Lembra do leite longa-vida com soda cáustica? Pois bem: o laudo do Instituto Nacional de Criminalística mostra que o leite não tinha soda cáustica. Lembra do leite longa-vida com água oxigenada? Pois bem: o laudo do Instituto Nacional de Criminalística mostra que o leite não tinha água oxigenada. A notícia foi publicada pela imprensa com muita, muita discrição. E muita gente nem percebeu.
O leite não era dos melhores, claro. Quem quer leite bom de verdade compra leite fresco. Talvez possa usar leite em pó de boa marca, dissolvido em água devidamente tratada e filtrada. Leite que vive fora da geladeira sempre tem conservantes. Mas não era nada que fizesse mal à saúde.
Mas, se o leite longa-vida era exatamente o que prometia, ser um leite longa-vida, qual o motivo do escândalo? Talvez a explicação esteja numa curiosa coincidência de datas. Uma das empresas mais atingidas pelo escândalo foi a Parmalat, hoje pertencente a um fundo de investimentos, o LAEP. E o noticiário explodiu bem quando a LAEP preparava a oferta pública de ações (IPO) da Parmalat, na Bolsa de Valores de São Paulo. O pessoal da empresa estava em road-show no exterior, preparando o lançamento, e teve de voltar rapidamente ao Brasil, para enfrentar o terremoto.
Vale matéria, caros colegas. Este colunista aprendeu desde cedo a desconfiar de coincidências. E ainda se lembra com clareza da época em que a água Lindóia foi massacrada pela imprensa, por conter uma bactéria nociva. Depois que uma empresa concorrente lançou sua água em copos descartáveis, a bactéria nociva desapareceu da imprensa. Teria sido coincidência, também?
Linha do tempo
Mais coincidências, vejam só: de repente, aparece uma reportagem de divulgação científica sobre como é perigosa uma doença que existe há muito tempo e não parecia tão perigosa assim. Aí, uns dois ou três meses depois, aparece um remédio excelente, ultramoderno, caríssimo, para acabar com a maldita. A imprensa noticia a gravidade da moléstia, publica a boa notícia de que finalmente há um tratamento para ela e os laboratórios ganham sempre.
Olha a censura!
A censura é legalmente proibida no Brasil. Mas existe: há uma série de jornalistas que não podem publicar sequer o nome de uma série de pessoas. A vítima mais recente da censura, agora, é o jornalista Vitor Vieira, gente fina, competente, que edita o site VideVersus. Vitor Vieira não pode, por ordem judicial, citar o nome do deputado estadual Alceu Moreira, do PMDB, candidato à presidência da Assembléia gaúcha. Vitor Vieira também está proibido de dar entrevistas, sob pena de pesadas multas.
Uma pergunta que deve mobilizar os jornalistas, antes que a situação piore: qual a diferença entre a censura determinada por um juiz e a censura determinada por um general, ou coronel? Censura é censura e não pode ser aceita – ponto.
Olha o beneficiado!
Alceu Moreira, que não pode ser citado por Vitor Vieira, já foi investigado por envolvimento com fraudadores de combustíveis; há indícios de que tenha beneficiado uma transportadora. E, em vez de se defender, escolheu a censura.
Velha é a mãe
Alguém diria, referindo-se à visita do presidente Lula à Argentina, algo como ‘idoso vai a Buenos Aires para a posse de Cristina Kirchner’? Alguém se referiria, citando os projetos encomendados a Oscar Niemeyer, ‘idoso prepara novas obras’? Pois é: quando uma senhora é baleada e morta numa avenida em São Paulo, o título foi ‘idosa assassinada etc., etc.’ A ‘idosa’ tem a idade do presidente Lula e é muito mais nova que Niemeyer. E é mais nova que o Antônio Ermírio, também. Nenhum jornal informa que um idoso inaugurou o novo Hospital São Joaquim, a mais moderna unidade da Beneficência Portuguesa. Nenhum jornalista diz que um idoso é o principal articulador do governo no Congresso: preferem chamá-lo de José Sarney.
‘Senhora é baleada’, ‘mulher assassinada’, ‘Fulana de Tal é morta’ – por que não? Se a idade tivesse algo a ver com o crime, vá lá; mas não tem.
Aliás, com raras exceções, o patrão é tão idoso, no mínimo, quanto a senhora baleada. Algum repórter diria ‘idoso homenageado por sua obra jornalística’?
Adeus, Ruy Onaga
Ruy Onaga, um dos melhores revisores que as redações deste país conheceram, mestre de toda uma geração, homem de caráter a toda prova, morreu na quarta-feira (5/12). Deixou uma obra, deixou discípulos, deixou amigos, deixou uma esplêndida família. É a lei da vida – mas é impossível deixar de dizer que o jornalismo, sem Ruy Onaga, ficou muito mais pobre.
O exemplo do interior
Preste atenção no prefeito de São Bernardo do Campo (SP), William Dib: é um médico discreto, baixinho, luta (com algum êxito, não muito) para deixar de ser gordo. É hábil, capaz de dirigir um pedaço poderoso do PSB, partido que apóia Lula, e impor sucessivas derrotas aos petistas exatamente no berço político de Lula, São Bernardo do Campo. Seu hábito é ganhar no primeiro turno. E é o sonho de Geraldo Alckmin para sua candidatura ao governo paulista: ter Dib na vice.
