O deputado Clodovil Hernandes foi cruel com a deputada Cida Diogo quando a chamou de feia, como a imprensa noticiou na época [ver, neste OI, ‘Informação? O que interessa é a fofoca‘,18/5/2007 ]. Um incidente, aliás, que deu em nada, como a maioria das ofensas que deputados e senadores cometem – aos outros, ao dinheiro público, aos eleitores ou ao país. Mas, mais cruel que o deputado foi a própria imprensa ao dar ao episódio um destaque exagerado. Cruel porque divulgou em detalhes toda a baixaria a que a deputada foi submetida, sem dizer, em uma linha que fosse, que méritos levaram a deputada ao cargo. A imprensa preferiu ficar no folclore, na reação emocional, no apoio dos colegas, caracterizando a deputada como uma mulher despreparada para lidar com ofensas pessoais.
O pior é o que o incidente, que parecia esquecido, foi reavivado agora pelo Estado de S.Paulo (18/11/2007), que dedicou meia página ao assunto na matéria ‘Feia? Petista ofendida por Clodovil dá a volta por cima’. O olho da matéria explica: ‘Deputada Cida Diogo perde 10 quilos com dieta orientada por nutricionista’.
Numa foto em que aparece sorrindo, cabelo arrumado e maquilagem discreta, a deputada Cida conseguiu, ao perder dez quilos, muito mais espaço no jornal do que em todo seu mandato, tempo em que deve ter produzido, como seu colega, projetos e pareceres que não chegam ao conhecimento do eleitor. Para os eleitores-leitores, a deputada Cida e o deputado Clodovil serão sempre os envolvidos naquela baixaria que virou notícia.
Pouco destaque
Com a matéria, o jornal parece querer dizer aos leitores que, para a mulher, a aparência ainda é o que interessa. Muito mais do que qualquer trabalho que possa fazer:
‘Seis meses depois de ter sido chamada de feia pelo deputado Clodovil Hernandes (PTB-SP), a deputada Cida Diogo (PT-RJ) é uma nova mulher. Dez quilos mais magra, fruto de uma dieta rigorosa feita com um nutricionista da Câmara, Cida garante que a aparência mais esbelta nada tem a ver com o episódio que viveu, em maio, com o costureiro deputado: ‘Já estava fazendo dieta antes de ele me chamar de feia.’
Depois de discutir longamente o processo de dieta e os dramas pessoais da deputada na luta contra o peso, o jornal informa, discretamente:
‘Candidata à presidência do PT do Rio de Janeiro, ela se dedica à área de saúde da mulher. Na Câmara, em fevereiro, apresentou seis projetos de lei, entre eles um que institui o `Dia Nacional da Visibilidade Lésbica´. É presidente da Frente Parlamentar GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais) que reúne 225 parlamentares. Foi eleita para o cargo, em meados de maio, uma semana depois de ter vivido o imbróglio com Clodovil.’
E deu pouco destaque – por pouco não omitiu – à atuação de Cida como deputada. O mais curioso é que, na mesma edição de domingo, o Estadão dedica uma página inteira à candidatura de Hillary Clinton, nos Estados Unidos, sem mencionar, uma vez sequer, o aspecto físico da candidata.
Top models por serem bonitas
Na tentativa de mostrar ‘a nova mulher’ em que a deputada se transformou, o jornal acabou ofendendo outras leitoras, as que estão acima do peso. E pode ter sérios problemas se as ‘gordas’, ‘gordinhas’ e ‘obesas’ em geral resolverem protestar pelo fato de terem sido chamadas de feias. Porque, a julgar pela matéria, basta perder dez quilos para se transformar, imediatamente, numa mulher bonita.
Nesses tempos em que a anorexia é discutida até pelos criadores de moda, a imprensa deveria ter mais cuidado com suas matérias. Se uma deputada só merece destaque porque passou seis meses fazendo dieta e isso vira matéria de jornal, há algo errado: com a deputada ou com a imprensa. Se o jornal considera a dieta de uma deputada um assunto sério, deveria, ao menos, ter entrevistado o deputado Clovodil para saber se, ao chamar sua colega de feia, ele estava falando dos quilos a mais. E deveria ter questionado a própria deputada, quando ela disse que ‘já estava fazendo dieta antes dele me chamar de feia’.
Se a ofendida e o ofensor concordam que a palavra ‘feia’, que deu origem à briga, significava ‘gorda’, o jornal deveria ter explorado esse filão. Se não foi isso, e o jornal entendeu assim, passou recibo de que as leitoras têm toda a razão quando dizem que a mídia é culpada por divulgar padrões de beleza que só são atingidos por uma parcela mínima das mulheres: aquelas que viram top model e se tornam celebridades porque são consideradas bonitas.
******
Jornalista