O OhmyNews (www.ohmynews.com) foi a primeira tentativa bem-sucedida, na internet, de revolucionar o processo de garimpagem de notícias ao criar o slogan ‘cada cidadão é um repórter’. Quando o jornal online foi lançado em fevereiro de 2000, na Coréia do Sul, 727 cidadãos se apresentaram como repórteres enquanto o staff do site não passava de quatro jornalistas. Hoje, a redação tem 35 profissionais e o corpo de ‘cidadãos repórteres’ totaliza 35 mil nomes, que enviam em média 200 noticias diárias para as edições online, impressa e em vídeo do OhmyNews.
A experiência sul-coreana chamou a atenção dos especialistas em imprensa no mundo inteiro por conta do seu impressionante crescimento – e por atropelar todos os esquemas convencionais em matéria de relacionamento entre jornalistas e leitores. Apesar de ainda verem com desconfiança o fenômeno OhmyNews, instituições veneráveis como o New York Times e a BBC passaram recentemente a olhar com outros olhos a participação dos leitores no processo de coleta de informações. Na esteira do escândalo Jayson Blair, o NYTimes criou, em março, o cargo de editor do público (http://forums.nytimes.com/top/opinion/ readersopinions/forums/thepubliceditor/danielokrent/index.html), onde o jornalista Daniel Okrent conversa com leitores do jornal pelo correio eletrônico e seleciona contribuições que depois leva aos seus colegas da Redação. A função é muito parecida com a de um ombudsman, com a diferença que é mais focada na produção de notícias.
Por seu lado a BBC, depois da exitosa experiência com um weblog fotográfico sobre a guerra no Iraque, quando pediu que seus ouvintes mandassem fotos de manifestações pacifistas, adotou agora em seu site noticioso a consulta ao público como procedimento quase rotineiro. Depois de dar as informações recolhidas por seus repórteres, a emissora pede adendos e comentários de quem está ou esteve no local dos acontecimentos. As informações recebidas são publicadas, em seqüência, abaixo do texto principal. (Veja um exemplo em http://news.bbc.co.uk/2/hi/middle_east/3664811.stm).
Valor simbólico
O fenômeno do cidadão-repórter não é novo e nem um privilégio de nações ricas. Há mais ou menos 20 anos, o brasileiro Juarez Maia coordenou em Moçambique um projeto patrocinado pelo Unicef para produção de um jornal orientado para camponeses. O jornal começou com quatro páginas, das quais metade de uma delas era dedicada às cartas de leitores. Em dois anos, O Campo passou a ter 16 páginas, todas elas com cartas. Os editores descobriram que as narrativas enviadas por leitores eram muito mais interessantes e ricas do que as reportagens feitas por jornalistas que não conheciam o local. Além disso, os leitores se identificavam mais com os chamados ‘correspondentes populares’, o que quadruplicou a circulação do jornal.
A internet permitiu que a fórmula do cidadão-repórter ganhasse uma dimensão muito maior ao agilizar enormemente a interação entre jornalistas e público. Mas foi o fenômeno dos weblogs que criou ferramentas que deram ao usuário da web a capacidade de publicar suas opiniões e informações de forma fácil e imediata. O OhmyNews foi ainda mais longe ao incorporar pessoas comuns na produção de notícias de atualidade num veículo jornalístico.
Os milhares de repórteres do jornal sul-coreano enviam suas notícias pela internet direto para a redação, onde a quase totalidade do pessoal começou como colaborador free lancer. O material é revisado e minimamente checado antes de ser posto no site. A partir daí começa um processo de avaliação da informação pelos próprios leitores, cujos comentários, correções e adendos influem diretamente na relevância que o tema assume na pauta do jornal. Todo o processo é acompanhado pelo staff permanente, que é também responsável pela produção de matérias de agenda não cobertas pelos cidadãos-repórteres.
O grande desafio é o da autenticidade das informações enviadas pelos amadores. Oh Yeon Ho, 38 anos, fundador e editor-chefe do OhmyNews, admite que este é o grande calcanhar de Aquiles do jornal mas explica que o índice de erros é menor do que os cometidos pelos demais jornais coreanos, que publicam apenas notícias recolhidas por jornalistas profissionais, segundo uma pesquisa acadêmica realizada no ano passado.
