Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ensino, mercado, teoria, prática e equívocos

O ensino está em crise. O jornalismo está em crise. A palavra crise está em crise. Seu uso indiscriminado faz com que um termo que semanticamente remete a uma situação limite se esvazie em conjunturas equivocadas. Porém não vivemos no melhor dos mundos possíveis e o contexto é bem sintomático. ‘Novas tecnologias, o novo papel do jornal impresso, a redução do quadro nas empresas jornalísticas, a queda no consumo dos jornais são fatores que colocam a profissão e, conseqüentemente, a formação universitária em discussão, em crise’ (ver ‘Jornalismo é muito mais do que técnicas‘). Aí está ela novamente nas palavras do presidente do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo, FNPJ, Gerson Luiz Martins, em uma entrevista para o boletim eletrônico e-Fenaj.

Como em uma lógica natural, todo problema tem sua causa. É então que uma grande salada de mitos, teorias ultrapassadas, aristocratismos, vanguardismos aparecem disseminados em artigos via internet, discursos de palanque, conversas de botequim. Discordâncias e concordâncias, em um paralelo que se estende desde a antiguidade até hoje, teoria e prática, cada uma com seus devidos arautos, com fórmulas eficazes para desenvolver uma formação universitária sólida.

Teoria não vende

O Brasil é um dos únicos países a exigir o diploma de jornalista. Tal fato resulta em uma expansão constante de cursos de nível superior por todo o território. Calculam-se mais de 300 em funcionamento. Quantidade não corresponde à qualidade, como trata o senso comum. O jornalismo acaba fragmentado em ‘fabriquinhas imorais de diplomas’, como aparece em uma tirinha na internet.

O ensino superior como um todo precisa de uma revisão. Mas esse processo parte de que âmbito?

Normalmente, em um ambiente que gosta de termos como globalização, progresso tecnológico e consumo, sempre se aponta para uma lógica de acompanhar o mercado, como pretexto de assim ser a realidade. É nesse momento que a formação crítica balança. O mercado soa como uma entidade magnânima, termômetro que está além da ética. Na balança pesa mais a prática, pois para que serve a teoria a não ser para encher lingüiça no currículo dos cursos? Teoria também não vende. E dá-lhe fabriquinhas… – que se expandem a torto e a direito, tendo laboratórios excelentes como chamarizes, com professores capengas e alunos que pensam estarem ali para realmente comprar uma vaga de emprego.

‘Tensões e conflitos’

Não só nas faculdades de comunicação privadas, mas também nas públicas, encontramos um problema comum que está relacionado com algo que é tido como um romantismo ingênuo, nesses tempos práticos: a vocação. De um lado, as alunas misses, as atrizes/modelo que pretendem uma carreira televisiva. Do outro, os que não queriam ser professores, mas acabaram professores – e que se perderam da dinâmica do mercado.

Certo que ainda restam, talvez nem sejam poucos, aqueles que são ‘jornalistas’ e assim desejam passar o amor pela profissão para frente, para alunos que ainda acreditam mudar o mundo com algumas linhas ou imagens. Porém, como a alma das ruas pende quem tem gosto pelo ramo, isso faz com que muitas vezes carteiras, livros e giz se tornem no mínimo maçantes. Elementos subjetivos quebram com estruturas objetivas. É então que docentes de outras áreas, com formação para o ensino e vontade, se integram às escolas de Jornalismo, porém sempre lhes faltando o contraponto prático à teoria.

O professor José Marques de Melo, considerando a média dos profissionais jovens, diz que se pode traçar um perfil destes. ‘Eles possuem conhecimentos básicos da atividade jornalística, mas não desenvolveram habilidades para manejar as novas tecnologias e tampouco armazenaram conhecimentos humanísticos que os capacitem a compreender de forma integral os fatos que geram notícias’ (ver aqui). Porém, segundo ele, ‘as universidades não têm sido ágeis para acertar o passo com a sociedade. A velocidade das engrenagens midiáticas contrasta com a lentidão da vida acadêmica, produzindo tensões e conflitos’ (idem).