A grande imprensa pouco acompanha o que se passa fora das capitais, mesmo na rica região do ABC. E não percebeu que boa parte do prestígio de Dib vem de medidas simples, baratas e de grande repercussão. Ele mobilizou ONGs, amigos da natureza, entidades protetoras de animais, e sem custo tomou uma medida que deveria se estender ao país todo: proibiu circos com animais. É medida correta – e deve se traduzir em votos. A caixa postal de Andréa Brock, a eficiente assessora de imprensa de Dib (e militante da causa de defesa dos animais), está lotada há dias, só com mensagens de apoio.
Tragédia ecológica
Talvez haja exceções, mas os animais de circo vivem muito mal. Não têm espaço, sofrem com os treinamentos, têm presas e garras arrancadas. Quando o circo enfrenta problemas, são abandonados para morrer de fome. Há uma entidade paulista, a Fazenda dos Gnomos, que cuida desses animais: leões sem dentes, tigres sem unhas. Às vezes há até uma reportagem com os Gnomos. Com os circos, quase nada.
Que a imprensa cubra a iniciativa pioneira de São Bernardo. Vale a pena.
Quem compra os ingressos
Há outro tema que normalmente passa ao largo das preocupações dos meios de comunicação: a venda de ingressos para grandes espetáculos. O jogo entre Brasil e Uruguai, por exemplo, vendeu tudo em pouquíssimo tempo. Os 23 mil ingressos para o carnaval do Rio foram vendidos em 30 minutos. Se cada uma das vendas levar um minuto, isso significa que 760 guichês funcionaram ininterruptamente desde a abertura das vendas. Só que não havia 760 bilheterias.
Quem compra a gente sabe: são os cambistas, que depois revendem as cadeiras a preços muito, muito, muito mais altos. Mas falta esclarecer alguma coisa: quem destina os ingressos aos cambistas? Como isso é feito? De que maneira cada cambista garante sua cota de entradas para o espetáculo? Como funciona em outros países a venda de ingressos? São bons temas para reportagem.
Boa notícia e…
A boa notícia a imprensa deu bem: a expectativa média de vida do brasileiro alcançou 72,3 anos. Este número vem crescendo firmemente a cada pesquisa.
…má noticia
Já a parte ruim da notícia (ou melhor, as três partes ruins) a imprensa preferiu deixar para lá.
1.
A perspectiva média de vida sobe, o déficit da Previdência aumenta junto. Uma pessoa contribui durante 35 anos e, de acordo com os cálculos atuariais, esta quantia deve ser suficiente para pagar-lhe uma aposentadoria durante um determinado período. Se esse período aumenta, a quantia deixa de ser suficiente. Ou se paga menos por mês – e a quantia atual é tão pequena que não há muito como reduzi-la – ou cresce o déficit, o que pode comprometer a economia do país.2.
O aposentado fica mais velho e o seguro-saúde multiplica os preços. Como enfrentar essa nova e vultosa despesa exatamente num período da vida em que não há como arranjar outro emprego e aumentar a receita?3.
Num país que decretou que aos 35 anos uma pessoa é velha demais para conseguir emprego, como garantir que os cidadãos se sustentem com um mínimo de dignidade por todo o tempo – agora estendido – que terão para viver?Não, não perguntem: este colunista não tem qualquer solução mágica. Mas não se pode fingir que uma notícia como aquela tem só lados positivos.
Estudantes do Brasil
Semana passada houve alguns diamantes não apenas no noticiário, mas também em discursos no Senado. No Senado, um vibrante orador disse que os senadores não poderiam se ‘eximinar’. Após prolongada análise do resto do discurso, parece que Sua Excelência queria mesmo dizer ‘se eximir’. E num blog de futebol, um determinado cartola é chamado de ‘endiondo’. Pelo jeito, o autor do blog gosta de falar difícil e o considera ‘hediondo’.
Há também um país vizinho que poderia fazer ‘incurções’. Incurções certamente apoiadas por çoldados de izpingarda e um rejimento de tanquis com cobertura de licópiteros.
E eu com isso?
O tempo em São Paulo está quente, abafado e chuvoso no momento em que esta coluna é encerrada. A notícia, lida na internet, serve apenas para irritar:
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‘Daniela Cicarelli curte praia ao lado de amigos’Ou esta outra, também irritante: saber que, não tão longe daqui, há gente que pode ir flanar tranquilamente na rua.
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‘Lázaro Ramos passeia com sua moto no bairro do Leblon’Mas há uma notícia daquelas que justificam a espera, o investimento, a tecnologia de ponta usada para transmiti-la:
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‘Preta Gil ovaciona o espetáculo Banda Larga’O astro do espetáculo é Gilberto Gil. Pai de Preta.
O grande título
Há um, interessantissimo, referente a um cantor e sua amada:
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‘Noiva de Belo quer casa com banheiro e piscina’Sem dúvida, pelo menos primeiro item, merece todo o nosso apoio. Mas o grande título é este:
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’40 pessoas evacuadas’Na véspera, o canibal responsável pela façanha deve ter tido um banquete!
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados