Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quanto você paga pelo privilégio de receber publicidade?

Não sei se existe esta regra escrita em algum manual de ética ou de bom senso, mas aprendi que deve haver uma proporção razoável entre a publicidade e a matéria jornalística publicada por um veículo. Num jornal ou numa revista, a proporção máxima tolerada, se bem me lembro, seria de 30 % de publicidade.

Perturbado pelo crescente volume de publicidade, que tem aumentado o peso dos jornais sem aumentar a quantidade da informação contida, notadamente desde que se iniciou o atual boom imobiliário, resolvi medir essa proporção. Para não ir ao extremo, evitei a edição dominical e tomei a edição de sábado (1/12) de um dos nossos jornalões. Somei a centimetragem de anúncios: deu 25.005 cm/coluna. Somei também o espaço ocupado pelo conteúdo – 10.836 cm/coluna.

A proporção é de quase 70% de publicidade! Em alguns cadernos a proporção chega a 84% e mesmo 89%. E isso sem levar em conta os cadernos de classificados, que podem ser entendidos como um serviço, ou aqueles cadernos e suplementos que não são de jornalismo e sim de promoção das atividades de certos setores, como informática e turismo. Também não somei as agora freqüentes sobre-capas publicitárias de caderno.

Mensagens comerciais

Verifica-se, portanto, uma subversão de valores. Os jornais, que eram veículo de informação e portavam alguma publicidade, tornam-se veículo de publicidade portadores de alguma informação. E nós compramos esse veículo, isto é, pagamos para ser o público-alvo dessa publicidade. Seria justo que também aqui ocorresse uma inversão: o jornal passaria a pagar pelo privilégio de nos ter como seus leitores e nos incluir nos números de sua circulação paga, que é o que ele comercializa. O jornal deveria pagar a você uma mensalidade para tomar a sua assinatura, caro leitor!

Nossos maiores jornais sempre se inseriram na elite da imprensa ocidental, onde estão, por exemplo, The New York Times, El País, The Times, Le Figaro, The Washington Post. Não é possível imaginar jornais dessa categoria transfigurados em meros catálogos de anúncios. Acredito que a principal ameaça à sobrevivência da mídia impressa não está na mídia eletrônica e sim na subordinação da missão do jornalismo aos interesses comerciais da empresa.

A desproporção entre conteúdo e publicidade verifica-se também em outros veículos de comunicação de massa. Na nossa televisão, a lei limita a publicidade a 25% do tempo: 15 minutos em cada hora. Mas essa lei é cumprida? Existem canais que transmitem só e exclusivamente publicidade. E existe a publicidade dissimulada, o merchandising. De qualquer forma, é mais fácil assimilar a noção de uma televisão disseminadora de mensagens comerciais do que admitir uma imprensa transformada simplesmente nisso.

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Comunicólogo, São Paulo, SP