ELEIÇÃO 2006
Horário na TV ajuda imagem do governo
‘O crescimento da intenção de voto no presidente Lula foi pouco para o salto positivo da avaliação de seu governo pelo eleitorado brasileiro. A propaganda eleitoral feita para estimular o voto no candidato Lula acabou conseguindo motivar o eleitorado para um outro objetivo a que não visava: melhorar a avaliação do governo Lula. Além disso, a aprovação do desempenho de Lula, de 61%, é a melhor desde novembro de 2004.
Em 9 dias, o ‘ótimo/bom’ do governo Lula subiu de 41% para 44%, acima da margem de erro da pesquisa; e o ‘ruim/péssimo’ caiu de 21% para 17%. Nos tempos cinzentos do mensalão (agosto e dezembro de 2005), o ‘ótimo/bom’ chegou a 29%, mesma época em que o ‘ruim/péssimo’ subiu a 32%. Foi deste patamar ruinoso que o presidente e seu governo decolaram para o penoso trabalho de recuperação de imagem, que mostrou uma eficácia notável e um timing invejável.
As altas mais expressivas foram no Sudeste (4 pontos, de 34% para 38%) e no Norte/Centro-Oeste (5 pontos, de 42% para 47%). No segmento de 2 a 5 salários mínimos, o ‘ótimo/bom’ subiu 8 pontos (de 32% para 40%); nas capitais, a subida foi de 4 pontos (34% para 38%).
O ‘ótimo/bom’ de 44% repete uma taxa obtida na primeira semana de junho; antes disso, esse número só foi superado pela taxa de janeiro de 2004 e pelos altos índices do começo do mandato.
SALTO
A aprovação do desempenho do presidente também melhorou, confirmando uma tendência de gradativa melhoria que vem de meados de julho.
Agora, 61% aprovam a forma como Lula administra o País (eram 57% há 9 dias e 53% na última semana de julho); e 31% desaprovam as ações do presidente (eram 34% há 9 dias e 39% na última semana de julho). No auge do mensalão, a aprovação caiu a 42% e a desaprovação subiu a 52% (dezembro de 2005).
A maior aprovação vem dos que estudaram até a 4ª série do ensino básico (73%) e dos que ganham até 1 salário mínimo (71%). Entre os que ganham entre 5 e 10 salários mínimos, 46% desaprovam e 43% aprovam a forma como Lula governa.’
MUNDO VIRTUAL
Incrível: maioria apóia o fim da privacidade
‘Estou revoltado ao perceber que sou uma voz quase solitária em defesa da privacidade. E pior: comprovo que, dos 151 leitores que me escreveram e opinaram, 83 não manifestam nenhum apreço e até aplaudem o fim desse direito. Minha esperança é reverter essa situação, num longo debate via internet.
Para começar, destaco aqui três opiniões . A primeira é a de Verner Dittmer, consultor, ex-diretor da Siemens. Ele se diz admirado que ainda existam pessoas, como eu, que ainda não perceberam a lenta e inexorável agonia da privacidade. ‘Não há mais volta. É hora, portanto, de enfrentar a realidade das mudanças e não de conjecturar, pois as técnicas modernas da informação condenaram a privacidade à morte.’
A segunda opinião, igualmente cínica e inteligente, é a de Cleofas Uchoa, PhD pelo Massachusets Institute of Technology (MIT), engenheiro, astrônomo, escritor, que me fulmina logo de cara: ‘Sim, meu caro, a privacidade já morreu. Mas isso não tem a menor importância. Acho muito melhor que possamos descobrir as intenções recônditas das pessoas. Talvez seus comportamentos venham até a melhorar’.
Dittmer e Uchoa relembram que a tecnologia da informação e as telecomunicações bisbilhotam nossas finanças, descobrem se emitimos cheques sem fundos ou se somos maus pagadores. Identificam os lugares onde estivemos ontem ou onde estamos agora. Avaliam nosso sucesso ou fracasso profissional. Deixam-nos quase nus diante da sociedade e, em breve, irão revelar nossos segredos íntimos.
Recordam que os cartões de crédito esquadrinham nossos hábitos de compra e informam os vendedores, para que nos assediem com ofertas tentadoras. Lembram que o Banco Central e o Serasa espalham as piores coisas sobre nós para todo o mercado.
