‘Não seria humano se não tivesse medo.’ A frase sincera, e reflexo de um dos nossos mais temidos sentimentos, encaixa-se perfeitamente na atual situação de milhares de jornalistas que trabalham e vivenciam, a cada dia, as principais guerras e conflitos armados ao redor do mundo. Quem a diz, definitivamente conhece sobre o assunto.
Carlos Fino, ex-repórter da RTP (Rádio e Televisão Portuguesa) e atual conselheiro de imprensa da embaixada lusitana no Brasil, atuou por mais de vinte anos como correspondente internacional. Com passagens pelo Oriente Médio, Europa e EUA, logo a guerra tornou-se sua fonte nº 1 de notícias e ambiente de trabalho. Foi com tal declaração que Fino iniciou sua entrevista coletiva para o ‘Projeto Repórter do Futuro’, promovido pela empresa de comunicações e arte Oboré e realizado em sua sede, em São Paulo. O projeto e curso têm como tema central o ‘Jornalismo em Situações de Conflito Armado’ e debate, entre estudantes e profissionais, o papel do jornalista quando repórter de guerra.
Fino formou-se em Direito, mas logo descobriu no jornalismo sua verdadeira paixão profissional. Países como Rússia, Iugoslávia, Geórgia, Chechênia, Afeganistão e Iraque tornaram-se, ao longo da carreira, lugares familiares ao jornalista e ex-correspondente. Entretanto, todos de uma mesma forma: em guerra. Desde sua primeira cobertura nos conflitos pós-URSS, na Geórgia, até o último, na atual guerra do Iraque, Fino adquiriu grande experiência em território internacional, além de um furo mundial no currículo ao ser, pela RTP, o primeiro jornalista a informar o início do bombardeio norte-americano à terra de Saddam Hussein, em março de 2003. É, atualmente, um dos principais nomes do jornalismo nessa área. Portanto, não hesita ao aconselhar que nenhum jornalista vá despreparado técnica e psicologicamente para qualquer situação de conflito ou guerra.
Credenciado dos dois lados
Segundo ele, durante o fim dos regimes comunistas no Leste europeu, tinha como um imperativo profissional realizar a cobertura dos conflitos. ‘Era uma questão de credibilidade’, diz ele. Apesar de no início de sua carreira não conhecer as convenções internacionais sobre a guerra e sequer técnicas de defesa, hoje, como observador, propõe a discussão aos seus colegas e futuros jornalistas, sobre o papel humanitário que estes representam em tempos de guerra e a criação de um estatuto pela garantia de seus direitos, assim como sua imunidade; uma espécie de Cruz Branca internacional.
Outro ponto levantado pelo jornalista é o caráter submisso com que muitos correspondentes aderem a um dos lados em guerra. Tem-se como exemplo claro a enorme gama de profissionais embutidos nas tropas norte-americanas durante os combates e invasão do Iraque. Carlos revela que, para tanto, é necessário aceitar compromissos limitadores do bom jornalismo, onde a ética, a fidelidade factual e a imparcialidade devem servir de horizonte. Portanto, até que ponto devemos buscar a notícia?
Com tom de quem já presenciou os fatos, o português assume: ‘É realista estar credenciado a um dos lados, ou aos dois, para se obter informação. Sozinho, será eliminado.’
Dar voz aos envolvidos
Nas guerras do século 20 e 21, a informação surge como forte elemento midiático, capaz de produzir efeitos políticos e militares a favor de quem a manipula. Nessas circunstâncias, Fino define o jornalismo como uma profissão de fronteira, entre a propaganda e a informação. Para ele, ‘vale pagar o preço para estar presente e reportar algo’, como em um jogo de conivências, de gato e rato, do que pode ou não ser informado, visto que, no caso do Iraque, seu trabalho era vigiado permanentemente pela ditadura.
Carlos acredita que o fato de haver divergências entre os governos pró-EUA e a opinião pública sobre a atual guerra no Golfo Pérsico abriu maior espaço para a liberdade de imprensa. Esta, por sua vez, pede sempre a total descrição dos fatos e dar voz às diferentes partes envolvidas. Sem dúvida, princípios e valores de um jornalismo correto e base para o futuro da profissão: seus estudantes.
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Estudante de Jornalismo, participante do Projeto Repórter do Futuro, da Oboré