Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Informação, lucro e credibilidade

O rompimento do contrato entre o iG e o blog Conversa Afiada, do jornalista Paulo Henrique Amorim, criou uma verdadeira celeuma. Amorim disse que foi vítima de censura. O iG defendeu-se alegando que não tinha mais interesse comercial em manter o blog do jornalista.

Na introdução de seu livro Showrnalismo, José Arbex Jr. afirma que é ‘…amplamente conhecido, lugar-comum, o fato, de em todos os países, os líderes políticos e os chefes militares planejaram suas ações calculando o tempo certo para serem apresentadas em horário nobre. A televisão adquiriu o poder de definir o que será ou não um acontecimento político’. Em razão disto haveria um enfraquecimento da fronteira entre o real e o fictício. No centro das cogitações de Arbex, portanto, está a questão da credibilidade.

A disputa entre Amorim e o iG sugere uma questão bastante pertinente. Em quem devemos acreditar? Nas empresas jornalísticas ou nos blogs?

As empresas jornalísticas são maiores, tem melhores condições humanas e tecnológicas para coletar, interpretar e difundir informações. Entretanto, as empresas têm grandes necessidades financeiras e visam ao lucro. Isto pode distorcer sua maneira de tratar informações consideradas perigosas para seus anunciantes e protegidos na administração pública. Os blogs são menores, mas são mais livres. Como não têm as mesmas necessidades financeiras e ligações que as empresas jornalísticas, podem divulgar informações consideradas sensíveis pelas suas concorrentes.

Viu o que não queriam ver

Em razão do que foi exposto, podemos concluir que a credibilidade dos jornais e dos blogs é rigorosamente idêntica. Mas faço uma ressalva. É que o próprio binômio certeza/incerteza é tão antigo quanto o homem e em grande medida explorado por diversos mitos.

Ao descobrir que matou o pai e casou-se com a mãe, Édito fura os próprios olhos. O herói trágico renunciou aos benefícios da visão, mas também privou a si mesmo da fonte de todas suas desventuras.

Cassandra, a vidente da Ilíada, vê o futuro trágico de Tróia e aconselha os troianos a não aceitarem o presente grego. Ninguém lhe dá crédito. Apesar de seus avisos, a cidade é invadida, saqueada e destruída.

Ignorado pelos troianos, o dom de Cassandra é tão inútil quanto a visão ignorante de Édipo. Ela viu um futuro que os outros não queriam ver. Ele viu algo diferente do que deveria ter visto.

Um espaço lúdico

A credibilidade dos blogs e jornais não resolve o problema da certeza/incerteza. Ao contrário, apenas o intensifica. Tentando resolvê-lo, podemos acabar colaborando para divulgar um auto-engano (divulgado num jornal ou num blog).

Que fazer? Abandonar a rede, como Édipo abandonou a visão? Usar as informações que recebemos sabendo-as inúteis, como o dom de Cassandra?

Estas são questões que não podem ser resolvidas. Desde tempos imemoriais a verdade sempre foi escorregadia. Procurando-a, acabamos cegos como Édipo ou frustrados como Cassandra. Se os jornais e blogs são mitologizantes, a única coisa saudável a fazer é mitologizá-los. Transformando-os num espaço lúdico em que o binômio certeza/incerteza é apenas uma das variáveis do jogo, podemos conservar a sanidade e empregá-la sem medo de sofrer ou causar conseqüências nocivas.

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Advogado, Osasco, SP