Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Executar primeiro, julgar depois

Na primeira página, acima da dobra, o lugar mais nobre de um jornal, saiu a notícia de que um cavalheiro afirmava ter mantido relações homossexuais com o padre Júlio Lancellotti, que o acusa de extorsão. Poucos dias depois, o mesmo cavalheiro negou ter tido relações sexuais com o padre. Saiu numa página interna, no canto inferior direito. A acusação mereceu um título grande; o desmentido, um título pequenininho, pequenininho. A acusação é feita em manchete, o desmentido precisa ser lido com lupa.

Estamos no país das maravilhas: aquele da Alice, onde a Rainha Má primeiro mandava matar e depois providenciava o julgamento. E a culpa não é de promotores, juízes, delegados: é nossa, dos jornalistas, que aceitamos como verdade divina tudo o que provém de fontes oficiais e reduzimos à expressão mínima ‘o outro lado’ – que se transforma, de elemento essencial à apuração dos fatos, numa obrigação chata, cumprida burocraticamente e com muita má vontade. Com alguma freqüência, o sujeito acusado de matar esposa e filhos informa que é estéril, não é casado, vive com um estivador e, aliás, tem nojo de mulher; e a defesa acaba saindo nos meios de comunicação como ‘ele nega as acusações’.

Vale ler, além deste Observatório, a excelente coluna do ombudsman da Folha de S.Paulo, Mário Magalhães, e o trabalho, também de ótima qualidade, de Mário Vitor Santos, ombudsman do iG. Na nota abaixo, uma transcrição do ombudsman do iG, referindo-se à condenação prévia dos suspeitos pela imprensa.



Acredita demais

‘Como nas outras ocasiões, as versões da Polícia Federal são reproduzidas docilmente por jornalistas e seus veículos, inclusive este iG. Agentes, delegados, promotores recebem amplos espaços. Suspeitos viram criminosos. Suposições transformam-se em verdade. Jornalismo malfeito vira presa fácil para a manipulação da opinião pública. A versão dos acusados é escondida quando não simplesmente omitida. Ninguém pergunta: e se a polícia estiver errada? E se for um mal-entendido? Ninguém fiscaliza a competência e os procedimentos das autoridades. É um processo sumário, num tribunal de exceção, sem direito a contraditório nem apelação. O réu não tem direitos. A condenação é imediata e eterna. O direito do cidadão, de ser inocente até prova em contrário ou, melhor, até condenação definitiva em última instância, após exercer todos os seus direitos de defesa, é ignorado pelos meios de comunicação manipulados pela polícia.

‘O iG acreditou, quando devia ter duvidado.’



Silêncio cúmplice

Um colega nosso, do iInterior de São Paulo, sofreu o segundo atentado em menos de seis meses, provavelmente pela campanha que move contra a máfia dos caça-níqueis – que, apesar de todas as proibições, continua espalhando suas máquinas. A imprensa cobriu bem o atentado; as notícias foram publicadas no Brasil e no exterior, e obtiveram ampla (e merecida) repercussão nos boletins de entidades internacionais como a SIP, Sociedade Interamericana de Imprensa, e Repórteres sem Fronteiras.

E daí? Daí, nada. Embora o crime tenha sido filmado, embora haja testemunhas capazes de reconhecer o criminoso, a polícia civil paulista não achou nem aquele ‘dimenor’ de praxe, que confessa qualquer coisa após o hábil interrogatório. O governador José Serra, que em última instância é o comandante desta polícia, nada falou sobre o tema. Por que não se manifesta, por que não monta uma equipe especial, afastada do cenário onde atua a máfia dos caça-níqueis, para investigar o caso? E o ex-governador Geraldo Alckmin, primo da vítima do atentado, nada tem a dizer sobre o crime organizado que atua no Vale do Paraíba, seu berço eleitoral? E o Ministério Público, setor de combate ao crime organizado, não quer saber de investigar um caso visivelmente ligado ao crime organizado?

E nós, jornalistas, vamos deixá-los em silêncio? Caberia aos veículos de comunicação mostrar o acoelhamento das autoridades. E cabe a nós, jornalistas, pelo menos defender-nos: cada jornalista é uma vítima potencial dos mafiosos.