‘Privacidade?’ – pergunta Dittmer. ‘As próximas gerações vão rir de nós, tal como rimos hoje dos pudores prosaicos de nossos antepassados. E não lamentem a morte desse suposto direito, pois isso até poderá ser bom para a sociedade. Duvida? Sem privacidade, não seremos mais fingidos. Enganaremos menos os outros. Teremos mais razões para agir corretamente, para não ter registros negativos. Num mundo sem privacidade talvez haja menos impunidade – um dos grandes problemas do Brasil hoje. A Justiça e os negócios serão mais rápidos, baseados em fatos e não em opiniões. Não teremos que esconder nada, pois, como dizia Goethe, essa preocupação desaparece para quem já tem seu prestígio arruinado.’
Cleofas Uchoa minimiza até a revolução da informação, que, para ele, não têm a importância que lhe atribuímos: ‘Outras revoluções foram mais importantes, como a descoberta do eletromagnetismo, a invenção da linguagem matemática ou da tipografia’. O grande benefício do livro, argumenta, foi disseminar cultura, controvérsias, espírito crítico. E isso não produziu nenhuma catástrofe. Mas reconhece que o mundo quase veio abaixo quando Darwin disse que somos primos dos antropóides.
A LINHA ÉTICA
Só consigo reagir à depressão quando leio a terceira mensagem, de Didier Chinchilla, ex-France Telecom, brilhante, racional, realista, que reconhece logo as ameaças permanentes da tecnologia à privacidade, mas nos concita a defendê-la em nome da ética.
Didier admite que, em muitos casos, o fim da privacidade pode até ser positivo para as pessoas e para a sociedade, mas em circunstâncias muito especiais: ‘Nossa luta, como cidadãos, deve ser implacável no sentido de impedir o uso indevido da informação, como a venda de nossos perfis a terceiros e a apropriação de nossos dados pela esfera pública para controle dos cidadãos’. E aponta a nova legislação da União Européia sobre o tema (www.edps.europa.eu/01_en_presentation.htm).
‘A sociedade – exemplifica – precisa de instrumentos eficazes para impedir ou punir um ministro da Fazenda que tem a ousadia de pedir ou induzir assessores a abrir os dados sigilosos de um caseiro, contando com conivência e submissão de subordinados que cumprem a ordem ilegal e imoral sem esboçar reação. E digo isso sem nenhuma conotação política, até porque gostava do desempenho de Palocci na Fazenda. Revolta-me lembrar que o PT ainda lhe cede a legenda para voltar à Câmara dos Deputados.’
Para Didier, nossos dados confidenciais estão cada vez mais vulneráveis diante dos modernos sistemas de controle social e individual. ‘Isso é ainda mais sério numa sociedade como a brasileira, que tolera tantos desvios e tem sido capaz de eleger verdadeiros delinqüentes como seus representantes.’
OS RISCOS
Não chegaria ao extremo de testar a coerência dos que não se importam com o fim da privacidade, nem aplaudiria a invasão de seus computadores – nem muito menos os PCs de meus queridos amigos Cleofas Uchoa e Verner Dittmer – porque sei o que significa o furto de senhas, de dados confidenciais, de fichas médicas e de identidade, por criminosos.
Mas vocês não acham que está na hora de estabelecer limites e regras claras para a proteção da privacidade do cidadão e das instituições?’
TELEVISÃO
Todo Mundo Dança
‘A televisão vive de ondas. É claro que existem formatos definidíssimos há longo tempo, como os noticiários e telenovelas, mas fora deles há levas que vêm, proliferam e acabam sendo substituídas por outras.
Há bons exemplos na história da TV brasileira. Quando foi inaugurada, na época em que não havia sido inventado o videoteipe, estavam na onda teleteatros, programas de auditório e revistas para senhoras do lar. Eram nesses programas femininos, geralmente vespertinos, que as garotas-propaganda demonstravam para as donas de casa como lidar com os aparelhos moderníssimos (aspiradores, enceradeiras e refrigeradores), inventados para libertá-las da escravidão dos serviços domésticos.
Nos anos 60 e 70, a onda foi musical: dos festivais de MPB e internacionais, dos musicais à Hollywood, da bossa nova, da jovem guarda, do chorinho, da bossaudade. Nos 80, a nova mulher tornou-se o foco. Os programas não só ensinavam a cozinhar e a cuidar do lar, mas a discutir seus direitos, sexo e papel social (TV Mulher é o ícone desse período). E as crianças tornam-se alvo na condição de consumidores de brinquedos, guloseimas e roupas oferecidos geralmente por loiras sapecas (Xuxa, Angélica, Eliana, etc.) coadjuvadas por personagens circenses.
Nos 90, o Aqui Agora puxou a ala dos shows policialescos que só foram entrar em decadência nos anos 2000. Mais recentemente passamos pela onda dos realities shows, incentivada pelo sucesso mundial do Big Brother e sustentada pelo voyeurismo do público telespectador.
Hoje a onda é dança de salão, uma tendência que não nasceu aqui. A ex de Ronaldinho Milene Domingues foi vice-campeã em um concurso na TV espanhola e outras competições vêm preenchendo a programação em várias partes do mundo. Quando o Domingão do Faustão resolveu entrar na onda com a Dança dos Famosos (no final de 2005), acabou descobrindo a felicidade de fermentar seu ibope. O quadro foi ganhando adeptos ao longo das temporadas até bater na audiência média de 40 pontos em julho.
A disputa dançante entre famosos, liderados por professores competentes para ensinar de jogo de cintura a travados históricos, ganhou popularidade e uma sofisticação. Nesta fase, além de aprender a dançar, os famosos do Faustão ainda têm de se equilibrar sobre patins de gelo.
Como historicamente acontece, as emissoras tocam sua vida de olho na casa do vizinho. E, como a audiência do Faustão engordou – o programa hoje marca mais de 30 pontos de média no Ibope (Grande São Paulo) e, quando chega na dança, ganha mais alguns – a concorrência cresce o olho e sai na cola.
Quando soube que a nova etapa do concurso do Domingão seria com patinação no gelo, o programa Tudo É Possível, de Eliana, na Record, providenciou o quadro Dança Sobre Patins antes de começar o da Globo. A fama ficou a cargo do júri e não dos concorrentes. Na Gazeta, o Mulheres, da animadinha Kátia Fonseca, que sempre preencheu parte de seu tempo com coreografias da época (axé, lambada, funk), fez um ajuste de rota e partiu para a dança de salão. Ana Hickman convocou seis casais de telespectadores para, nas manhãs da Record, mostrar o talento dançando forró, calipso, salsa, etc., depois de treinados por professores.
O SBT, que no passado pirateou o formato Big Brother para colocar no ar Casa dos Artistas antes da Globo, comprou os direitos para o Brasil e está na fase de pré-produção do Bailando Por um Sonho, nos moldes da Dança dos Famosos do Faustão.
Está certo que a infestação desses concursos no vídeo está influenciando positivamente o pessoal do lado de cá. As pessoas comuns estão tomando gosto novamente pela dança de salão e encontrando prazer no ritmo, o que explica o aquecimento do mercado de escolas de dança nas grandes capitais.
Mas tem o outro lado. As emissoras continuam preguiçosas em buscar alternativas próprias. Ninguém quer arriscar nada, nem mostrar um pouco de inteligência criativa. Isso quer dizer que a máxima do mestre Chacrinha – ‘em TV nada se cria, tudo se copia’ – continua mais atual do que nunca.’
RELIGIÃO & MÍDIA
Deonísio da Silva
‘Jesus, este dileto filho do judaísmo, foi transformado em Cristo, do grego Kristós, ungido, e com a mudança do nome, do hebraico para o grego, mudou também sua legenda, principalmente a partir do século IV de nossa era, quando o cristianismo passa de seita combatida a tolerada e depois a religião oficial do Império Romano.
Lá se foram dois milênios e ainda desconhecemos passagens decisivas da vida de Jesus, o personagem que de tão importante alterou até o modo de contarmos o tempo, antes e depois dele, não como Jesus, um detalhe, mas como Cristo. Não se diz a.J, mas a.C. Toneladas de papel já foram gastas em sua biografia, principalmente depois de Gutenberg, é claro, mas ainda sabemos pouco.
Em 1448, quando o célebre inventor imprimiu a Bíblia de quarenta e duas linhas, em Mainz, na Alemanha, os manuscritos passaram a ter na tipografia um inimigo e um aliado, paradoxalmente.
Mutatis mutandis, a máquina de escrever é, hoje, para o computador, o que foi o manuscrito para a composição com caracteres móveis. Nas impressões era possível, recorrendo ao manuscrito, fixar com exatidão o que o escritor quis dizer, na eventualidade de algum tropeço dos gráficos.
Hoje, a maioria dos autores, nem eles, sabem qual foi a primeira versão de seu texto, que vacilações tiveram, que palavras ou trechos mudaram, por opção estilística ou por qualquer outra escolha. No computador, a teclinha delete, em inglês, do verbo to delete, apagar, cuja origem remota é o latim delere, apagar, liquida o original!
Na famosa biblioteca de José Mindlin, examinando alguns manuscritos, no começo da década de 1990, constatei, em minha primeira visita, que Graciliano Ramos escrevera um livro chamado O Mundo Coberto de Penas, conhecido apenas de José Mindlin e poucos mais. Todos os outros leitores sabiam de Vidas Secas, o título definitivo, que aparece centímetros acima do título original, riscado pelo autor.
