Não é fácil ser jornalista hoje em dia. São muitos os motivos, mas podemos falar de um: o mar de mediocridade que grassa na maioria das redações. A cada dia, o que vemos é um jornalismo predominantemente espetacularizado, carregador de vozes oficiais. É raro ver um jornalismo de análise, interpretativo, contextualizador, buscador de novas fontes, de outros olhares. O que abunda são os ‘manuais de geladeira’. Texto ruim, gelado, sem identidade. É responder, mal, às seis perguntinhas, e aí temos um jornalismo normótico e alienante.
Você pode dizer: bom, e o que a Fenaj tem a ver com isso? Muita coisa, pensamos nós. Vamos falar do nosso estado, Santa Catarina. Aqui, nosso sindicato, nos últimos anos, não realiza qualquer discussão, de verdade, sobre jornalismo. Quando acontece algum debate, é dentro dos viciados encontros nacionais, em hotéis distantes, nas praias, com taxas de inscrição tão altas que os jornalistas, na sua maioria, não podem participar. Sem contar os temas, normóticos, pouco criativos, apresentados pelos mesmos medalhões de sempre. Jornalismo de mercado, para o mercado, a preço de mercado. Isso não ajuda em nada a reflexão sobre outras formas de fazer jornalismo.
Além disso, tanto nosso sindicato, em Santa Catarina, como a Fenaj abandonam jornalistas nas suas lutas mais difíceis, e com argumentos tão pífios que seriam risíveis se não fossem trágicos. Vamos falar de uma história singular. Nós duas, jornalistas, trabalhamos na Universidade Federal de Santa Catarina, uma instituição pública, portanto. Em 2000, começamos a viver uma experiência trágica. Atuando como jornalistas, na Agência de Comunicação da UFSC, passamos a sofrer censura no nosso trabalho, chamada, entretanto, de ‘adequação editorial’.
Tudo começou no mês de julho daquele ano – em plena greve de técnicos e professores –, quando o então diretor da Agecom, jornalista de carreira no serviço público, foi arbitrariamente exonerado e, no lugar dele, colocado um professor do Curso de Jornalismo. Ele assumiu e, já na primeira reunião, avisou: ‘A democracia que havia aqui acabou’. Desde então, imprimiu um forte controle a tudo o que fosse relacionado a qualquer manifestação do pensamento crítico, inclusive censurando várias matérias feitas por nós, ou que vinham das entidades sindicais e estudantis vinculadas à UFSC, bem como artigos e cartas de leitores. A política implantada na agência foi a que ele chamou de ‘jornalismo positivo’. A universidade devia, a partir de então, só mostrar as coisas boas. Críticas, nem pensar.
Na Fenaj, dois anos
O que aconteceu, na prática, nos últimos quatro anos foi a destruição de projeto de comunicação pública que estava sendo levado na UFSC, de forma livre e autônoma, desde há 12 anos, e a imposição de um projeto de comunicação ‘chapa-branca’ voltado à propaganda e à divulgação dos atos da reitoria e alguns projetos. Nesse contexto de desmonte, nós, jornalistas, fomos sendo impedidas de exercer a profissão jornalística e passando por situações absurdas de assédio moral e perseguição. Ficávamos durante nosso horário de trabalho sem sermos comunicadas de nada, as pessoas praticamente não falavam conosco, as matérias que fazíamos eram censuradas, e as explicações para isso eram as mais estapafúrdias possíveis. Uma reportagem da Raquel foi impedida de ser publicada no Jornal Universitário por ter ‘fontes demais’, segundo argumentou o professor.
Pois, confiantes em nosso sindicato, procuramos a direção executiva para denunciar os fatos e pedir ajuda. Esperávamos que o Sindicato dos Jornalistas se manifestasse, interviesse, denunciasse todo esse processo de impedimento da profissão e censura. Pois o sindicato ficou em silêncio. Não fez absolutamente nada. Depois de muito insistirmos, disse apenas que nós entrássemos com uma representação na comissão de ética. Por também estar sendo censurado, o Sindicato dos Trabalhadores da UFSC entrou com uma representação, em 25 de junho de 2001, junto à comissão de ética do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina.