Dificuldades e desafios

O jornalista Antônio Brasil, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, trata o curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina como exemplar em matéria de estruturação. ‘Na UFSC, a tal `teoria do jornalismo´, ou a `teoria do sapato´, como tão bem descreve o professor Nilson Lage, está devidamente contida no interesse particular de alguns alunos e professores. Nada contra. Ensinar teoria dos outros, importada dos grandes centros, é sempre mais cômodo e fácil. Mas criar condições ideais para que o aluno possa praticar as técnicas estabelecidas e experimentar novas linguagens deveria ser prioridade das instituições de ensino brasileiras’ (ver aqui).

Porém, o drama de uma formação completa não está somente em dominar técnicas. A submissão do processo de aprendizagem a um pragmatismo tecnicista é no mínimo reducionista. O presidente do FNPJ destaca que ‘se alguns estudantes de jornalismo consideram que aprender técnicas de jornalismo qualifica para a atividade do jornalismo, não para o exercício profissional, não há necessidade de fazer um curso universitário’ (ver aqui).

‘Por que os estudos teóricos contribuem pouco para melhorar o jornalismo? Deve ser porque os jornalistas lêem pouco sobre eles’ (ver, neste Observatório, entrevista de Nelson Traquina), acredita o professor catedrático em Jornalismo do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Nova de Lisboa, Nelson Traquina. Ainda segundo ele, o ensino tem que estar voltado para ‘primeiramente, sublinhar a complexidade do jornalismo e as dificuldades e desafios para o exercício da profissão. Seus limites. Ajudar a compreender os fatores que condicionam esse trabalho’ (idem).

Tecido social complexo

É justamente nessa atenção da complexidade da prática jornalística que está a necessidade da revisão teórica. Teoria não é um calhamaço de manuais de redação xerocados, ou a apresentação de modelos comunicacionais, a história de inúmeras escolas, como se o pensamento fosse linear, com começo, meio e fim. A formação humanística, que pelo menos devia estar englobada na Teoria da Comunicação e do Jornalismo, é o diferencial da capacitação superior. Caso contrário, um pós-técnico de dois anos já daria conta das necessidades de manuseio de instrumentos da tecnologia avançada.

Como bem coloca o jornalista e escritor Moisés Viana, ‘uma análise do jornalismo não é apenas um olhar sobre a técnica a partir da teoria, mas também o desejo de programar nessa prática comunicacional uma qualidade, um sentido profundo, um saber necessário. Em outras palavras, transformar o jornalismo em algo realizador e humano, superando a mesmice repetitiva de uma ação que pode alienar, escravizar e embrutecer a quem elabora e a quem recebe as notícias’ (ver, neste OI, ‘Uma ciência complexa, ética, estética e social‘).

Em uma resenha de um blog, desses tantos que tratam de cultura pop, o autor lembrava um acontecimento de sua sala de jornalismo, envolvendo a seguinte notícia: ‘Um juiz dizia ser desnecessária a obrigatoriedade da formação superior para jornalistas já que estes não mexiam com vidas, como um médico.’ A isso, o seu professor rebateu em sala: ‘Ok, amanhã vou publicar no jornal que a irmã desse juiz é lésbica e que a mãe dele é uma prostituta. Não tenho nenhuma responsabilidade com a vida de ninguém, não é mesmo?’

O jornalismo em si está além do meio. Seja ele televisão ou jornal impresso, internet ou rádio, seu compromisso está com a mensagem. É claro que a forma é essencial, o desenvolvimento de pesquisas sobre os formatos mais adequados, a linguagem mais apropriada para determinado veículo, assim acontece o desenvolvimento junto à tecnologia. Porém, o que observamos é que não se deve perder a essência jornalística, nem deixar de lado a complexidade do tecido social, já que a informação não é só mais um produto como os outros. Formação de qualidade não é só saber o que fazer e como fazer, mas também o por que fazer.

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Estudante do 4º ano de Jornalismo e do 3ª ano de Letras Português e suas Literaturas, da Universidade Estadual do Centro-Oeste, Guarapuava, PR