Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Governo brasileiro atrapalha

A vida de um correspondente estrangeiro é um ato constante de malabarismo. Cabe a ele cumprir as pautas e prazos nem sempre realistas das editorias internacionais, apesar da habitual falta de suporte logístico da matriz. Cabe a ele também enfrentar sozinho a indiferença – em certos casos, antagonismo – dos governos locais com a imprensa estrangeira.

O problema é que enquanto o relacionamento com editores é algo que todo jornalista aprende a lidar instintivamente, a relação com a burocracia oficial é um processo bem mais lento, complexo e sem certos casos, insolúvel.

No caso específico dos correspondentes brasileiros nos Estados Unidos, as dificuldades decorrem em grande parte das limitações impostas pelas autoridades para a obtenção e manutenção do visto de jornalista, sem o qual é ilegal exercer a função no país. Mas antes de entoar a habitual cantilena contra o governo americano, deve-se ressaltar que algumas das restrições vigentes são em retaliação direta a condições impostas pelo governo brasileiro aos jornalistas americanos – a chamada cláusula de reciprocidade.

O assunto veio recentemente à tona com o anúncio de mudanças no procedimento para a renovação de vistos de jornalistas estrangeiros nos Estados Unidos. Basicamente, a nova regulamentação dita que correspondentes estrangeiros não podem mais renovar seus vistos de entrada – classificados com a letra ‘I’ – diretamente no Departamento de Estado em Washington, como sempre o fizeram.

Iniciativa brasileira

Os jornalistas serão obrigados agora a deixar o país para renovar o visto nas embaixadas e consulados americanos, preferencialmente mas não necessariamente, em seus países de origem. Para os corajosos, ou desesperados, existe a possibilidade de uma renovação no Canadá ou no México, mas a demora nesses centros de alto tráfego com os Estados Unidos pode prolongar-se por semanas.

Só que, para os correspondentes brasileiros nos Estados Unidos, a culpa por um antigo e maior transtorno – a validade do visto de entrada por apenas um ano – recai sobre o próprio governo brasileiro. Pode ser difícil de acreditar, mas a imposição inicial do limite de um ano partiu do Brasil. Com o correr das décadas, ninguém mais parece se lembrar do quando e do porquê exatos da medida. De qualquer maneira, os Estados Unidos apenas revidaram com as mesmas condições.

E para quem se recusa a aceitar a possibilidade do protecionismo ter partido do Brasil, é só conferir as condições recíprocas vigentes, por exemplo, entre os Estados Unidos e a Argentina: vistos de entrada para jornalistas são válidos por 5 anos (60 meses). Os mesmos prazos são válidos para outros dos nossos primos menos privilegiados na América do Sul, como Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Em contrapartida, temos o Peru oferecendo e recebendo as mesmas condições que o Brasil.

Ou seja, o habitual papel do Brasil como vítima injustiçada do imperialismo ianque não vai colar desta vez. Segundo o Foreign Press Center, um órgão do Departamento de Estado para auxílio aos correspondentes estrangeiros, o governo americano está pronto a estender a validade dos vistos. Basta que o governo brasileiro tome a iniciativa.

Com família é pior

O desafio agora é convencer o Itamaraty de que uma mera extensão na validade dos vistos não exporá o Brasil a uma invasão por hordas ansiosas de correspondentes estrangeiros. E mais importante, cabe lembrar aos diplomatas brasileiros que as regras vigentes prejudicam muito mais as dezenas de jornalistas brasileiros nos Estados Unidos do que uns poucos míseros repórteres americanos condenados por suas editorias internacionais a um exílio jornalístico no paraíso tupiniquim.

Enquanto isto não acontece, quem sofre é o pobre do correspondente estrangeiro, obrigado a suspender seu trabalho anualmente para lidar com a lentidão burocrática dos serviços consulares de ambos os países.

E a situação é proporcionalmente pior para o jornalista com família, pois as disposições draconianas são estendidas a todos os membros. Mas quem acaba arcando com a conta pesada são os não tão pobres empregadores dos correspondentes, que serão obrigados a custear viagens extras e a lidar com interrupções na cobertura internacional.

Campanhas de pressão

É claro que a postura do Brasil na questão não libera o governo americano de sua culpa parcial pelo problema. Indiscutivelmente, o país tem condições tecnológicas de continuar a renovação interna dos vistos, mesmo que para tal fosse necessário o comparecimento do jornalista pessoalmente a Washington. Em uma época de intensa atividade jornalística em função da eleição presidencial, é preferível gastar um dia na capital do país para tirar as impressões digitais para o visto do que passar até um mês no outro lado do mundo, engrossando as filas de turistas nos consulados e embaixadas. Sob o pretexto da (justificada) guerra contra o terrorismo, a medida soa como mais uma empreitada quixotesca, similar à revista nos aeroportos de passageiros octogenários ou à inspeção das fraldas de bebês, como se estes fossem ameaças à segurança nacional.

No final, a impressão é de uma competição mesquinha entre o Brasil e Estados Unidos, cujo único resultado concreto é redução da liberdade de movimento da imprensa. E como sobra, aparece uma tendência natural do correspondente de se rebelar contra a arrogância governamental, uma situação muitas vezes discernível no tom de suas matérias, sejam estas sobre o governo Bush ou Lula.

Seria mais útil agora redirecionar a revolta natural destes jornalistas – de preferência com o apoio de seus patrões – para a coordenação imediata de duas campanhas de pressão. Primeiro, por uma iniciativa do Itamaraty na extensão para cinco anos do visto de entrada dos jornalistas americanos. E depois, pela prometida reciprocidade do Tio Sam aos jornalistas brasileiros.

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Jornalista