Pois os manuscritos estão de volta para explicar a vida de Jesus. Aliás, os manuscritos nunca foram embora. O neozelandês Michael Baigent, formado em psicologia, especialista em história de religião, autor, com Richard Leigh e Henry Lincoln, do bestseller O Santo Graal e a Linhagem Sagrada, pivô de controvérsia judicial com Dan Brown, acusado de ter plagiado este livro em seu celebérrimo O Código Da Vinci, agora transposto para o cinema, volta à carga, questionando a maneira como temos percebido e entendido os relatos cristãos.
Em Os Manuscritos de Jesus (Editora Nova Fronteira, 300 páginas, tradução de Regina Lyra), Michael Baigent, apoiando-se em historiadores romanos como Plínio e Tácito, no zelote convertido Flávio Josefo, autor do clássico Antigüidades Judaicas, nos Evangelhos, nos Atos dos Apóstolos, em apócrifos, em documentos singulares, secularmente confinados em poder de sociedades secretas e de mercadores de manuscritos antigos, afirma, por exemplo, que Jesus não morreu na cruz.
Jesus está em moda editorialmente. Nem bem degustamos o Evangelho de Judas, ainda sem tradução no Brasil, apresentando-nos um Jesus que ri e que tem no traidor o seu maior amigo e confidente, e chega-nos a tradução de The Jesus Papers, lançado nos EUA em março deste ano. Desta vez não houve a tradicional espera de tradução: Os Manuscritos de Jesus está nas livrarias brasileiras desde abril.
Alguns homônimos trazem curiosidades e surpresas. Baigent fala de um documento jurídico do Império Romano que alude a um rebelde chamado Jesus ben Josef, imigrante da Galiléia e proprietário de terras, que anuncia sua natureza divina e é crucificado por ordem de Pôncio Pilatos.
O fariseu Gamaliel alude, numa fala no sinédrio, ao defender que Pedro e outros apóstolos sejam deixados livres, a um certo Judas, o Galileu, que arrastou uma multidão atrás de si. ‘Também ele pereceu e todos os seus seguidores foram dispersos’, diz Gamaliel, ‘doutor da lei e venerado por todo o povo’, segundo os Atos dos Apóstolos.
Baigent situa o levante de Judas da Galiléia no ano em que Jesus nasceu, segundo a versão em que historiadores e evangelistas concordam, pois foi nesse ano que Quirino, governador da Síria, mandou fazer o famoso recenseamento que resultou no deslocamento do casal José e Maria, de Nazaré para Belém, para se registrarem. Nenhum governante ordena censos sem necessidade e o autor sustenta que o objetivo do império romano era cobrar mais impostos.
Um dos fundamentos das sedições era a luta contra impostos e tributos. A questão tem um emblema evangélico, quando Jesus, evitando a armadilha das palavras dos fariseus, que lhe perguntam se é lícito pagar tributos a César, pede-lhes uma moeda e, antes de responder, pergunta de quem é a efígie. Ao ouvir que é de César, diz: ‘daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus’.
As passagens mais polêmicas do livro de Baigent são aquelas em que ele sustenta que Jesus não morreu na cruz, que foi retirado com vida e tratado por José de Arimatéia, que Pilatos foi enganado pela palavra grega ptoma (cadáver) de pronúncia semelhante à soma (corpo). Segundo ele, o baixo-relevo pintado na 14ª. Estação da Via-Sacra, na igreja de Rennes-le-Château, mostra a remoção de um Jesus vivo do seu sepulcro.
O governador, surpreso por Jesus ter morrido tão rápido, autorizou a remoção de um crucificado ainda vivo, certo de que lhe pediam um cadáver. Ademais, o próprio Flávio Josefo conta que dois dos cinco crucificados retirados das cruzes, depois de identificados como amigos seus, na destruição de Jerusalém por Tito, no ano 70, sobreviveram.
É um livro fascinante que, ao contrário de O Código da Vinci, apóia suas intuições e deduções em detalhes históricos documentados, traduções bem feitas e numa visão que não se deixa seduzir pelo sensacionalismo de suas revelações. (xx)
- o escritor Deonísio da Silva é Doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, no Rio, onde dirige o Instituto da Palavra. Seus livros mais recentes são o romance Os guerreiros do campo e De onde vêm as palavras. www.deonisio.com.br‘
CULTURA & POLÍTICA
Insatisfeito, inconveniente e sem-partido
‘Cacá Diegues não apareceu para o jantar. Está de filme novo, O Maior Amor do Mundo, e tinha pré-estréia bem na noite do convescote. O jejum, no entanto, tem menos a ver com agenda e muito mais com saco – no caso, a falta dele. Cacá Diegues está desanimado com a política, e o encontro da última segunda-feira, na casa de Gilberto Gil, no Rio de Janeiro, era uma celebração em torno do candidato Lula. Chico Buarque também não constou, mas este já tinha declarado voto no presidente. E, como estiveram lá a Alcione, a Lecy Brandão e o Zeca Pagodinho, não será por falta de samba que Luiz Inácio irá dançar. Caetano Veloso foi outro que não foi. Segundo Gil, ‘não é Lula há muito tempo’. ‘Não é uma questão racional’, caetaneou o ministro. ‘É uma questão de afeto.’
