Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

De volta à República Velha

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro foi palco de um dos fatos mais lamentáveis dos últimos tempos na história do sindicalismo brasileiro, que a grande mídia simplesmente ignorou, e que provavelmente teria sido noticiado se ocorresse no cenário de outra categoria profissional.

Estamos falando da eleição direta para a renovação da diretoria da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), que acabou sendo anulada no Rio por graves irregularidades. Cinco das seis urnas continham mais votos do que constavam nos mapas eleitorais, o que indica que foram violadas. Resta saber se as irregularidades ocorreram por incompetência ou má fé da Comissão Eleitoral do Rio de Janeiro. Uma ou outra hipótese indica que há algo de putrefato na atual diretoria do sindicato carioca dos jornalistas, única responsável pela indicação dos integrantes da Comissão Eleitoral.

A história desta eleição no Rio, o segundo contingente nacional de eleitores, é de arrepiar os cabelos. A diretoria do sindicato, também responsável pela organização do processo eleitoral, nomeou três integrantes da Comissão Eleitoral, todos eles membros da direção sindical e simpatizantes da chapa apoiada pela atual diretoria da Fenaj. A chapa de oposição (Outra Fenaj é possível) foi alijada da indicação e os seus protestos, ignorados.

Urna no banheiro

É profundamente lamentável que os jornalistas que estão à frente da diretoria do Sindicato do Rio de Janeiro tenham se comportado não como representantes de uma categoria, mas como defensores de interesses político-eleitorais, ao estilo da pior classe de políticos profissionais, que muitas vezes são combatidos na mídia em nome da ética e dos bons costumes.

Os integrantes cariocas da chapa de oposição à diretoria que encerra seu mandato na Fenaj já solicitaram à Comissão Nacional Eleitoral ‘a abertura de sindicância para investigar com rigor os fatos que determinaram o resultado eleitoral no Rio’.

Para se tentar chegar a alguma conclusão sobre os motivos dos erros em 83% das urnas, ou seja, em cinco das seis urnas, e o que aconteceu na noite de apuração dos votos (quinta-feira, 8 de julho, e madrugada de 9 de julho), é necessário conhecer os fatos. Por exemplo, um dos mesários que acompanhavam a urna da TVE, seguindo a orientação da Comissão Eleitoral, não abandonou a urna (uma das cinco problemáticas) em um só instante, inclusive na hora de ir ao banheiro. Como estava presente apenas um fiscal, da chapa de oposição, por sinal, uma jovem jornalista, o mesário pôde ficar com a urna sozinho, o que agora dá margem a uma série de especulações.

Votos na churrasqueira

Na urna da TV Globo foram encontrados apenas 15 votos, embora a própria atual presidente da Fenaj, Beth Costa, tenha assegurado ter visto, pelo menos, 30 jornalistas votarem. E como explicar que o roteiro das urnas itinerantes, ou seja, as que percorriam algumas redações e locais de assessoria de imprensa, tenha sido alterado sem a concordância da chapa de oposição? Decisão nesse sentido foi tomada aleatoriamente, sem qualquer justificativa. Todas as urnas que foram fixas no primeiro dia viraram itinerantes, menos a do Sindicato. Não estava prevista a passagem de uma urna itinerante pela TV Globo no segundo dia da eleição. Isso foi decidido pela Comissão Eleitoral sem consulta ou concordância da chapa da oposição. O roteiro do segundo dia, portanto, foi alterado sem consulta de espécie alguma.

As dúvidas do ‘espetáculo eleitoral’ não param por aí. No terceiro e último dia da eleição, o responsável pelos mesários liberaria a urna que iria para a TV Globo com a listagem dos eleitores utilizada no segundo dia, e não no primeiro. É, sem dúvida, um forte indício de que, se a falha não fosse detectada a tempo, poderia facilitar a manipulação dos votos. No fim das contas saíram duas listagens para a urna da TV Globo, o que também não é totalmente correto, pois o certo seria apenas uma listagem.

Outro fato grave é o que aconteceu na mesa coletora de votos na sede do sindicato. Foi aceito o voto de pessoas que se sindicalizaram nos dias de eleição, quando o prazo para tal havia se encerrado na segunda-feira, dia 5, véspera do início do pleito. Cabe também a pergunta: qual o critério da diretoria do Sindicato ao estabelecer os valores que deveriam ser pagos por sócios inadimplentes? Alguns foram privilegiados com ‘abonos’.

Com a comprovação de que a maioria das urnas estava mesmo viciada, não restou outra alternativa se não a anulação da eleição. Sem uma discussão mais apurada, as cédulas foram rapidamente queimadas, o que foi feito, numa churrasqueira, com todo o ‘rigor técnico’ pelo representante da Comissão Eleitoral.

Sem fortaleza

Mesmo com a anulação, o Rio não pode ser retirado da contagem do quórum nacional, como querem alguns jornalistas vinculados à atual diretoria da Fenaj, pois, se isso porventura acontecer, os jornalistas que compareceram para votar seriam cassados duplamente.

Em meio a estes fatos lamentáveis, dignos de um processo eleitoral da República Velha dos primeiros 30 anos do século passado, vale assinalar também o reduzido comparecimento de jornalistas sindicalizados nas eleições da Fenaj. No Rio, de cerca de 5 mil sindicalizados apenas 780 estavam em condições de votar, mas somente 209 o fizeram.

Não se detalham aqui fatos comprometedores que aconteceram em outras regiões do país. Para ficarmos num deles, vale o registro de uma ocorrência em Brasília. O material de propaganda da chapa apoiada pela atual diretoria da Fenaj foi expedido com o carimbo da Câmara dos Deputados, o que indica também um fato grave: o dinheiro público – leia-se o cidadão contribuinte – financiou uma das chapas, o que é, sem dúvida, uma grave distorção, sujeita inclusive a impugnação da chapa beneficiada.

Em face dos fatos expostos, de fácil comprovação por meio de rigorosa investigação, se nada for feito imediatamente, inclusive a nível judicial, os mais prejudicados serão os próprios jornalistas, que ficarão com suas entidades representativas totalmente desmoralizadas e sem fortaleza para defender os interesses da categoria.

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Coordenador de Jornalismo no Rio de Janeiro do semanário Brasil de Fato