Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O gosto da classe média

O artigo de maior bom senso que já li sobre a situação atual brasileira, e que acredito todos deveriam ler, se chama ‘A guerra dos ‘outros’’ e não é de nenhum desses intelectuais brasileiros conhecidos… A autora não mora em Nova York, não faz parte da mesa do Manhattan Connection e não ganha uma nota preta escrevendo para a Veja ou IstoÉ. A autora é a Sueli Carneiro, filósofa, pesquisadora do CNPq e diretora do Géledes, um instituto que atua na luta, debate e ações de inclusão e defesa da mulher negra na sociedade brasileira.

Mas, pelo título da matéria, a Sueli não é o assunto principal desse artigo, porque afinal, Sueli não está todo domingo com a cara no Manhattan Connection, nem toda semana tem um texto seu publicado na Veja, e muito menos tem uma comunidade dedicada a ela no Orkut [www.orkut.com] com quase 400 membros que discutem e analisam seus textos… Posso até arriscar que ela talvez nem seja tão influente assim…

Bom, vamos falar sobre o Diogo Mainardi. O motivo de eu não gostar de seus textos não é por suas críticas infundadas e suas opiniões arbitrárias e difíceis de se levar a sério, coisa do tipo ‘deveriam acabar com a CLT’. Nesse aspecto devo até confessar que ele tem muito bom humor (supondo que ele queira realmente ser engraçado). Minha implicância vai além.

Levando em consideração que o cara escreve para a revista Veja, e é comentarista do Manhattan Connection, acho que devemos analisar seus textos e opiniões e confrontá-las com o público que ele atinge. Bom, quem lê Veja? Quem tem TV a cabo em casa e assiste ao Manhattan Connection? Sendo bem generalista, é fácil afirmar que é da classe média para cima.

Tanto conhecimento

A Veja é a fonte de informação e conhecimento dessa massa acéfala que é nossa classe média, a TV a cabo, o refúgio dela, que não suporta a TV brasileira e se entretém com seriados da Sony, documentários da BBC, noticiários da Fox News e da CNN International. A classe média que tem fobia do Brasil, não acredita que isso vá pra frente, e que, enquanto assistem ao último episódio de Friends, escutam New York, New York em seus CD players e assistem a mais um blockbuster norte-americano no cinema, sonham com o dia em que poderão picar a mula daqui, rumo à terra do Tio Sam (ou a qualquer outro país desenvolvido).

E aí que o tal Diogo Mainardi acertou em cheio seu público. Com sua linguagem acessível e ar intelectual, ele vem ao encontro desse público, ‘ávido por conhecimento e cultura’, para dizer tudo o que eles já sabiam, ‘o Brasil não tem jeito’, ‘não há mais solução para o país a não ser se render à poderosa potência do Tio Sam’, ‘nada que fazemos aqui dá certo’, ‘tudo o que fizemos e deu certo foi sorte’, entremeado por uma ou outra sugestão irônica de como o governo deveria conduzir as rédeas do país.

E, assim, toda essa gente que não se identifica e não se sente responsável pelo próprio país, porque tem seus olhos virados para a América, a cada semana lê com ar de deboche as opiniões desse cara, que apenas avaliza esse sentimento de desprezo com o Brasil.

O Brasil é a maior piada de mau gosto que eu já vi. Primeira oportunidade, eu pico a mula. (Comentário de integrante da comunidade Orkut na coluna ‘O brasileiro é um vegetal’.)

Mas Diogo ainda tem mais sorte do que a grande maioria de seu público: passou mais da metade de sua vida morando no exterior – EUA, Inglaterra e Itália –, motivo pelo qual talvez tenha tanto conhecimento de causa ao afirmar insistentemente que ‘o Brasil não tem jeito’, pois vivenciou todos esses modelos de países que ‘funcionam’.

Mais gente séria

Mas é justamente insistindo em que ‘o Brasil não tem jeito’ que Mainardi não colabora para que o país melhore. É avalizando a opinião dessa classe média que não se sente brasileira que Mainardi colabora para que tudo fique como está. O Brasil não precisa de intelectuais como Mainardi. O Brasil não precisa de gente que mine a auto-estima de seu povo. O Brasil não precisa de intelectuais que vivem no exterior.

Já li em algum canto por aí que ‘nossos intelectuais são todos colonizados’. Realmente, todos moram, moraram ou queriam morar em Nova York, Paris ou Londres. Nenhum se identifica com o Brasil. Mas os laços com o Brasil são inevitáveis; a genialidade de nenhum deles foi capaz de desfazê-los.

É por essas e outras que o país – e a classe média – precisa menos deles, e mais de gente séria e que se identifique realmente com o país, e fale o que a classe média não sabe, não quer e precisa ouvir. Como a Sueli Carneiro, de que falei ali em cima, faz.

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Jornalista