Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalista absolvido, jornal condenado

O Jornal Já, de Porto Alegre, foi condenado a pagar indenização de R$ 31.654,33 à mãe do governador Germano Rigotto, Sra. Julieta Diniz Vargas Rigotto. A sentença é do juiz Giovanni Conti.

A reportagem ‘O caso Rigotto – Um golpe de US$ 65 milhões e duas mortes não esclarecidas’, publicada no Jornal Já em maio de 2001, já fora examinada pela Justiça, nos autos de uma ação criminal proposta por Julieta Rigotto, mãe do governador gaúcho Germano Rigotto. Em primeira instância, a juíza Isabel Rocha julgou improcedente a acusação contra o autor, Elmar Bones, de calúnia, difamação e injúria à memória de Lindomar Rigotto, irmão do governador e personagem central da reportagem.

Em dezembro de 2003, a apelação de dona Julieta à 5ª Câmara Criminal do TJ-RS foi derrotada por voto unânime de sete desembargadores. Eles consideraram que ‘em nenhum momento o texto estava contaminado pela inverdade’, acrescentando que ‘existe inquestionável interesse público’ e que (na reportagem) ‘revela-se a clara intenção de narrar fatos (…) sem descer às raias do insulto e da ofensa à honra do falecido’.

O caso parecia encerrado. Mas, não satisfeita, dona Julieta foi à Vara Cível contra o Jornal JÁ, pedindo indenização por danos morais. Em primeira instância nova absolvição. Entretanto, em recurso, o juiz Giovani Conti condenou o jornal – e não Bones, o autor da matéria.

Gerente de fato

A matéria que deu origem aos processos foi premiada pela Associação Riograndense de Imprensa em 2001. Ela traça um perfil do empresário Lindomar Rigotto, assassinado com um tiro na manhã de Quarta-Feira de Cinzas do Carnaval de 2001, durante perseguição a quatro homens que tinham assaltado uma de suas boates, na Praia de Atlântida.

Quando morreu, Lindomar estava com todos os seus bens indisponíveis por causa de um processo sobre desvio de verbas públicas. Em dezembro, ele fora também indiciado pela morte de uma prostituta de 24 anos – ela caiu, nua, da janela do apartamento dele na Rua Duque de Caxias, no centro de Porto Alegre, em circunstâncias nunca esclarecidas. Com a morte dele, o caso foi encerrado.

Os problemas de Rigotto com a Justiça começaram em março de 1987. Ele assumiu o cargo de ‘assistente da diretoria financeira’ da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), indicado pelo irmão Germano, à época líder do governo Pedro Simon na Assembléia Legislativa. Segundo depoimento de Alcides Saldanha, então secretário de Minas e Energia, em CPI da Assembléia gaúcha, ‘houve resistência à indicação do nome, mas o irmão exigiu a nomeação’.

O assessor se tornou um gerente de fato da CEEE. Negociou dois contratos da estatal no valor de 145 milhões de dólares com dois consórcios de 11 empresas, para construção de 11 subestações de energia.

Contratos suspensos

No fim do mesmo ano apareceram indícios de irregularidades nos contratos. No ano seguinte, Dilma Rousseff, hoje na Casa Civil de Lula, assumiu a Secretaria de Minas e abriu sindicância, comprovando as irregularidades. Auditores concluíram que a CEEE fora lesada em 65,9 milhões de dólares. Somente em maio de 1995 a oposição conseguiu assinaturas para abrir uma CPI – a esta altura, Lindomar Rigotto não estava mais no governo. Estava dono da rede de casas noturnas Ibiza.

A CPI durou ano e meio e concluiu que houve ‘prática de enriquecimento ilícito por parte de Lindomar Rigotto’. O sigilo bancário dele foi quebrado e encontrados em sua conta valores de fonte não-esclarecida. As 11 empresas do consórcio foram condenadas ‘por conluio para lesar os cofres públicos’.

Ainda na CPI, outro implicado, o diretor da CEEE Silvino Marcon, revelou que parte do dinheiro flagrado em sua conta era proveniente de ‘sobras de campanha’, indicando que o desvio fora usado em campanhas do PMDB – a investigação não identificou os beneficiários do desvio.

Os contratos foram suspensos em dezembro de 1994, depois que a CEEE já tinha pago aos consórcios 141 milhões de dólares, dos quais 42 milhões por superfaturamento e avaliação indevida da correção monetária. A CPI concluiu que Lindomar Rigotto fora o ‘verdadeiro gerente das negociações dos dois consórcios’. O caso foi à 2ª vara da Fazenda Pública em abril de 1999 – onde corre até hoje, em segredo de justiça.

Vinte anos em agosto

Na terça-feira 29 de setembro de 1998, um corpo de mulher foi encontrado no pátio do edifício Solar Meridien, na Rua Duque de Caxias. Ela caíra do apartamento de Lindomar Rigotto, do nono andar. O empresário foi visto pelos porteiros saindo do prédio na hora da morte. No dia seguinte um advogado dele compareceu à polícia para comunicar o suicídio da mulher, Andréa Viviane Catarina, uma garota de programa.

Um informante anônimo disse à polícia que ela tinha sido jogada pelo empresário. Uma testemunha disse que viu Lindomar na janela no momento da queda. Ele foi indiciado – mas com sua própria morte o caso foi encerrado.

O Jornal Já completa 20 anos em agosto e é editado por Elmar Bones da Costa, jornalista com passagens por diversos veículos do centro do país, entre eles, Gazeta Mercantil, Veja e Estado de S.Paulo. O é um jornal independente, sem rabo preso, e foi o vencedor do Prêmio Esso na categoria Reportagem em 2004, sendo uma resistência ao monopólio da RBS no estado. Faz parte da Editora JÁ, que publica livros e ainda mantém uma agência de notícias ambientais (www.ambienteja.com.br) na internet. A empresa emprega hoje em sua equipe 15 jornalistas formados e mais uma dezena de estagiários e colaboradores freelancers.

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Editor da Ambiente JÁ (www.ambienteja.com.br), agência de notícias ambientais