A grande diferença em relação à mídia convencional são as variações de qualidade entre os textos publicados. Eles não seguem um padrão único, refletindo a diversidade dos colaboradores. Os editores só alteram o texto original quando a compreensão é comprometida.
O colaborador responsável por uma notícia publicada recebe o equivalente a um dólar por matéria. É um valor quase simbólico, compensado largamente pelo prestígio social adquirido pelo autor junto aos seus vizinhos e colegas de trabalho. Atualmente cerca de 15 milhões de pessoas visitam diariamente o site do OhmyNews. É algo como 35% da população sul-coreana, e mais do que a soma da circulação diária dos dois maiores jornais impressos do país.
Sujeito ativo
Outra curiosidade é a situação financeira do OhmyNews. Oh, um ex-repórter de revistas alternativas na Coréia do Sul e doutorando em Jornalismo pela Universidade de Seul, diz que atualmente o site fatura em média 2,2 milhões de dólares (6,38 milhões de reais) por mês com publicidade e contribuições do público, para um gasto de 2,1 milhões de dólares (6,09 milhões de reais), tendo um superávit mensal de 100 mil dólares. O equilíbrio nas contas foi alcançado em 2003, quando a equipe permanente passou a receber salários fixos (em média 30% inferiores ao dos demais jornais do país).
O mesmo modelo está sendo seguido por duas outras experiências de jornalismo baseadas em cidadãos-repórteres. Em fevereiro de 2003 surgiu no Japão um site noticioso atendendo pelo curioso nome de JanJan (http://www.janjan.jp/), criado a partir de um fundo de 1 milhão de dólares reunido por Ken Takeuchi, um ex-prefeito e ex-repórter desiludido com a política e com o jornalismo convencionais. O JanJan ainda está longe dos vistosos resultados exibidos pelo OhmyNews, porque os japoneses acessam muito menos a internet que os sul-coreanos, e têm também uma cultura política muito mais avessa à novidades. Para compensar, o projeto está apostando no noticiário para usuários de celulares multimídia, setor em que o Japão lidera as estatísticas mundiais de uso.
A outra experiência recente é o GoKoskie (http://mesh.medill.northwestern.edu/goskokie/), um jornal online que propõe oferecer ‘notícias para o povo pelo povo’. Trata-se de um projeto conjunto do curso de Jornalismo da Universidade Northwestern, de Illinois, e da empresa Advance Publications, responsável pelos sites da editora Condé-Nast, uma das maiores dos Estados Unidos.
Lançado em meados de abril passado, o site aplica a fórmula do cidadão-repórter no desenvolvimento de um projeto de jornalismo local na localidade de Skokie (64 mil habitantes), localizada ao norte de Chicago. A estrutura adotada é muito semelhante a de um weblog comunitário, no qual as colaborações e respectivos comentários são publicados em ordem cronológica. O diferencial é a automação do processo de publicação.
As sucessivas experiências sobre incorporação do público na produção de notícias ainda não podem ser consideradas definitivas, apesar dos resultados obtidos por projetos como o do OhmyNews, título inspirado na expressão ‘Oh my God’ (Ah meu Deus).
Tudo indica, no entanto, que elas são as precursoras de uma revisão profunda nos paradigmas editoriais contemporâneos e no papel desempenhado pelos jornalistas na produção noticiosa. Um processo no qual Oh Yeon Ho, criador do OhmyNews, surge como um visionário ao prometer ‘o abandono completo da cultura jornalística do século 20’, mediante a ‘transformação de cada cidadão num sujeito ativo na produção e distribuição de informações’ – conforme o manifesto de lançamento do OhmyNews, cuja íntegra está em http://www.ohmynews.com/articleview/article_view.asp?menu=04219&no=153109&rel_no=1)
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Jornalista e pesquisador de mídia eletrônica; e-mail (cacastilho@brturbo.com)