Boa notícia

O bom jornalista Paulo Moreira Leite, depois de um tempinho no governo, está de volta à imprensa, com uma excelente reportagem sobre o rabino Henry Sobel. Sua volta ao jornalismo é uma notícia que merece ser festejada.



Ah, essa falsa cultura!

Uma notícia procura ressaltar a falta de conhecimento de português do presidente Lula. Transcreve uma frase que disse e, em seguida, vem o ‘sic’, significando que foi dita daquele jeito mesmo.

Só que a frase – ‘É para o pessoal saberem (sic)’ – não está errada, não. Em português, a concordância pode ser feita com o substantivo ou com a idéia que ele representa. A isso se chama ‘concordância ideológica’ (ou silepse de número). Como ‘pessoal’ é coletivo, expressa a idéia de plural, e a concordância pode ser feita com o plural.

Talvez Lula não saiba disso, mas é uma forma clássica, que pode ser encontrada desde o latim – por exemplo, em Júlio César, no De Bello Galico.



Como…

O pessoal gosta (ou, como queiram, ‘o pessoal gostam’) de falar do presidente Lula. Mas veja o que está no portal de um grande jornal:

** ‘Assaltantes que mantêm reféns em SP mata cachorro de casal’.

E não é só: logo no subtítulo, a matéria informa que os bandidos invadiram casa em São Carlos. Não é nada disso: a casa é no Jardim São Carlos. São Carlos é uma cidade grande, e Jardim São Carlos é um bairro da capital.



…é…

As duas informações constam do mesmo texto, a respeito das cadeias do Pará:

** ‘Vídeo que mostra uma jovem sendo violentada por detentos’

** ‘PA: menor e doente violentado na prisão’

Afinal, a vítima é menino ou menina?



…mesmo?

** ‘Flávia Alessandra dançando num tapa-sexo’.

A atriz é capaz de dançar em espaço efetivamente minúsculos.



Enrolando-se

Há dias, o governador José Serra tumultuou a capital de São Paulo, parando carros com placas de outros estados para verificar se eram mesmo de fora ou se o emplacamento tinha sido fraudado. Muita gente, com efeito, dá um jeito de emplacar o carro em cidades onde os impostos são mais baixos, como Palmas ou Curitiba. E São Paulo, em vez de baixar o imposto, usa a polícia.

Só que Marcelo Tas, em seu blog, publicou foto de um carro com placa de Curitiba a serviço da estatal paulistana CET. A explicação da estatal é magnífica: lembra aqueles textos que Madame Natasha, do Elio Gaspari, gosta de explicar aos leitores. Vamos a um trecho:

‘Informamos que o veículo placa DIH 0250, de Curitiba, cuja foto foi exibida no UOL/Blog do Marcelo Tas, não pertence à frota da Companhia de Engenharia de Tráfego-CET e nem está ligado a contratos de serviços desta companhia. O veículo em questão foi contratado pelo Consórcio Via Amarela e presta serviços de apoio nas interdições e bloqueios realizados ao longo dos trechos de toda a obra do Metrô, conforme solicitado pela CET.’

Como explicaria Madame Natasha, o que ele quis dizer é que o carro não é nosso, mas é nosso.



Completando

Um leitor de Tas, Rodrigo Lombardi, viu um carro com placa de Curitiba com adesivo esclarecendo que estava ‘a serviço da Prefeitura de São Paulo’. E pede: ‘Que as leis se façam valer para todos’. Mas as leis valem para todos, Lombardi. Só que para alguns não são aplicadas.



E eu com isso?

O caro leitor pode se tranqüilizar: esta coluna lhe traz algumas notícias palpitantes e quentes, sem as quais se torna impossível viver. Vejamos:

1. ‘Roger curte a noite sem Débora Secco’

1. ‘Sabrina Sato curte a praia’

1. ‘Andrucha Waddington assiste ao show de Maria Bethânia’

1. ‘Julia Roberts discute com fotógrafo’



O grande título

Nesta semana, há um imbatível:

** ‘Ex-campeão de xadrez deixa a prisão’

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados