ASTRONOMIA & POLÍTICA
A queda de Plutão, 18:43 25/08
‘Revolução no espaço sideral, seqüestrado o nono planeta do sistema solar. A mais recente aquisição (1930) numa coleção montada ao longo de séculos, também o mais distante e com menor massa, foi expulso do ranking de astros denominados planetas. O cartão amarelo foi anunciado pelos astrônomos do mundo inteiro reunidos em Praga, capital da República Tcheca.
Na cidade de Franz Kafka – território do absurdo – o rebaixado planeta-anão ganhou um prêmio de consolação: deverá emprestar o nome à nova categoria de corpos celestiais, os planetas menores, ditos plutônicos.
Cientistas às vezes lembram os poetas, são generosos. Corrigiram seus parâmetros, porém não desperdiçam o conhecimento, afinal o astro desqualificado tem uma história que remonta à antiguidade.
Na mitologia grega, Plutão é o deus do mundo subterrâneo (filho de Cronos e Réia) e, segundo os romanos, filho de Saturno e Ops, deus dos infernos. Nos idiomas ocidentais pluto (do grego) continuará significando riqueza, poder, plutocratas continuarão dando as cartas nos quatro cantos do globo enquanto no mundo Disney, Pluto, será sempre o mesmo cão do Mickey.
Tudo na mesma, esta é uma lei universal dificilmente revogável a não ser quando a eternidade abre parênteses para relatar eventos ocorridos há milhões de anos-luz. Também os mapas astrais permanecerão inexoráveis. Regozijo efetivo, só nas escolas (menos um nome para as crianças decorarem) ou talvez nos palanques com o aporte do novo estoque de metáforas suscitado pela inédita reclassificação dos astros. Apesar da aparente pasmaceira, tudo se move.
Algo se mexeu subitamente no inerte, apático e imóvel cosmos institucional brasileiro. Os sismógrafos registraram ultimamente inusitada reação aos parlamentares-sanguessugas. Surpresa geral. Enquanto as sondagens eleitorais mostram-se estáticas e inalteradas, a sociedade, de repente, parece mais indignada ou mais exigente, ansiosa por reclassificações em rankings bem mais cruciais do que a nomenclatura do sistema solar.
Ruíram magicamente as manhas e manobras protelatórias engendradas pela mesa do Senado para proteger três senadores implicados no mega-escândalo. É recorde o número de impugnações de candidaturas nos tribunais regionais eleitorais a ponto de tornar-se real o risco de exageros num furor punitivo há tantos meses represado.
Plutão foi desbancado em Praga, coração do Velho Mundo, em benefício de um melhor entendimento do espaço sideral. Não adianta olhar para o céu, mesmo com telescópios, para entender o que se passou. O ex-nono planeta, embora em outra chave, continua na mesma órbita, mesmo lugar, inalterada sua massa, tamanho, rotação (cerca de seis dias) e translação (quase 250 anos para completar a volta em torno do sol).
Plutão, no entanto, caiu do pedestal, estatelou-se, derrubado pela imperiosa necessidade de novas ordenações e novos paradigmas. Não cometeu qualquer irregularidade, estava apenas fora do seu lugar. Teve glória irrisória, durou somente 76 anos, um átimo na história do universo.
A queda de Plutão oferece lições que transcendem a astronomia e a astrofísica. Há Plutões em toda parte, para todos os gostos, nos lugares certos ou errados. A última metamorfose produzida em Praga poderá reproduzir-se em outras plagas. Basta esperar.’
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