No rega-bofe do presidente, o pessoal racional estava com a corda toda. O compositor Wagner Tiso disse não estar preocupado com a ética, e que ‘o PT fez o jogo que tem que fazer para governar’. Paulo Betti, o ator, declarou ser a política alguma coisa que não se faz ‘sem botar a mão na m.’, dando a entender que uma chafurdadazinha de vez em quando não tem problema. Seu colega José de Abreu propôs um brinde a José Dirceu. No final, Lula chorou abraçado a Wagner Tiso, enquanto o resto da semana nos reservou a repercussão das declarações. Até a ‘cientista política’ Elke Maravilha foi consultada por um grande jornal.
Aos 66 anos, Cacá Diegues (Carlos Diegues) não quer entrar em polêmica com ninguém – não suporta a ‘patrulha ideológica’, termo que ele mesmo inventou, em entrevista ao Estadão no final dos anos 70. Mas cobra da intelectualidade brasileira (curioso como no Brasil cantor popular e ator da Globo já são automaticamente intelectuais) uma posição apartidária, ‘insatisfeita e inconveniente’. Sem saber em quem votar, vê-se obrigado a escolher entre ‘o social-elitismo e o social-populismo’. Está desanimado com a política mas não com o povo brasileiro. Está animadíssimo com o seu novo filme, que entra em cartaz no 7 de Setembro. Entre uma pré-estréia e outra, concedeu a seguinte entrevista:
Você foi convidado para o jantar com o presidente Lula?
Sim, mas não fui. Estou fazendo a campanha de lançamento do meu novo filme e, nessa mesma noite, estava numa pré-estréia no Recife. Uma semana antes, tinha sido convidado para uma reunião com Geraldo Alckmin. Também não fui. Estou muito ocupado e, além disso, muito desanimado politicamente. Eu não sei em quem votar, não tenho realmente vontade de votar em nenhum dos candidatos que estão aí. Sou da geração que votou pelas Diretas, pelo fim da ditadura, pela democracia. Seria uma covardia votar em branco. Vou escolher um, nem que seja quando eu estiver em frente à urna.
É da turma do menos pior?
É um dever democrático escolher alguém. Votar em branco é trair o esforço que a gente fez para democratizar o País.
Você foi um eleitor do Lula?
Já votei no Lula em algumas eleições e em outras não. Eu tenho acompanhado pelos jornais o debate que se estabeleceu entre os artistas por causa do apoio a Lula. Sobre isso, quero dizer que não sou um intelectual orgânico. Não gosto da idéia do intelectual que pertence a um partido – e que reage aos acontecimentos políticos, culturais e sociais em função de uma disciplina de grupo. O papel do intelectual não é esse. O papel do intelectual é exatamente ter liberdade para se manifestar não organicamente. O fato de eu ter ou não votado no Lula não me faz escravo da disciplina desse candidato. No fundo, o homem público diz aquilo que os outros querem ouvir. O intelectual deve dizer aquilo que está com vontade de dizer.
Gilberto Gil disse que Caetano Veloso perdeu o afeto por Lula. O seu desânimo com a política é por perda de afeto ou por causa da corrupção mesmo?
Exatamente por eu não ser esse personagem que eu detesto, o intelectual orgânico, tenho toda liberdade para dizer quais os meus sentimentos em relação a isso. E eles são dúbios. É claro que a minha decepção com tudo o que aconteceu é muito grande. Eu achava que, pelo menos do ponto de vista da ética, o Brasil iria mudar radicalmente. Não mudou e isso é desapontador. Mas também não concordo com o velho preconceito que vejo nesse ódio social ao Lula. Isso existe e é muito grande. Tem uma elite brasileira que, a cada vez que sente um cheirinho de povo, fica em pânico. O meu pânico não é esse, não. O meu pânico é a minha decepção grave com o que aconteceu ao País em termos de honestidade. Ao mesmo tempo, o sentimento de cidadania cresce no Brasil. Há anos atrás, aconteciam essas mesmas sacanagens e ninguém sabia. Hoje, pessoas estão sendo punidas. Não por causa do governo. Mas por causa da sociedade, dos jornais. Não podemos considerar o crime uma coisa normal, e nisso temos de prestar muita atenção sempre. É um grande absurdo achar que tudo o que nos aconteceu é normal porque sempre aconteceu e portanto vai sempre acontecer.
Artistas como Wagner Tiso e Luiz Carlos Barreto, que declararam apoio a Lula, batem justamente na tecla de que o mensalão faz parte do jogo político, de que não há corrupção se o fim é nobre, de que não houve roubo…
Não tenho ânimo para polemizar com ninguém, muito menos com meus colegas artistas. Agora, não é porque o crime se repete que ele deixa de ser crime. Nenhuma boa intenção e nenhum fim glorioso justificam o crime. Crime é crime.
Por que causa tanto rebuliço o pronunciamento dos artistas sobre candidatos no Brasil?
A tradição do intelectual independente, o não orgânico, vem lá do final do século 19 e chega até Susan Sontag e todos esses intelectuais que participaram e participam da vida pública. Descobriu-se que o papel do intelectual no mundo moderno é ser sempre inconveniente.
Mas no Brasil eles não são exatamente intelectuais, mas atores e cantores populares…
Essa tradição do intelectual insatisfeito, que vai de Émile Zola a Susan Sontag, é uma tradição universal – o inconveniente que pensa com sua cabeça, por sua própria conta e risco, sem grupo ou partido. No Brasil, criou-se uma bela tradição durante a ditadura, quando não havia um classe política com liberdade para falar. Nesse período, o País passou a ser pensado pelos artistas. Como tinham palco e platéia, e estavam relativamente protegidos por seu público, alguns deles usaram bravamente sua fama para defender idéias de redemocratização. Chico Buarque e muitos outros fizeram isso com brilhantismo e foi muito certo naquele momento, porque a academia estava amordaçada, políticos não tinham liberdade, a imprensa estava censurada. Isso causou uma certa distorção: a partir de então, o Brasil passou a ser pensado pelos artistas. Não há nada de pejorativo nisso. Foi uma coisa positiva, que produziu grandes pensadores, como o próprio Chico, Glauber Rocha, Caetano…
O que aconteceu com esse processo depois da redemocratização?
Quando a ditadura começou a acabar, eu dizia muito o seguinte: ‘Cuidado com a democracia, que é uma coisa difícil…’ Porque, quando se está sob uma ditadura, as opiniões são necessariamente unânimes, já que estamos todos contra ela. Então há uma grande unidade, que coloca os opiniões pessoais em segundo plano, justamente para vencermos essa ditadura. Mas, com a democracia, cada um é obrigado a dizer o que pensa e a tomar o seu lado. É isso que começa a gerar as polêmicas.
E a patrulha ideológica.
Sim. Eu usei o termo como uma piada, até porque não sou cientista político para ficar inventando teorias. Mas era uma piada tão certa que pegou. Tentou-se reduzir a criatividade do artista a uma linha ideológica precisa. E toda vez que se escapa a ela, você é punido.
A importância da opinião do artista no Brasil fez com que o acadêmico ficasse em segundo plano?
Não. Os intelectuais estão escrevendo livros, estão falando… Ainda não se acostumaram com o fato de que o outro tem direito à sua opinião. A chave da democracia é aceitar a diferença e considerar que, talvez, o outro tenha razão. Não se pode confundir discordância com implicância. Na minha relação com o Ministério da Cultura, há 2 anos, discordei do projeto da Ancinav. Discordaria novamente se viesse de novo algo parecido com aquilo. E no entanto, agora, concordei o projeto de lei que o ministro Gil mandou para o Congresso. Não tenho compromisso com o contra nem com o a favor. Essa liberdade de opinião tem de ser o papel do intelectual – e penso que é assim que tem feito a academia. A gente só não pode desejar o desaparecimento daquele do qual a gente discorda.
A discussão das idéias não consegue reanimá-lo politicamente?
Todo o mundo no Brasil é social-democrata. Mas não quero ser obrigado a ter de escolher entre o social-elitismo e o social-populismo… O meu desânimo não é com os artistas, os escritores, os intelectuais, os pensadores. Estou desanimado é com a mesmice da política. Eu saio na rua e vejo uma miséria assombrosa. Não precisa ir na favela, apenas dar um pulo na rua. Aí chego em casa, ligo a televisão, leio o jornal, e oposição e governo estão dizendo que a economia vai muito bem. Gostaria de entender o que quer dizer isso… Agora, ao mesmo tempo, sinto que existe uma consciência crescente na população brasileira de que as coisas não podem ser mais assim. O que acontece é que o Brasil melhora – não por causa de seus governos, mas melhora.
