Numa sociedade focada essencialmente na ‘informação’, a mídia adquiriu, como nunca na epopéia humana, um papel relevante na caracterização daquilo que entendemos por verdade. Comumente nos deparamos com notícias imprecisas que adquirem facticidade em resultado da sua divulgação maciça, ainda que conflitem diretamente com fatos reais não publicizados, desvelando a associação aguda entre a ‘verdade’ e a ‘informação compartilhada’.
Essa vinculação resta bastante agravada em razão da prevalência dos interesses privados sustentada por parcela importante da mídia em desfavor da coisa pública.
A propósito do assunto, o caso das ‘matérias que não viraram notícias’, em Fortaleza/CE, é exemplar! Trata-se de matérias realizadas pelo jornal Diário do Nordeste e pela TV Diário (empresas do Sistema Verdes Mares de Comunicação), em resultado da denúncia de um envolvido no grave acidente ocorrido na Vaquejada de Itapebussu 2007, que, por razões desconhecidas, não foram veiculadas naqueles canais de comunicação. Aliás, convém salientar que esse sinistro, preliminarmente, não fora noticiado pela imprensa cearense, até que, em resultado da provocação, fora publicizado no jornal O Povo em 20.10.2007 e 21.10.2007, essa última, sob o título ‘O fato que não virou notícia’, por meio da qual o periódico incita a uma reflexão sobre o silêncio da mídia a respeito daquele evento.
Não há como validar a estranha ‘cegueira’ da imprensa e o suposto desconhecimento do fato e, pela gravidade, suas implicações. Todavia, mais inusitada do que a ‘cegueira’ é a injustificada ‘mudez’, desvelada na não-divulgação de matérias produzidas sobre o acidente por alguns canais de comunicação, sem que lhes seja facultado o álibi do desconhecimento do fato.
Relevância e interesse público
Urge assentar que as matérias somente foram realizadas após inúmeras reiterações, muitas delas suscitando as razões da inexplicável omissão daqueles canais, com vistas a contraditar a segurança total propagada pelos organizadores da vaquejada na mídia local, mormente no especial veiculado no programa Vaquejada, da TV Diário.
Instados, diversas vezes, a respeito das ‘matérias que não viraram notícias’, sobretudo o sentido de se realizarem reportagens que apenas se prestariam para avolumar os arquivos ‘mortos’ daquelas entidades, os envolvidos se limitaram a apresentar evasivas no afã de validar o veto: ‘estamos com problemas de espaço no jornal…’, ‘eu acho que ainda vai sair…’, ‘pode ter havido problemas na filmagem…’ etc.
Não quero (e nem posso) me imiscuir na esfera decisória da linha editorial daqueles canais de comunicação, mas bastam poucos minutos de leitura ou audição diárias para perceber que a matéria-denúncia sobre o acidente de Itapebussu comporta muito mais relevância e interesse público do que muitas das outras matérias veiculadas regularmente naqueles veículos de comunicação. Ademais, pelas particularidades que as entornam, as matérias contemplam várias linhas de interesse editorial, facilitando, por conseguinte, sua publicação.
Expressão da verdade
Diante dessas evidências, parece razoável aventar a possibilidade de as reportagens intentarem, unicamente, calar o denunciante, que suscitou a ‘parcialidade’ da emissora ao preservar uma imagem equivocada (de segurança total) da vaquejada e, sobretudo, inquirir: a quem interessa esse silêncio sobre o acidente? Será que a vinculação direta dos organizadores da vaquejada com a TV Diário (que apoiou, sob patrocínio financeiro, o evento) estaria contribuindo para obstar a veiculação das matérias (já realizadas), para não fragilizar a ‘imaculada competência’ dos produtores do evento? Se o assunto era, do ponto de vista jornalístico, irrelevante, como justificar a mobilização de repórteres para investigar a denúncia? Estaria havendo, no âmbito de instâncias que deveriam primar pela isenção e plena persecução da verdade, um inadmissível aviltamento do interesse público (presente nos esforços para desnudar a falsa imagem de ‘ausência de incidentes graves na Vaquejada’) em favor de interesses privados?
Diante desse flagrante desrespeito à denúncia, ao grave fato, aos envolvidos no acidente, aos repórteres que realizaram as matérias e, sobretudo, à verdade, resta-me, tão-somente, lastimar profundamente a conduta e, por conseqüência, questionar a exortação sistematicamente difundida pelos denunciados de propagarem ‘informação com credibilidade’.
Enquanto isso, para os leitores e espectadores daqueles canais de comunicação, a despeito dos riscos que esse engodo possa acarretar em eventos futuros, a ‘Segurança Total da Vaquejada’ permanece como a mais cristalina expressão da verdade.
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Servidor público federal, Fortaleza, CE