Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Júri não deve se basear em notícias’

Gregory West é promotor de justiça federal nos Estados Unidos. Graduado em Direito pela Universidade de Syracuse, integra hoje duas importantes divisões do Departamento de Justiça americano. West é chefe da Seção de Crime Organizado e Fraude e coordenador da Força Tarefa Antiterrorismo no estado de Nova York, situado no nordeste do país, na fronteira com o Canadá. Ele veio ao Brasil a convite do desembargador José Damião Pinheiro Machado Cogan, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Coordenador da área de Processo Penal da Escola Paulista da Magistratura (EPM), Cogan organizou, na EPM, o congresso ‘Crime organizado hoje e suas ramificações’, aberto por West na semana passada.

Em sua exposição, o promotor falou sobre crime organizado, delação premiada e lavagem de dinheiro. O congresso continua nesta semana com uma apresentação de Cogan acerca da Lei de Armas e se encerra no dia 18/12 com uma palestra sobre Lei de Tóxicos proferida pelo professor Vicente Greco Filho, titular de Direito Penal da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo.

Por iniciativa do desembargador Cogan, West foi recebido no Palácio da Justiça pelo atual presidente do Tribunal de Justiça (TJ), desembargador Celso Limongi, pelo sucessor de Limongi, o desembargador Vallim Bellocchi, que assume o cargo em janeiro, e pelo presidente da Seção Criminal do tribunal, Luis Carlos Ribeiro dos Santos, além de desembargadores da 3, da 4ª, da 5ª e da 6ª Câmaras Criminais do TJ.

Este Observatório teve acesso exclusivo à reunião com os desembargadores, realizada a portas fechadas. Durante cerca de quatro horas, trocaram-se informações sobre a legislação e os trâmites judiciários no Brasil e nos Estados Unidos. West e os magistrados brasileiros falaram sobre as suas experiências de combate ao crime organizado.

Ao fim do encontro, o promotor concedeu a entrevista a seguir. Cauteloso, evitou criticar os excessos da mídia americana (‘Esta é a beleza da Primeira Emenda: as pessoas que estão escrevendo os artigos têm o direito de escrever o que quiserem’), mas ressaltou a necessidade de que, durante um julgamento, os jurados se atenham aos fatos do processo e ignorem as informações antecipadas pelos meios de comunicação: ‘No sentido de que os jurados estão lendo ou interpretando o caso em detalhes, com antecedência, fica difícil as pessoas dizerem honestamente: `Olha, eu decido este caso com base nas provas apresentadas pelo juiz em comparação com aquilo que eu li nos jornais, duas ou três semanas atrás´’.

Contrário à legalização do uso de entorpecentes, como a maconha, West também foi cuidadoso ao tratar do tema na entrevista: ‘Essa é uma questão que deve ser decidida somente pelos brasileiros’.

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Qual é hoje o poder do crime organizado nos Estados Unidos?

Gregory West – O crime organizado continua sendo um problema nos Estados Unidos. Continuamos mantendo o foco na atividade criminosa, assim como nas operações do crime organizado que se expandem pelo mundo. É um problema cada vez maior e tem exigido a atenção do Departamento de Justiça, que tem trabalhado à luz da lei que lida com formação de quadrilha, extorsão e crime organizado.

Como tem sido esse debate na mídia americana?

G.W. – Você me disse, anteriormente, que passou um tempo em Londres. Uma das coisas que eu aprendi, durante as investigações que eu fiz, é que a relação entre a segurança pública e a imprensa no Reino Unido é muito diferente da que se verifica nos Estados Unidos. De acordo com o que me foi relatado, a polícia inglesa rotineiramente concede informações à imprensa em troca de outras informações que estão em poder dos jornalistas. Nos Estados Unidos, há regras muito rígidas sobre as informações que o Departamento de Justiça pode fornecer à mídia, os comentários que os promotores federais podem fazer em relação aos crimes, não só o crime organizado. Essas restrições e limitações têm como objetivo garantir um julgamento justo ao acusado, porque se nós passarmos para a imprensa todas as provas que serão apresentadas em juízo antes do julgamento, as pessoas, o júri, por exemplo, vão ler tudo nos jornais, e presumivelmente vai ser mais difícil dar um veredicto imparcial com base naquilo que o juiz permitir apresentar como provas em juízo.

