‘Fico à espera da segunda parte e de saber se um jornalista do Público poderia ir ao Líbano pago pelo Hezbollah, estar num hotel pago pelo Hezbollah? E, já agora, à espera de saber porque é que em tantos dias de guerra o Público não teve ninguém no Libano, ao contrário do que aconteceu em Israel. Se são limitações financeiras é grave. Quer dizer que vemos o lado de quem pode pagar ao Público as deslocações e estadia’, escreve um leitor
Solicitei um esclarecimento a José Manuel Fernandes.
‘O convite teria de ser cuidadosamente analisado. A resposta dependeria da avaliação que fosse feita do interesse dos contactos a estabelecer, da liberdade que fosse dada ao jornalista (em Israel o grupo de jornalistas pôde movimentar-se à vontade, perguntar o que quis e, entre os que foram, alguns permaneceram depois no país para tentarem realizar outros trabalhos), e de um cuidado balanceamento entre o interesse de informar e o risco associado a divulgar actividades terroristas, amplificando o seu impacto. Recordo, por exemplo, que em Espanha chegou a discutir-se se se deviam noticiar os atentados da ETA pois tal resultaria sempre numa ‘vitória’ dos terroristas, pois um dos seus objectivos é, precisamente, chamar a atenção do público.
Quando viajei para Israel a guerra no Líbano não se tinha iniciado. Havia apenas o conflito na zona de Gaza, tendo eu sido ‘apanhado’ em Telavive quando se soube do rapto dos soldados israelitas que antecedeu o conflito generalizado. Regressei a Portugal no segundo dia desta guerra. Em Lisboa foi debatido se o jornal devia, e podia, enviar jornalistas para o Líbano e Israel, já que num conflito deste tipo deve haver visões dos dois lados. Sempre assim fizemos, do Kosovo ao Iraque. Desta vez, porém, tal não sucedeu por limitações financeiras. Devo contudo recordar que antes do conflito no Líbano, o PÚBLICO esteve em Gaza, do lado palestiniano, uma vez que uma sua jornalista se encontrava de férias na região e se disponibilizou para realizar um conjunto de reportagens.
Quanto a só ver ‘o lado de quem pode pagar’, é fácil de verificar que neste conflito o Público publicou dezenas de reportagens realizadas nas diferentes frentes de batalha’, respondeu o director.
O Público recorreu a notícias de agência, exclusivos do Libération, Washington Post, Los Angeles Times e a contactos com analistas libaneses e israelitas.
O provedor considera as explicações do director aceitáveis.
‘Admirável ‘objectividade’, a do título (‘Mísseis do Hezbollah matam civis na cidade mais tolerante de Israel’) da 1ª. Página do ‘Público’ de 17 de Julho de 2006 — talvez resultado de o vosso não menos admirável director se encontrar em reportagem na Terra Santa!’, escreve o leitor Luís Imaginário.
‘Na primeira página da edição de hoje do Público, o título principal, como sabe, é o seguinte: ‘Mísseis do Hezbollah matam civis na cidade mais tolerante de Israel’.
Trata-se de um título inadmissivelmente parcial com vista a criar uma determinada opinião nos leitores, no que diz respeito ao objecto da notícia. Faz-se passar a mensagem, segundo a qual, o Hezbollah é um movimento/grupo terrorista de uma cega intolerância e que, precisamente por isso, não olha sequer a uma cidade que é ‘ a mais tolerante de Israel’. Esta mesma conclusão da minha parte é reforçada pelo conteúdo de toda a reportagem e editorial do director do Público em que faz uma clara apologia de uma das partes em detrimento das razões da outra.
Na parte da reportagem que pretende transmitir a mensagem, segundo a qual, Haifa é a cidade mais tolerante de Israel, nada é avançado a favor dessa tese parcial. Nem se refere quem o quê provam essa tese… Pelo contrário, é referido que: ‘mais de 85.000 árabes optaram por migrar para o vizinho Líbano para fugir dos conflitos existentes na região’ e que ‘em 30 de Dezembro de 1947, militantes da organização militar judaica Irgun lançaram duas bombas sobre uma multidão de árabes que se encontravam à espera de arranjar trabalho na construção civil’…Vê-se, pelo que afirma o Público, a história de ‘tolerância’ da referida cidade!…
Concluindo: ao escolher para título de primeira página o título que escolheu, o Público presta um péssimo serviço aos seus leitores, manifestando uma parcialidade indigna de um jornal que se auto-classifica de referência.
É certo que imediatamente por baixo do título maior é referido o seguinte: Raides israelitas no Líbano provocam 45 mortos e mais de 100 feridos. Contudo, esse sub-título é de tamanho muito menor e com um tom de ‘neutralidade’ face ao primeiro.
Eu gostaria que o Público dissesse aos seus leitores onde é que está a tolerância nos bombardeamentos israelitas contra mulheres e crianças inocentes… Aliás, contra populações civis inteiras… Um jornal de ‘referência’ tem a obrigação de manter uma equidistância em relação às partes em conflito e limitar-se a informar com imparcialidade!
Dado o exposto, gostaria que o senhor provedor analisasse esta exposição e a tratasse na sua coluna habitual’, propõe Pedro Miguel Almeida.
Pedi mais um esclarecimento ao director.
‘O título foi considerado infeliz na sua formulação na reunião de editores do dia seguinte. A infelicidade resultou do responsável pelo fecho do jornal nesse dia me ter contactado porque não estava satisfeito com uma formulação alternativa. O problema era: tendo as mortes ocorrido numa cidade, Haifa, que já havia sido visada por mísseis do Hezbollah antes, como dar mais conteúdo ao título. Depois de me descrever o conteúdo das várias páginas do destaque, e dizendo que neste era publicado um texto sobre aquela cidade ser considerada a mais tolerante de Israel (ideia que eu próprio já lera noutros jornais internacionais), sugeri uma formulação que integrasse essa ideia. Tal pareceu pertinente na altura, pois em Haifa vivem muitos árabes israelitas e isso não evitou que tivesse sido visada pelo Hezbollah. No dia seguinte, sem a mesma pressão e podendo ver melhor o conteúdo de todo o jornal, percebeu-se que havia formulações mais felizes, sobretudo porque a razão principal da terceira cidade ter sido bombardeada não derivava de ser ‘a mais tolerante’, mas a que se situa mais próxima da fronteira do Líbano, logo a que está ao alcance do mísseis do Hezebollah’, respondeu José Manuel Fernandes.
A opção do Público foi infeliz, eu não diria melhor. E proponho uma escolha mais rigorosa dos títulos…
‘No V/ jornal de 17/07 – 1ª pág. – aparecia a 3 colunas a seguinte notícia: ‘Misseis do Hezbollah matam civis na cidade mais tolerante de israel’ – ‘Raides israelitas no líbano provocam 45 mortos e mais de 100 feridos’.
Logo, conclusões imediatas (e sem grande esforço) que se retiram:
1 – Se o Hezbollah mata ‘civis’ e os raides israelitas provocam mortos (sem mais nada) é porque estes não são civis. De outro modo o articulista também os referiria. Ou seja a conjugação da leitura das 2 frases diz-nos: Hezbollah mata civis; israelistas matam (… militares)
2 – Os mísseis do Hezbollah matam – os raides israelitas provocam mortos Parecem situações diferentes; uns matam, os outros não (só provocam mortos)
3 – Os mísseis do… matam… na cidade mais tolerante – os raides israelitas… mortos… feridos.
Conclusão: de certeza que numa zona não tolerante.
Depois lê-se a notícia – pág.2 – e afinal constata-se que ambos matam civis e que o número de civis mortos pelos mísseis do Hezbollah ( que foi segundo a notícia o mais mortífero de todos) foi de 8 pessoas e os feridos de 53.
Ora pelo título da 1ª pág (veja-se o diferente destaque dado) se os raides israelitas tinham ‘provocado’ 45 mortos e 100 feridos então quantos não teriam sido os números de pessoas (civis) que o Hezbollah ‘matou’? Olhe se fosse pelo diferente tamanho do corpo das letras teria sido no mínimo 4 vezes mais, isto é, 180 mortos’, pergunta Manuel João Meira Fernandes da Póvoa de Varzim.
Eis a resposta do director: ‘Sobre o título principal não tenho nada a acrescentar ao já referido em anterior resposta. Sobre ‘matar’ ou ‘provocar mortos’, são duas formas diferentes de dizer a mesma coisa, sendo que é uma regra jornalística não repetir palavras em títulos. Quanto à identificação de civis ou não civis, durante este conflito as fontes israelitas identificavam sempre os mortos, davam os nomes e diziam se eram civis ou militares. No Líbano isso é muito mais difícil de fazer. Até quase ao fim da guerra nunca se falou de mortes de militares do lado libanês, mas sempre só ou de ‘mortos’ sem descriminar, ou de ‘civis’. A diferente organização dos dois Estados explica a diferença, mas basta folhear o jornal para perceber que se utilizou muito mais vezes o termo ‘civis’ do que ‘mortos’ em abstracto. Mais: hoje sabemos exactamente quantos soldados israelitas morreram, os seus nomes, idades e postos. Não há nenhuma informação fidedigna sobre quantos membros do Hezbollah morreram e não sei se alguma vez haverá’.
O provedor reconhece que as explicações factuais do director são aceitáveis.