse, tentava-os com dinheiro cash.

Quatro anos atrás, aos 75 anos, ele se afastou da suas empresas, recebendo um salário mínimo simbólico mas participando das decisões essenciais, para se dedicar a suas idéias fixas: a carreira política e suas ambições na imprensa. Atualmente, aos 79 anos, Serge Dassault tem um mandato de prefeito de Corbeil. Seu próximo objetivo político é um mandato de senador.

Ele sabe que seu futuro político pode ser facilitado com alguns jornais regionais sob seu controle, além do segundo maior jornal diário (Le Figaro) e uma grande revista semanal (L’Express).