CRISE POLÍTICA
‘A pressão da mídia não é nova’
‘O presidente da Câmara rebate as críticas à convocação extraordinária de deputados e senadores
Presidente da Câmara há pouco mais de três meses, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) está sob bombardeio desde 16 de dezembro, quando foi decidida a convocação extraordinária do Congresso. Diariamente, a imprensa bate nas imagens do Plenário vazio e pergunta se, por R$ 100 milhões, valeu a pena chamar os deputados para trabalhar nas férias. Aldo lembra que, em seus 16 anos de atuação parlamentar, só em três não houve convocação. ‘Não estou arrependido, mas temos que mudar as regras’, diz. Essa mudança está escrita em um projeto de lei que deverá ser votado até o dia 15 de fevereiro, quando acaba a convocação. Caso seja aprovado, deputados e senadores deixarão de ter três meses de recesso, mas somente 45 dias de férias. Para o presidente da Câmara, os deputados trabalham mais que a média dos brasileiros. E Aldo vê nos interesses comerciais o cerne do desgaste atual da imagem do Legislativo.
CartaCapital: A convocação extraordinária é mesmo necessária?
Aldo Rebelo: A convocação atrapalha mais do que ajuda. O Congresso não é como uma linha de montagem de quinquilharias políticas, mas uma casa de representação popular onde se discute e se pondera a realidade brasileira, com todas as suas mazelas, desequilíbrios e desigualdades.
CC: O que o senhor acha da idéia, muito difundida, de que os parlamentares brasileiros têm férias demais, de quase três meses por ano?
AR: O recesso deve existir, é necessário em alguns casos, embora de menor duração, porque é preciso que o parlamentar tenha contato com a população que representa. Tem de ir até ela, em algum momento, para debater a atividade legislativa e os problemas do País. Mas, de qualquer forma, existe mobilização na Câmara para aprovar ainda na convocação extraordinária o projeto que reduz o recesso parlamentar de 90 para 60 ou 45 dias.
CC: Mesmo assim, não é muito mais folga que a maioria dos trabalhadores do País tem?
AR: Se for computar, à exceção dos trabalhadores braçais, os deputados trabalham acima da média dos demais brasileiros. Porque existe uma visão corriqueira de que os parlamentares só trabalham quando estão no Congresso, de terça a quinta-feira. Não é verdade.
CC: Por que a imprensa insiste em mostrar o fracasso da convocação?
AR: As corporações privadas sabem que o povo influencia na vida do parlamentar, daí essa pressão diária, no noticiário, do Plenário vazio, dos R$ 100 milhões gastos com a convocação. Porque o povo pode mudar o Congresso, mas não uma empresa, um jornal ou uma tevê.
CC: Como assim?
AR: Um dia eu estava viajando com o presidente Lula e o ministro Luiz Fernando Furlan (do Desenvolvimento) e soube de uma coisa incrível: o Brasil paga, diariamente, R$ 600 milhões de juros da dívida interna. São R$ 600 milhões por dia! Faz isso sem nenhuma pressão da mídia, sem o noticiário informar, todo dia, que isso é uma situação vergonhosa. Nada.
CC: Mas R$ 100 milhões a mais para parlamentares, em uma convocação de Plenário vazio, não é muito dinheiro?
AR: É claro que R$ 100 milhões é bastante dinheiro. Toda despesa do País tem de ser proporcional, e essa é inerente ao Poder Legislativo. Eu acho que não deve haver convocação extraordinária, e, se houver, não deve ser paga. É uma resposta política que o Congresso deve dar ao povo. Estou certo de que o projeto de lei nesse sentido será aprovado. Não pelos motivos que a mídia apregoa, mas porque num país tão desigual é importante o Legislativo ter gestos políticos emblemáticos.
CC: A mídia, para o senhor, tem um papel maléfico nessa circunstância?
AR: A pressão da mídia não tem nada de novo. Em um país desajustado como o nosso, os reflexos acabam sendo ruins em tudo, inclusive nas empresas. Temos uma indústria mais ou menos próspera com muitos interesses, mas que não se consideram instituições nacionais.
CC: O comportamento de certos parlamentares não contribui para esse desgaste?
AR: É evidente que alguns congressistas, como certa vez disse Gilberto Freyre, se embriagam de microfones como os adolescentes se embriagam de vinho. Mas a grande maioria está interessada em debater projetos para melhorar a realidade de suas comunidades e fazer o País avançar.’
POLÊMICA CULTURAL
Um bafafá vazio e sem prumo agita intelectuais e artistas em torno do MinC
‘Um bafafá vazio e sem prumo tem movimentado o setor cultural do País nas duas últimas semanas. O primeiro tiro apressado foi disparado por Ferreira Gullar. Numa sabatina feita pelo jornal Folha de S.Paulo, o poeta disse que, apesar de não acompanhar a atuação do ministro Gilberto Gil, ouvia dizer que ‘os projetos não andam’ e acusou o ministério de ‘centralização’.
O secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura, Sérgio Sá Leitão, respondeu pontuando que as críticas partiam de alguém assumidamente desinformado. No entanto, ao responder especificamente à acusação de ‘centralização’, rematou: ‘A centralização não era a marca registrada dos finados regimes stalinistas dos quais Gullar foi e segue sendo um defensor?’ A tréplica de Gullar foi curta: ‘(a nota) parece escrita pelo antigo SNI’.