Mas a comissão se declarou impedida de averiguar o caso porque uma das integrantes era vítima, a Raquel, e outros dois eram professores do Curso de Jornalismo, portanto, colegas do professor. O assunto foi remetido à Fenaj em 6 de agosto de 2001 para a análise da comissão de ética e liberdade de imprensa. O Sindicato dos Jornalistas, apesar de toda a nossa insistência para que atuasse, nada fez. Pois na Fenaj, que tanto estardalhaço faz quando acontece censura em outros países ou em algum jornalão brasileiro, também nada foi feito. Silêncio total. A comissão de ética da Fenaj levou mais de dois anos para apreciar o caso, e a Federação chegou ao desplante de exigir que o Sintufsc fizesse as cópias de toda a documentação da representação, que era bastante extensa por causa do número de provas – para que eles pudessem analisar. E foi só depois de tanto o Sintufsc insistir numa resposta que a comissão deu seu parecer. Foi no dia 10 de outubro de 2003.
Censura e ponto
O tom do relatório da comissão da Fenaj, que decide pela absolvição do averiguado, causa perplexidade. Nele, parece que a entidade denunciante e as jornalistas atingidas pela censura e impedimento do exercício profissional é que são indagadas. Entenderam eles que nós duas, por sermos dirigentes sindicais, estávamos ‘no fulcro da luta’ (???) e, por isso, o chefe não tinha, de modo algum, ferido a ética. Ou seja, porque nós éramos pessoas politicamente atuantes dentro da instituição passávamos de vítimas a vilãs. Com essa decisão, o professor se sentiu fortalecido e seguiu no processo de assédio moral, nos isolando completamente no ambiente da Agência. Sem o sindicato, sem a Fenaj, não restou nada. Só a dor de estarmos sozinhas. O único amparo veio do Tribunal Popular do Assédio Moral.
Pouco tempo depois dessa decisão esdrúxula, aconteceu de um jornalista famoso aqui em Santa Catarina ser demitido de um jornal, caracterizando perseguição política, a exemplo do que estávamos sofrendo nós – ainda, desde 2000 – aqui na UFSC. O Sindicato dos Jornalistas, então, lançou nota pública em todos os jornais, repudiando o caso, denunciando censura. Entramos em contato com o presidente Luís Fernando Assunção, indignadas.
Perguntamos se era necessário ser algum medalhão do jornalismo para merecer o repúdio à censura já que, no nosso caso, o sindicato foi omisso. A resposta dele nos deixou pasmas: ‘Censura na empresa privada é muito mais grave’. Desde esse dia, desistimos de contar com o sindicato aqui de Santa Catarina e com a Fenaj, que tampouco se importou com nossas denúncias.
Nós, jornalistas no serviço público, estamos sozinhos, sem amparo contra a violência e o assédio moral no trabalho. Só valem os das empresas privadas. Ora, para nós, censura não tem grau de medição. É censura e ponto. Mas, se houvesse um medidor, pensamos que, no serviço público, ela seria até ‘pior’. O serviço público é um bem público, de todos, não pode ter a ingerência de chefetes de plantão que tentam impedir o acesso à informação pública. Censurar, impedir de trabalhar, praticar assédio moral é errado, condenável, inaceitável e antiético em qualquer lugar, em qualquer parte do mundo.
Jornalismo libertador
É por isso que gostaríamos de ver uma nova Fenaj. Uma entidade que se preocupasse com todos os seus filiados, que não fosse um clubinho de ação entre amigos, que ouvisse cada denúncia feita com o cuidado e a atenção que merece, que não julgasse os fatos sem ouvir as vítimas – como foi o nosso caso –, que fomentasse o debate da prática de um jornalismo interpretativo, contextualizador e de libertação.
Que seus dirigentes viajassem pelo país levantando polêmicas sobre o nosso fazer, que fizessem discussões públicas e gratuitas, que permitissem que os jornalistas lascados de todos os cantos do país pudessem também beber das águas do saber, que não se restringissem a encontros acadêmicos de alto custo, que pisassem na vida mesma, na realidade. Que fossem justos, éticos, que buscassem o encontro amoroso com seus pares, na construção de um novo jornalismo, capaz de dar respostas para o nosso tempo, capaz de transformar.
É essa Fenaj que queríamos ver. Novas caras, novas mentes, novos rumos. Será que é possível? Talvez assim nós, os desgraçados que vivemos e trabalhamos nos chamados ‘estados periféricos’ – fora do eixo São Paulo/Rio/Brasília –, pudéssemos ser ouvidos, sentidos, compreendidos e amados. Pensamos que já basta da política do medalhão. Nós existimos, pensamos, sofremos e construímos novas formas de fazer jornalismo e viver no mundo.
Nós duas somos declaradamente anti-sistêmicas, anti-capitalistas e lutamos por um outro jornalismo, libertador, amoroso e de transformação. Ainda esperamos ver uma federação que seja libertária o suficiente para ser capaz de dar abrigo a esses pensares.
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Jornalistas na Universidade Federal de Santa Catarina