Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quem tem medo de Hugo Chávez?

O Instituto Venezuelano de Análise de Dados (IVAD) divulgou no dia 28 de outubro passado o resultado de uma pesquisa com uma amostragem de 1.200 venezuelanos sobre o projeto político do presidente Hugo Chávez. Resultado: 46,7% responderam que, no futuro, as reformas propostas por Chávez vão transformar o país numa república socialista e democrática; 29,9% disseram que a Venezuela será um país comunista, como Cuba, e 15,9% declararam entender que o país será socialista, mas não democrático.

Hugo Chávez usou o resultado da consulta para declarar que 92,5% dos venezuelanos estão de acordo que o país adote o socialismo. A imprensa destacou o contrário, que 45,8% temem que o país seja conduzido a um regime totalitário.

Tem sido assim desde a posse de Chávez, em fevereiro de 1999, eleito com 56,2% dos votos. Em abril de 2002, ele chegou a ser afastado do governo por um golpe virtual, produzido pela mídia, mas reconduzido ao Palácio de Miraflores por uma multidão de cidadãos apoiados por oficiais militares. Em agosto de 2004, ele venceu com 59% dos votos um referendo convocado pela oposição, que apresentou ao Congresso um abaixo-assinado de 2,5 milhões de venezuelanos que exigiam a confirmação de seu mandato. Em dezembro de 2006, Chávez foi reeleito para um novo mandato de seis anos, com 62,9% dos votos.

Indicadores em alta

Em junho de 2007, anunciou a intenção de submeter aos eleitores uma série de mudanças em artigos da Constituição, entre os quais a ampliação do mandato de seis para sete anos e a possibilidade da reeleição ilimitada do presidente da República. A Assembléia Nacional, ocupada em mais de dois terços por chavistas, aprovou a proposta, que deverá ser submetida a referendo popular no dia 2 de dezembro.

A exemplo de seu colega brasileiro, Chávez é apoiado maciçamente pela população de baixa renda, beneficiária principal de sua política econômica e de seus projetos sociais e principal objeto de sua polêmica e destemperada oratória sobre a tal ‘revolução bolivariana’. A classe média, que era inexpressiva antes da posse de Chávez, também foi beneficiada, mas tem arcado com os custos da inflação, principal fragilidade do projeto econômico ‘bolivariano’.

Segundo o sociólogo americano Gregory Wilpert, que vive em Caracas desde 1995, os mais pobres também são afetados pela inflação, mas acabam se protegendo na economia solidária e na ação social do governo, enquanto a classe média, que consome mais produtos importados e cotados em dólar, sente os maiores efeitos.

Estudiosos que contribuem para o Observatório da Economia Latino-Americana (OELA) registram que, entre 1989 e 1998, quando Hugo Chávez foi eleito pela primeira vez, a inflação havia subido em média 53% ao ano. Nesse primeiro mandato, e até a tentativa de golpe contra ele em 2002, a inflação anual caiu para 23%.

A greve do setor petroleiro, que paralisou o país em 2003, logo após o retorno de Chávez ao poder, desarranjou completamente a economia, mas a Venezuela conseguiu retomar o crescimento e alcançar relativa estabilidade. A moeda nacional, que havia sofrido uma desvalorização média anual de 795% no período de 1983 a 1998, caiu menos – 40,9% entre 1998 e 2003. As desvalorizações ocorrem em grande parte por conta da alta liquidez, ou seja, a baixa diversidade na economia venezuelana reduz as possibilidades de investimento em ativos reais. A inexistência de uma indústria diversificada, com extrema dependência do petróleo exige a importação de muitos bens.

Segundo economistas contribuintes do OELA, praticamente todos os demais indicadores econômicos apresentaram saltos significativos após a posse de Hugo Chávez, mas o mais marcante é a evolução dos dados sociais. Nos dez anos anteriores a Chávez, haviam sido construídas na Venezuela 65 mil casas. Os registros de 1999 a 2002 mostram a construção de 92 mil habitações. O investimento social per capita foi de 285 dólares em 1995, em 2001 chegou a 402 dólares per capita. No mesmo período, o investimento oficial em educação foi duplicado.

Avanços comemorados

Até 1998, a Venezuela era celebrada em sites de pornografia como um paraíso do turismo sexual, como era Cuba nos anos 1950. Chávez criou políticas de desestímulo ao turismo sexual, estabeleceu uma legislação especial para a proteção de adolescentes inspirada no Estatuto da Criança e do Adolescente vigente no Brasil e aumentou a fiscalização nos hotéis e espaços públicos.

Na semana passada, a imprensa interrnacional – incluídos os jornais brasileiros – publicaram que a Venezuela, juntamente com o Brasil e a Argentina, liderava um impressionante avanço na melhoria da inclusão social dos mais pobres. Na sexta-feira (16/11), a manchete de O Globo (‘Número de pobres é o menor em 17 anos na América Latina’) reproduzia dados da Cepal – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, dando conta de que as políticas de aumento de emprego, redução da natalidade e programas de transferência de renda estavam produzindo os resultados que décadas de políticas econômicas conservadoras não haviam obtido. Os outros jornais esconderam a notícia, da mesma forma como omitem os detalhes da reforma proposta para o referendo de 2 de dezembro.

A imprensa demoniza o presidente venezuelano em grau muito mais grave do que a oposição que faz ao presidente Lula, no Brasil. Lula não é apresentado como uma ‘ameaça totalitária’, mas a mídia vive assombrada com a hipótese – já desmentida por ele em muitas ocasiões – de que venha a pleitear um terceiro mandato. Mas qualquer coisa que diga será usada contra ele, porque Chávez é usado como referência. O confronto entre Chávez e a imprensa venezuelana contamina todo o continente, e não há hipótese de conciliação.

Se Chávez vencer o referendo, é possível que venha a estabelecer um governo centralizador e autoritário, o que de fato pode ameaçar as democracias do continente. Mas essa é apenas uma hipótese, e não está consagrada no projeto de 33 mudanças constitucionais aprovadas pela Assembléia Nacional da Venezuela. Além disso, os tratados internacionais e regionais levariam ao isolamento da Venezuela, se o presidente se tornasse um ditador. Boa parte dos acordos, inclusive com o Brasil, se tornaria letra morta.

Se, a rigor, o risco de a Venezuela perder as liberdades democráticas a partir da votação do dia 2 de dezembro está mais para ficção do que para a realidade, o que está por trás da demonização de Chávez, além de sua retórica descontrolada? Se os números dos avanços econômicos e sociais são celebrados pela própria imprensa, o que os jornais tanto temem na figura de Hugo Chávez não seria exatamente o sucesso do seu modelo?

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Jornalista