O Líbano ficou de luto com a morte de Gibran Tueni, deputado e editor do An-Nahar, jornal de maior tiragem no país. Tueni foi assassinado em um ataque a bomba em Beirute, no domingo (11/12). No dia seguinte ao atentado, escolas e universidades não abriram e algumas lojas ficaram fechadas. Muitas estações de rádio tocaram música clássica ou canções nacionais e algumas emissoras de televisão fizeram diversas homenagens ao editor – quarta figura pública anti-síria assassinada este ano. Um grupo desconhecido assumiu a responsabilidade do atentado, que matou outras duas pessoas e feriu mais de 30. No entanto, amigos de Tueni e aliados políticos acusam a Síria.
‘Gibran Tueni não está morto. An-Nahar vai continuar’, dizia a manchete do jornal no dia seguinte à morte de seu editor. A primeira página trazia uma grande foto de Tueni falando para uma multidão em um protesto anti-sírio em março. O primeiro-ministro Fuad Saniora afirmou que irá pedir ajuda à ONU nas investigações do assassinato de Tueni. Ele foi morto horas antes de representantes das Nações Unidas entregarem o último relatório sobre o atentado a bomba que matou o primeiro-ministro Rafik Hariri em fevereiro. O relatório revelava que os investigadores tinham novas evidências para comprovar as suspeitas de que as agências de inteligência da Síria e do Líbano estavam envolvidas na morte de Hariri. Tueni foi uma das centenas de testemunhas que forneceram evidências à comissão de investigação da ONU.
Jornais rivais dedicaram páginas inteiras a Tueni, publicando, com destaque, grandes fotos dele e de seu carro destruído. ‘Jornalismo no Líbano sangra com An–Nahar: Gibran Tueni, um mártir!’, dizia a manchete do jornal As-Safir. O jornal de propriedade da família de Hariri, Al-Mustaqbal, mostrou que não tinha dúvidas de quem era a responsabilidade da morte de Tueni: ‘O regime de segurança da Síria assassina Gibran Tueni’.
A Síria nega qualquer envolvimento no atentado e refuta as conclusões da investigação da morte de Hariri. O assassinato do ex-primeiro-ministro provocou manifestações contra a Síria que, juntamente com a pressão internacional, forçaram o país a retirar suas tropas do Líbano no final de abril, dando fim à presença de 29 anos de dominação.
Exemplo de coragem
Mark Matthews, que foi correspondente do jornal americano The Baltimore Sun no Oriente Médio de 1999 a 2001, escreveu editorial [13/12/05] sobre a carreira de Tueni e afirmou que a grande surpresa foi ele ter sobrevivido tanto tempo. Já em 2000, quando poucos libaneses ousavam criticar o controle da Síria no país e eram raros os faziam uma campanha aberta contra a situação, Tueni publicou um editorial de primeira página no An-Nahar pedindo à Síria para pôr fim à dominação do país vizinho e para começar a retirar suas tropas. ‘Vocês devem se conscientizar que muitos libaneses não estão confortáveis com as polícias sírias no Líbano e com a presença de tropas sírias no país’, escreveu o editor.
A vida, o trabalho e a morte de Tueni trazem lições importantes sobre o jornalismo no Oriente Médio e especialmente no Líbano. Para Matthews, a primeira lição, e também a mais óbvia, é a extraordinária coragem dos jornalistas independentes no Oriente Médio, muitos deles trabalhando sob ameaças ou censura. Até o fechamento deste artigo, não se sabia quem era o responsável pela morte de Tueni, mas o modo como ele foi assassinado é comum no cenário político atual do Líbano.
Tueni já tinha sido atingido por tiros nos joelhos disparados por palestinos em 1976, seqüestrado no ano seguinte por uma facção dos falangistas cristãos e detido por 36 horas enquanto uma troca de prisioneiro era negociada. Em 2000, quando publicou seu editorial, ele certamente estava ciente do risco que corria, mas pareceu não se importar. Tueni dirigia sem seguranças e era muito fácil entrar em seu escritório em Beirute. Mais recentemente, ele tomou precauções extras e passou muito tempo em Paris. Seu nome apareceu em uma lista de pessoas ameaçadas de morte descoberta por Detlev Mehlis, promotor alemão que investigava o atentado a bomba contra Hariri.
A segunda lição, segundo Matthews, é o modelo de rede de alianças políticas e a pluralidade de etnias que o Líbano representa, o que oferece esperanças para as mais sangrentas rivalidades nacionais e políticas no Oriente Médio. Tueni se identificava com a direita cristã, mas seu pai era grego ortodoxo e sua mãe druso. Ele se via como um exemplo da longa tradição de pluralismo na mistura libanesa de cristãos, muçulmanos sunitas e xiitas, e drusos.
A lição final, continua Matthews, é a importância de ações individuais para garantir mudanças políticas. Sem Tueni e seu editorial em 2000, talvez as manifestações ocorridas depois da morte de Hariri poderiam não ter acontecido. Informações de Zeina Karam [Associated Press, 13/12/05].