Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Plínio Bortolotti

‘É muito comum o leitor encontrar as mesmas notícias em diferentes jornais. Isso acontece, pois os periódicos costumam cobrir os mesmos assuntos, principalmente quando se trata de questões institucionais: os governos, parlamentos, tribunais, polícia etc. As redações também monitoram os jornais concorrentes, rádios e TVs, para pescar assuntos importantes, evitando tomar furos. Isso faz com que os jornais tenham pautas bastante parecidas, principalmente em economia, política, assuntos relativos à cidade ou ainda nas notícias nacionais e internacionais, a maioria reproduzida de agências noticiosas. É verdade, muitas vezes, são os fatos a imporem a obrigatoriedade de reportá-los.

Mas, por qual razão, acontecimentos sem atualidade ou importância imediata, acabam ganhando espaço, concomitantemente, em mais de um jornal? O questionamento vem a propósito do e-mail recebido de um leitor perguntando se houve ‘plágio ou coincidência’ em O Povo publicar no caderno Viagem & Lazer (quinta-feira), uma reportagem muito parecida com a divulgada no suplemento de turismo do jornal Diário do Nordeste, na edição de 9/12. Na verdade, não foi nem uma coisa nem outra. As equipes de reportagem dos dois jornais viajaram juntas, a convite da Secretaria do Turismo do Estado – que tem interesse em divulgar a região norte do Ceará –, fizeram o mesmo roteiro e visitaram os mesmo locais, portanto, as reportagens teriam de ter semelhança.

A discussão se é ético os jornais aceitarem esse tipo de convite é antiga no jornalismo – e não há uma resposta unânime para o dilema. Eu acho que o melhor seria o próprio jornal pagar a despesa de seus repórteres. Essas viagens, normalmente, são acompanhadas por representantes do patrocinador. Nessa situação, é de se perguntar – sem pôr em causa a honorabilidade dos jornalistas – se as pessoas abordadas pela reportagem teriam o mesmo comportamento sem o monitoramento ou ainda se o repórter tem possibilidade de ir além daquilo que lhe é mostrado. Mas as viagens ‘a convite’ acabam por ser confortáveis para ambos os lados: o jornal tem menos dispêndio e o patrocinador tem a divulgação a um custo bem mais baixo – e com mais credibilidade – do que se pagasse um anúncio com a mesma extensão da reportagem.

O diretor de Redação Carlos Ely diz que essa prática ‘é comum a quase todos os jornais brasileiros, com raríssimas exceções’ e explica em quais condições o jornal aceita os convites: ‘O Povo realiza viagens a convite, mas deixa sempre muito claro aos promotores que o repórter vai com total liberdade para fazer uma avaliação crítica sobre o produto ou evento para o qual o jornal foi convidado. O procedimento está previsto no Guia de Redação e Estilo. Todas as vezes que uma equipe viaja a convite, o leitor é informado de forma clara, em procedimento na própria matéria. Entendemos que, com essas ressalvas, a independência e a credibilidade do jornal e dos repórteres não ficarão sob questionamento’.

Buchicho, Bochicho, Bochincho…

Na milésima edição do Buchicho (quinta-feira), sob o título ‘Eu estava lá’ (pág. 15) publicaram-se depoimentos de jornalistas que fazem ou fizeram parte da equipe do caderno. Um deles escreveu: ‘A transgressão começa pelo nome. Buchicho, palavra que, a rigor, nem existe, vem de bochincho…’. Acontece que, a rigor, a palavra existe sim. O dicionário Houaiss (eletrônico) registra: ‘Buchicho, substantivo masculino, regionalismo: Brasil. Uso: informal – m.q. (mesmo que) bochicho’. Para o Houaiss, ‘bochincho’ é um regionalismo do sul do Brasil.

O interessante é que o mais liberal Aurélio Século XXI, no qual se apoiou o jornalista para negar a existência da palavra, de fato, deixa de anotar ‘buchicho’, registrando ‘bochicho’, ‘bochinche’, ‘bochincho’ e ‘bachinche’ (formas também aceitas pelo Houaiss). Poder-se-ia então dizer que ‘há controvérsias’ quanto à existência da palavra, mas, duas coisas: 1) não é aconselhável discutir com o Houaiss; 2) a questão fica liquidada com uma consulta ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), registro oficial organizado pela Academia Brasileira de Letras (ABL). Qualquer dúvida quanto à existência de uma palavra do português falado no Brasil, basta consultá-lo; estando lá é oficial e legal. O Volp registra todas as formas grafadas acima, portanto, todas são corretas, incluindo, logicamente, ‘buchicho’, o nome do caderno do O Povo.

A propósito, o Houaiss dá como definição de bochicho e suas variantes: ‘Aglomeração ruidosa de pessoas, especialmente jovens, em áreas públicas, bares etc., como forma de lazer; agitação, agito, muvuca’. O Aurélio Século XXI registra: ‘Arrasta-pé, divertimento popular, rolo’.

Volp

Como está anotada no início de sua 4ª edição, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa registra 344.440 palavras usadas no ‘português culto contemporâneo do Brasil’. A tarefa de compor o vocabulário coube à Academia Brasileira de Letras, por meio de lei federal, portanto é um registro oficial e legal. Diferentemente dos dicionários, o Volp não define os vocábulos; o objetivo é ‘visualizar’ o ‘sistema ortográfico vigente’ e também ‘dar a classe gramatical dos vocábulos’. Portanto, não se achará sinônimos no Volp, mas verificar-se-á se há registro da palavra na língua portuguesa falada no Brasil e a forma correta de escrevê-la. A consulta pode ser feita no portal da ABL (www.academia.org.br).

O lutador

Peço desculpas aos leitores se, às vezes, pareço fugir do objetivo da coluna com explicações não solicitadas. Mas enroscar-se com as palavras é inevitável para quem, mesmo mui humildemente, lida com elas. Como rezava Carlos Drummond: ‘Lutar com as palavras é a luta mais vã./ Entanto lutamos mal rompe a manhã’. Obviamente, o melhor lutador tem razão: as palavras nunca se deixam apanhar completamente, por isso despertam tanto fascínio.

Prêmios

O Povo venceu em duas categorias o Prêmio Esso, o mais importante do jornalismo brasileiro: o nacional de Criação Gráfica – com o caderno sobre a morte do papa João Paulo II, de autoria de Andrea Araujo e Gil Dicelli – e de Reportagem (Nordeste), com a série sobre o roubo ao Banco Central, produzida pela equipe liderada por Cláudio Ribeiro, Demitri Túlio, Luiz Henrique Campos e Flávio Pinto.’