‘Existe uma tensão entre a mídia e a comunidade da segurança pública’

Por outro lado, os advogados de defesa normalmente fornecem muito mais informações para a mídia do que os promotores. Geralmente, existe uma tensão entre a mídia e a comunidade da segurança pública. A mídia alega que deveria ter acesso a todas as informações, porque o público teria o direito de saber tudo. Mas há boas razões para não divulgarmos todas as informações: em primeiro lugar, para que o réu tenha um julgamento justo; em segundo, se houver um informante, por exemplo, para evitar o risco de que uma identidade venha a ser revelada; em terceiro lugar, para proteger também as investigações correntes, dependendo do caso. É claro que, se a mídia relata a fase da investigação do crime organizado, o criminoso pode mudar a estratégia da sua operação, e isso dificulta a coleta de provas, na continuidade da investigação. Então eu acho que há razões válidas para que isso aconteça dessa forma.

No Brasil, especialmente nos casos de grande repercussão que provocam comoção pública, a tendência é de que as manchetes sejam muito ‘pesadas’, acaba havendo uma pré-condenação daqueles que estão sendo acusados. Nos Estados Unidos, a situação é similar?

G.W. – Alguns casos chamam mais a atenção da mídia do que outros, normalmente casos que envolvem acusados famosos. O caso do O.J. Simpson, por exemplo: ele recebeu uma atenção gigantesca da mídia, por envolver uma celebridade. Agora ele está sendo acusado de novo. Houve muita pressão da mídia, as pessoas se concentram nos casos mais recentes, e todos acompanham a cobertura. Particularmente eu devo admitir que apresento as provas no tribunal e não presto tanta atenção no que os jornais ou as emissoras de televisão falam, nos casos em que trabalho. Eu não poderia responder à sua pergunta, porque eu não conheço bem a cobertura da mídia, eu conheço mais os fatos. A nossa meta é garantir que cada acusado de um crime nos Estados Unidos tenha um julgamento justo, seja por um júri, por exemplo, por pessoas que nem sempre têm uma opinião formada de como o caso se desenvolveu.

‘Nós queremos jurados imparciais’

Esse é o meu interesse e também o da defesa, porque eu não quero ninguém no júri que já tenha uma decisão prévia de que uma pessoa é culpada mais do que qualquer outra que esteja ali. Sempre há essa tensão entre os advogados e a mídia. Nós queremos um julgamento justo de ambos os lados, e queremos jurados imparciais. No sentido de que os jurados estão lendo ou interpretando o caso em detalhes, com antecedência, fica difícil as pessoas dizerem honestamente: ‘Olha, eu decido este caso com base nas provas apresentadas pelo juiz em comparação com aquilo que eu li nos jornais, duas ou três semanas atrás’.

É preciso considerar que a pressão dos meios de comunicação pode ou não afetar a decisão dos jurados. O senhor não tem, realmente, nenhuma preocupação com a qualidade da cobertura da mídia americana?

G.W. – Eu acho que o povo dos Estados Unidos se beneficia de dados justos, com eqüidade. Mas não é o meu papel julgar o que está escrito nos jornais. Esta é a beleza da Primeira Emenda: as pessoas que estão escrevendo os artigos têm o direito de escrever o que quiserem. A minha responsabilidade é de que, na banca de jurados, tenhamos 12 pessoas que darão o seu parecer de forma justa, de acordo com aquilo que acham mesmo, não conforme aquilo que leram nos jornais.

A mídia brasileira tem apresentado várias fórmulas de combate ao crime (desde as infrações mais simples até os abusos cometidos pelo crime organizado). Sugere-se uma prioridade às ações contra a lavagem de dinheiro e contra a corrupção na polícia e no Poder Judiciário. Também se tem dito que é preciso acelerar o ritmo dos julgamentos e garantir que não haja impunidade. No caso dos crimes comuns praticados nas ruas, chegou-se a considerar, em certa época, a aplicação do modelo nova-iorquino do programa Tolerância Zero. Essas fórmulas são suficientes para estancar o crime organizado e os crimes comuns?

G.W. – Esse programa de Tolerância Zero, na cidade de Nova York, foi muito eficaz ao eliminar uma ampla gama de atividades criminais em várias regiões da cidade. O programa não foi desenvolvido para lidar com atividades do crime organizado de dimensão nacional ou internacional. Tem ferramentas diferentes necessárias para lidar com esses problemas adequadamente. Em relação ao crime organizado, nós precisamos de uma harmonização desses instrumentos, para que possamos trabalhar de forma eficaz. Por exemplo: eu não acho simplesmente que deva haver um foco em mudanças na lei de lavagem de dinheiro. Eu acho que isso, por si só, não seria eficaz no combate ao crime organizado.

Ou seja, cada situação demanda uma série de medidas que lhe são peculiares…

G.W. – É exatamente isso.

‘Promotores americanos não podem dar informações à imprensa’

A liberação de drogas consideradas mais leves, como a maconha, é um tema recorrente nos debates dos meios de comunicação brasileiros. Qual é a sua visão sobre essa polêmica?

G.W. – Essa é uma questão que deve ser decidida somente pelos brasileiros. Antes de decidirem, eles têm que analisar com cautela a experiência de outros países que tentaram o caminho da legalização, como a Grã-Bretanha. É preciso considerar com cautela os pareceres, as opiniões de muitos doutores ou profissionais que estudaram o problema com profundidade. É uma decisão muito importante que as pessoas devem tomar e que os representantes devem adotar. Devemos pensar, também, nas conseqüências de longo prazo, não só nas de curto prazo.

Outra discussão importante é sobre quais são, na prática, os limites dos governos nas investigações realizadas na internet…

G.W. – Comunicações na internet são como as comunicações por telefone. Se nós pudermos convencer um juiz de que os criminosos estão usando a internet para aumentar a sua atividade criminosa, o juiz expedirá o mandado permitindo que se possam interceptar as mensagens de internet. Os cidadãos americanos têm as mesmas proteções, tanto no uso da internet, quanto no telefônico. Eles têm direito à mesma privacidade ou proteção.

Há quem diga que, no combate ao terrorismo, esses limites estejam sendo ultrapassados…

G.W. – As leis e a Constituição dos Estados Unidos protegem os direitos de todo cidadão americano. O trabalho da polícia, o poder de interceptar uma comunicação eletrônica, na internet ou por telefone, depende das provas apresentadas, que deverão demonstrar se a pessoa que está sendo interceptada está usando essa comunicação para facilitar a sua atividade criminosa. Se nós interceptarmos essas comunicações sem um mandado, incorreremos em uma violação à lei americana.

No Brasil, muitas vezes o jornalista tem acesso a informações preliminares, concedidas pelo Ministério Público, que acabam sendo publicadas sem que tenha havido uma investigação maior e o próprio julgamento. Como é a relação entre jornalistas e promotores nos Estados Unidos?

G.W. – As nossas regras de responsabilidade profissional nos Estados Unidos impedem os promotores de dar informação à imprensa, se não é uma questão de domínio público. Essa lei foi redigida para garantir que o réu receba um julgamento justo por um júri imparcial baseado apenas na prova que o juiz permite que o júri ouça na sessão do tribunal.

Apesar dessa salvaguarda, os jornalistas não acabam conseguindo essas informações?

G.W. – Eu não acompanho os casos nos jornais. Mas me recordo de uma acusação a uma equipe de lacrosse acusada de estuprar uma mulher numa festa. Nesse caso, o promotor estava vazando muita informação para a imprensa antes do julgamento. Se não me falha a memória, o promotor foi afastado do cargo.

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Jornalista