Apesar de infrutífera, a troca de acusações foi angariando aliados – para um e para outro lado. Na quinta-feira 5, Caetano Veloso, fraterno amigo de décadas de Gil, numa carta aberta, apelou: ‘Governos totalitários são viciados em expurgar poetas’. Gilberto Gil, numa entrevista a vários jornalistas, preferiu baixar o tom: ‘As críticas são muito boas e estimulantes (…) Mas governar é escolher e, de certa forma, é também discriminar’, disse, num clara referência a artistas e cineastas consagrados que já não vêem pingar tanto dinheiro para suas produções quanto em outros tempos.
Feita mais de palavrório do que pontos que possam de fato ser discutidos, a briga é desalentadora. É de esperar, de intelectuais e artistas, debate menos desorientado.’
JK NA GLOBO
Ele não viraria a casaca
‘JK foi vilanizado pelas Organizações Globo meio século atrás. O risco agora é de que vire o mito que ele próprio recusava ser
O sedutor filho do tropeiro João César e da professorinha Júlia precisou de meio século, exatos 50 anos, para merecer, enfim, um fio de simpatia daquele que é hoje o maior império de comunicação do País. Ainda que, postumamente, o dr. Roberto Marinho fez as pazes com JK.
É porque não se pode chamar de oposição o que as empresas que gravitavam em torno da figura do playboy da Rua Irineu Marinho – à época, jornal e rádio – fizeram nos anos 50 com Juscelino Kubitschek de Oliveira. Oposição implica trato democrático e postura civilizada. Contra JK, O Globo promoveu um massacre, uma carnificina. Agora, pelo canal da ficção, presta-se ao trabalho de reabilitá-lo. Menos mal assim.
Será curioso acompanhar a saga televisiva do Nonô de Diamantina com um olho no vídeo e o outro naquela seção ‘Há 50 anos’ que O Globo publica diariamente no seu segundo caderno. Uma delícia de ironia. O político hoje edulcorado, na moldura de seu sorriso cativante e de sua determinação pragmática, pelo seriado de Maria Adelaide Amaral (co-assinado por Alcides Nogueira e Geraldinho Carneiro), herdara do jornal aquele rancor atribuído a Getúlio Vargas, na linha: JK não pode ser candidato; se for, não pode ser eleito; se eleito, não pode assumir; se assumir, não pode governar.
O Globo ecoou seu guru Carlos Lacerda na aventura golpista que levou Getúlio Vargas, presidente eleito segundo a Constituição e com 50% dos votos válidos, a desfechar um tiro no peito. Tido como sucessor natural na linhagem do getulismo, JK teve tratamento idêntico. Recendia a simpatia com os comunistas – na versão da direita lacerdista – pelo fato de, prefeito de Belo Horizonte, ter recrutado Oscar Niemeyer para formatar a extraordinária revolução urbanística que sacudiu a capital mineira (na verdade, em 1948, fiel às disposições do conservador PSD, Juscelino Kubitschek votara na Câmara Federal a favor da cassação do mandato dos parlamentares comunistas).
1955, a sucessão de Getúlio em marcha. Com sua assumida vocação para as quarteladas, O Globo saiu, primeiro, em defesa de um ‘candidato de união nacional’ – o que, naquele clima turbulento pós-54, só podia significar um cidadão fardado. Ao pressentir a resoluta disposição do então governador de Minas (‘Deus poupou-me do sentimento do medo’, diria anos depois o agora herói do folhetim), passou a insuflar uma dissidência dentro do PSD. Desesperado com o apelo popular da candidatura JK, o dr. Roberto e seus editorialistas conspiram em prol de adversário à altura. Constroem a candidatura Juarez Távora. JK vence. Os derrotados – inclusive O Globo – esperneiam. Acenam com a balela da ‘maioria absoluta’. Encenam, a bordo do cruzador Tamandaré, na canhestra tentativa de golpe dos dois patéticos Carlos – o Luz, presidente interino, e o Lacerda, histérico militante da treva. O Globo embarca com eles. O general Lott faz cumprir a Constituição, dia 11 de novembro de 1955, e acaba com a palhaçada.
Alguém disse que JK foi o último presidente feliz (Lacerda preferia dizer, com o aval incondicional do dr. Roberto Marinho, que ele não passava de ‘um janota delirante’). De fato, JK transpirava otimismo e autoconfiança. Não foi um estadista, mas era criatura ousada. Seu carisma político deriva do fato de ter sido um homem comum – daí, a imediata identificação com o povo. Nunca tripudiava sobre os defeitos alheios nem alardeava suas próprias virtudes.
O seriado de Adelaide tem um personagem e tanto à sua disposição. Começou privilegiando as histórias em detrimento da História. Conhecendo-se os dotes de painelista da dramaturga (lembrem-se de Um Só Coração e da São Paulo conflagrada de 1932), dá para esperar que o Brasil dos 50 e 60 acabe entrando generosamente na foto. O Brasil de hoje, de novo trafegando no estreito corredor das paixões partidárias, merece. É sempre didático aprender com a História. Até O Globo aprendeu.’
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