Fiquei satisfeito com a tomada de posição do Luis Fernando Verissimo no 1º Salão Nacional do Jornalista Escritor, em São Paulo (15 a 18/11), dizendo que a imprensa brasileira de hoje é de direita.
Não foi o primeiro a dizer isso, mas, com seu peso e em alta voz, é um dos primeiros. É verdade: compomos hoje uma reduzida minoria, entrincheirada em alguns bolsões da mídia brasileira, onde alguns abnegados disparam e-mails que circulam entre blogs, sem causar grandes preocupações na grande imprensa.
A esquerda não tem acesso aos grande jornais, às rádios e à televisão brasileiros. Enquanto isso, a direita dispõe seus canhões voltados para Brasília com o objetivo – ainda sem sucesso – de indispor o povo com o governo. O resto não interessa.
Veríssimo falou que, no passado, ou seja, há coisa de 40 anos, a maioria dos jornalistas era de esquerda, ou seja, optava por bandeiras sociais de defesa da população e reunia toda gama do pensamento de esquerda, desde os cristãos progressistas aos comunistas e trotskistas.
Esses jornalistas não podiam escrever claramente suas idéias, mas sua simples presença impedia o descaramento da direita pura e dura, como é hoje o caso da Veja. Se atualmente não existe nenhum órgão de esquerda, tirando-se as pequenas tiragens do que se chamava e ainda se pode chamar de jornalismo nanico, havia no passado, nada distante, secretários e diretores de jornais que faziam barragem ao diktat dos detentores do establishment.
Falta de orgulho
Samuel Wainer, criador da Última Hora, populista de esquerda; Cláudio Abramo, dirigindo o Estadão e depois a Folha; Mino Carta denunciando a ditadura militar e forçando a abertura, enquanto o grupo dos jornalistas da Realidade, como ficaram conhecidos, lançava as bases de um jornalismo sério, de pesquisa e de preocupação social. Sérgio de Souza e Mylton Severiano da Silva (Myltainho) estão hoje na barricada da Caros Amigos mas seu público leitor é reduzido, o isolamento levou a um radicalismo e vice-versa.
Os jornalistas perderam sua segurança no emprego, essa também uma das razões pela direitização da profissão. A mídia-empresa descobriu como aviltar a classe, seja explorando a vaidade de alguns, seja amedrontando a maioria com o desemprego.
Fazer-se notar como dissidente é demissão certa. Os baixos salários, mantidos pela troca constante dos mais velhos por estagiários e recém-formados, forçando quem tem experiência a se tornar assessor de imprensa agravou o quadro.
A expressão ‘jornalista independente’ que poderia designar um jornalismo maduro e seguro é a demonstração de sua fraqueza – os jornalistas independentes, pagando como autônomos suas contribuições para a aposentadoria, arcando com seus seguros-saúde, sem garantias, não passam de frilas, ou estressados obrigados a aceitar qualquer pagamento por suas matérias.
Os grandes jornais não têm mais correspondentes fixos e se abastecem, quando algum fato exige, com reportagens enviadas por frilas internacionais ou, no máximo pelos chamados frilas fixos, cuja estabilidade depende das equipes que se sucedem nas redações centrais. Ganhar muito é arriscado, chama a atenção em todo plano de economia previsto pelo jornal.
A mídia estatal estrangeira, subvencionada por departamentos de propaganda, virou concorrente, fornece áudios, textos escritos e banners, tudo de graça, num dumping desleal ao trabalho dos correspondentes impossível de se afrontar.
Nem depois da guerra, nossa imprensa, que saía da ditadura e da censura, demonstrou tanta debilidade, servileza e falta de orgulho como agora, quando aceita sem perguntar por que tanta gentileza. Uma servilidade que grandes jornais e rádios comerciais poderiam evitar, mas não evitam.
Nos autos
Nunca irei esquecer a frase do hoje ícone do jornalismo Heródoto Barbeiro, contada no meu livro sobre Maluf, quando tentava convencê-lo a me readmitir, no fim dos anos 1990: ‘Por que vou te pagar como correspondente se a RFI me dá tudo de graça?’. Ou da diretora do Sistema Globo de Rádio que, rejeitando o caso Maluf, na sua versão sobre minha demissão da CBN, argumentava que a CBN precisava fazer economia e por isso ia fazer parceria com a BBC dispensando o correspondente – isso num texto para o Observatório da Imprensa!
Luis Fernando Verissimo tem toda razão – nossa imprensa descambou, muitos para poderem sobreviver outros para poderem subir, permanecer ou ter palco para suas vaidades vãs e pessoais. Viraram arautos da probidade, enquanto lhes cresce um rabo grosso e peludo de corrupção e comprometimentos.
Interessa falar do Maluf e dos seus milhões ainda bloqueados na Suíça e Ilhas de Jersey? Não, como também não interessavam notícias sobre suas contas secretas no ano em que era candidato a governador.
Interessa falar de Paulo Roberto de Andrade que deu um golpe em mais de 30 mil pessoas da classe média, embora sua arapuca do Boi Gordo tenha sido sustentada em grande parte pela imprensa que lhe deu credibilidade e mesmo títulos de empresário do ano e noticiário favorável nos jornais de economia?
Não, como também não interessa pesquisar nas contas da Boi Gordo, em Miami, para onde a empresa desviava o capital quando sentiu vir a concordata. Os números das contas estão nos autos, colocadas pelo advogado Almeida Paiva, e um alerta ao Coaf pela imprensa logo poderia resultar numa apreensão do capital desviado e movimentado pelas contas e enviado para as Ilhas Cayman.
Interessa? Decididamente não.
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Jornalista, correspondente em Berna do Expresso (Lisboa), autor de O dinheiro sujo da corrupção