Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Viagem à realidade da periferia

Quando escolhi jornalismo, um dos maiores motivos, se não o maior, foi o de ter a chance, através da profissão, de conhecer vários lugares e poder ter contato com pessoas de todos os tipos.

Consegui um estágio, na TV Bandeirantes. Trabalho na produção, no Canal Livre, um programa sobre política e economia. Uma grande chance de aprender muito, todos os domingos. No dia da gravação, sempre tem alguma figura importante a ser entrevistada. Como minha função é a produção, fico o tempo todo na redação, pesquisando sobre o convidado, o que está acontecendo no mundo, na política, na economia e no país.

Essa oportunidade é muito boa, mas o que eu sonho mesmo é de ser repórter, sair na rua, relatar os fatos, ver com meus próprios olhos o que está acontecendo. Mês passado pedi à chefia que me autorizassem a acompanhar um repórter, ver como é, como se faz. A primeira matéria que acompanhei foi sobre os quinze anos do Carandiru. Fomos até a casa do ex-governador Fleury, para ouvir o que ele tinha a dizer sobre o massacre e depois mostrar onde ficava a prisão, onde hoje é um parque.

Sensação de tristeza

Adorei a experiência e comecei a pedir mais. Então, passei a dividir meu tempo – um pouco na produção e um pouco saindo com repórteres. Das matérias que tinha feito, todas tinham sido bem tranqüilas, desde ir para Campinas, à Unicamp, para falar sobre o câncer relacionado à obesidade, até lançamentos de livros.

Há dias, tive mais uma oportunidade de acompanhar um repórter. Porém, tudo foi bem diferente. Fui acompanhar uma matéria ao vivo sobre um rapaz de 24 anos que foi morto no seu local de trabalho, a facadas, por um grupo de punks. O motivo foi o mais besta do mundo: a pizza custava 0,99 centavos e o grupo só tinha 0,60 centavos. O vendedor negou. Então o grupo começou a bater nele. Quando o rapaz foi apartar a briga, acabou levando quatro facadas nas costas. Chegou a ser levado para o hospital, mas não resistiu aos ferimentos.

Fui até a casa na qual o rapaz morava. Só para chegar ao local, demorou mais de uma hora. Este parece ser o pior problema do repórter de rua em São Paulo: o trânsito. Atravessar a cidade demora muito tempo. No caso, ele morava no extremo leste da cidade, mais precisamente no Jardim Helena. Nunca em meus 21 anos morando na capital paulista, tinha ido tão longe e achei estranho. Era uma parte da cidade bem feia, mal-tratada. Senti uma sensação de tristeza.

Uma casa mal-acabada

Quando chegamos à casa, outra equipe de filmagem da emissora já nos esperava. Quando desci do carro, reparei que os moradores olhavam para mim e toda a equipe. Estava bem vestida, com roupas caras, menininha com rostinho bonito. Sabia que era uma figura diferente das que caminhavam pelas ruas daquele lugar. Para mim também era outro mundo. Meus pais me criaram bem longe dessa realidade. Nasci e cresci no Morumbi, o bairro mais elitizado da capital paulista. Estudei em um dos colégios mais caros de São Paulo, almoço em bons restaurantes, freqüento lugares caros e badalados. Ou seja, sou da classe média alta. Ser mimada, para mim, não é ter tudo, mas não valorizar o que se tem. Não posso me culpar pela grande desigualdade social, mas posso, através da minha profissão, tentar mostrar a realidade do país. Posso dizer, é claro, que sabia sobre a pobreza no Brasil, já tinha visto várias favelas, leio jornais, assisto aos noticiários, mas posso afirmar que nunca tinha entrado em uma antes.

O repórter que eu acompanhava foi recebido pelo tio do rapaz. Observei atentamente o que ele fazia, o que perguntava. Afinal, uma matéria ao vivo tem que ser muito bem preparada e não podia ter erros. Chegamos lá às 17 horas e a matéria só iria ao ar por volta das 19 hs. Havia tempo de sobra para observar tudo. Entramos na casa da família. Fomos muito bem recebidos. Fiquei impressionada. A casa, onde moravam seis pessoas, era, sem exageros, menor do que meu quarto e o banheiro juntos. A porta do banheiro estava quebrada e o chuveiro embutido ao lado da privada, que não tinha descarga nem tampa, sem contar o cheiro ruim muito forte, já que o banheiro não tinha janelas.

A cozinha era junto com a sala e o quarto era separado por alguns panos velhos. A casa era mal-acabada, de tijolos, velha, feia. Enquanto observava tudo, me senti envergonhada de ter tudo o que tenho e, ainda por cima, às vezes reclamar por coisas inúteis. Foi uma grande experiência.

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Aluna de Jornalismo da UniFiamFaam, São Paulo, SP