Voltando à questão da patrulha ideológica. Por que Marília Pêra e Regina Duarte ficaram tão marcadas por terem dado apoio às campanhas de Collor e Serra, respectivamente, e artistas que apoiaram Lula não se queimaram nem diante das evidências de corrupção no governo?
Não sei se essa avaliação procede. As recentes declarações do Paulo Betti e do Wagner Tiso os deixaram muito mal na imprensa… De qualquer modo, analisando a questão de um ponto de vista não partidário, tranqüilo, não sectário, é possível dizer que Lula é o político brasileiro mais amado desde Getúlio Vargas. Não tenho nenhum explicação para isso, mas veja que o Fernando Henrique fez um grande governo… Quer dizer, gostaria que tivesse havido mais transformações do que houve, mas ele acertou em muitas coisas. É um político admirado – mas amado mesmo é o Lula. As pesquisas que dão a ele essa vitória clamorosa nas próximas eleições não têm outra explicação senão essa: ele é amado pelo povo. O que se vai fazer?…
A relação do artista com o político se dá mais no campo do afeto, como sugeriu Gilberto Gil com relação a Caetano e Lula, ou estão embutidos nisso os interesses em incentivos e patrocínios oficiais?
Isso é nossa velha paranóia de procurar chifre em cabeça de cavalo. Pode até haver interesses, mas não pode ser tomado como regra. É injusto e desonesto. Mais uma vez eu cito Chico Buarque, que jamais precisou do Estado para porra nenhuma na vida dele. No entanto apóia o Lula, gosta do Lula, diz que vai votar nele. Duvido que tenha algum interesse mercantil nisso. Claro que há aqueles que concordam ou não com a política cultural do Lula e por isso vão votar ou não no candidato. Mas a democracia também é isso: ela comporta os interesses corporativos e de classe. Como votam os empresários? Naquele que estará fazendo a política econômica que lhes dê mais lucros. Não penso que isso seja um interesse escuso. É o papel deles, da mesma forma que operários devem votar naqueles que lhes protegem a renda e o emprego. Agora, o fato de a Petrobrás apoiar o meu filme não me obriga necessariamente a ser governista.
Quando Chico Buarque declarou seu voto em Lula, isso foi transformado em um grande acontecimento. Agora, ele faltou à reunião de apoio à reeleição e mereceu até um comentário do presidente. Por que suas opiniões são tão importantes assim, se até ele próprio parece desconfortável com isso?
Ele tem toda a razão em sentir-se assim. Eu mesmo não entendo por que você me telefona para saber a minha opinião política. Não sou especialista nisso. Entendo a irritação do Chico, que é muito mais pressionado do que eu para dar a sua opinião – e deve sentir-se do mesmo jeito, já que também não é um especialista…
Mas no Brasil os artistas não são os nossos grandes pensadores?
O Chico é um dos maiores artistas brasileiros vivos. Aliás, um dos maiores artistas de todos os tempos. Como isso é uma coisa consagrada e unânime no País, ele fica sempre sendo pressionado para responder sobre tudo. Mas ele não é obrigado a ter opinião sobre tudo. Eu também não sou obrigado a ter opinião sobre tudo. Não tenho mandato, não prometi nada a eleitor nenhum. O político, sim, é obrigado a prestar contas ao eleitor…
Talvez você e o Chico se sintam assim porque estejam fazendo o papel que deveria ser, por exemplo, do cientista político…
Não me sinto obrigado a esse papel. Aliás, me sinto absolutamente à vontade para lhe dizer que não tenho o menor ânimo para falar de política. Prefiro discutir o avanço da cidadania, o papel que certas comunidades estão desenvolvendo no crescimento do Brasil, independentemente do Estado. Estou muito mais interessado nesses movimentos espontâneos ou organizados da sociedade. Isso nos dá a consciência de que podemos fazer muita coisa e de que o Estado não é tudo, pelo contrário. Há 3 ou 4 anos, eu estava muito animado. Achava que estávamos indo muito bem. Depois de termos um presidente como Fernando Henrique, ter outro como Lula – isso é uma sorte e, na época, disse isso nos jornais. Mas nem Fernando Henrique e nem Lula cumpriram os meus sonhos de Brasil. E não vejo no horizonte muita coisa que me entusiasme. Então tenho o direito de perder o ânimo. Mas tem uma coisa que eu faço questão que você escreva: isso não tem a menor importância. Porque não sou político nem cientista político. Sou apenas um cineasta fazendo filmes e dizendo o que penso do mundo. Talvez eu tenha alguma autoridade, pelos filmes que fiz e por meu papel intelectual nesse País. Agora, não me peça para assinar manifestos. Não assino. Porque isso era uma arma que nós criamos durante a ditadura para nos proteger mutuamente – como a opinião era crime, escrever um manifesto com muitas assinaturas era criar dificuldade para a repressão. Hoje em dia isso não existe mais. De Sarney a Lula, não houve nada que prejudicasse o avanço democrático. Assinar um manifesto, hoje, é uma maneira de diluir a minha opinião atrás de um muro de assinaturas. Cada um que se manifeste por sua própria conta e risco. Dê uma entrevista, escreva um artigo, faça uma carta para o jornal.
Vamos dar um tempo na política e falar um pouco sobre o seu novo filme…
Eu realmente não estou interessado em política…
Você define ‘O Maior Amor do Mundo’ como ‘um road movie pelas quebradas do Rio de Janeiro’. Explique melhor do que se trata.
É a história de um homem que aos 55 anos descobre a verdadeira identidade de seus pais e o amor incrível que os uniu. Isso faz com que reveja toda a sua vida, através de uma viagem externa e interna. Assim, ele examina todos os sentimentos que evitou, achando que a razão era o único instrumento que tinha para conhecer o mundo. A viagem exterior mostra para ele o Rio de Janeiro, cidade onde nasceu mas que ele não conhece. É um road movie pelo Rio e pelo coração de um homem. Isso nos obrigou a filmar desde as praias elegantes da zona sul carioca, Ipanema e Leblon, até os confins mais miseráveis da Baixada Fluminense.
Esse personagem, interpretado pelo José Wilker, é um homem que está à beira da morte.
Sim. Na verdade, o filme é um pouco contra o fanatismo iluminista – essa idéia de que a razão vai resolver tudo e vai dar ao homem um caráter divino e um controle sobre a natureza, o mundo e si mesmo. Mas isso não vai acontecer nunca, porque no fundo somos bichos – e como bichos, imperfeitos. É preciso que a gente integre a imperfeição aos nossos projetos de humanidade. No filme, o José Wilker é um astrofísico bem-sucedido, que vive no exterior. Passou a vida toda olhando para as estrelas, tentando descobrir o mecanismo de controle do universo. E não viu a vida passar ao lado dele. Um dia, descobre que vai morrer, e que esse controle que tinha sobre ele mesmo se danou. É muito difícil resumir o que um filme quer dizer, porque quem o completa é o espectador, com sua interpretação. Mas acho que a chave está no momento em que ele vê que poderia ter sido outra pessoa.
Você trabalha com muitos atores saídos de grupos formados nas favelas e periferias do Rio. O seu encanto pela maneira com que essas pessoas têm se virado, sem nenhum apoio oficial, tem a ver com o seu desencanto com a política?
Totalmente. Lido com essas pessoas e o que elas fazem é muito superior ao que os políticos fazem. Trabalho com o Nós do Morro, que é um grupo cultural do Morro do Vidigal, desde 1993. Na época, era um pequeno grupo de teatro com 12 ou 15 pessoas, que fizeram o meu filme Veja Esta Canção. Hoje tem mais de 600 membros, com raízes na Rocinha e vários outros lugares do Rio. Já estão fazendo seus próprios filmes, por enquanto curtas-metragens. Há vários outros grupos como este – a Central Única das Favelas, onde dou aulas no curso de audiovisual, o Cinemanero, o Nós do Cinema, o Observatório das Favelas. Eles agem sem esperar que alguém aja por eles. A próxima grande novidade do cinema brasileiro, pode escrever, é o surgimento de um cinema de periferia, feito por comunidades carentes.
Isso tem a ver com a evolução da tecnologia, não?
Sim. A tecnologia digital democratizou a produção cinematográfica, e esses meninos todos estão filmando. Seus curtas-metragens são originalíssimos, porque são testemunhos de própria voz. Eles são os porta-vozes de si mesmo, e isso faz muita diferença. Um desses curtas, de um cara chamado Luciano Vidigal, lá do Morro do Vidigal, ganhou o prêmio de melhor curta no Festival de Marseille este ano. Está acontecendo uma espécie de alfabetização audiovisual, assim como a Europa se alfabetizou, na aurora do Renascimento, graças à invenção da imprensa. A tecnologia digital corresponde, hoje, à invenção daquela imprensa. Voltando ao que estávamos falando: eu tenho um grande desânimo político. Mas nenhum desânimo social. Desse ponto de vista, eu acredito que o Brasil até pode dar certo.’
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