Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Edição no limite da irresponsabilidade

Na quinta feira (14/7), sob o selo ‘exclusivo’, o Jornal Nacional da Rede Globo abre com uma chamada de William Bonner sobre matéria de quase sete minutos de duração que fecharia o telejornal:

‘A agência do Banco Rural em Brasília que se tornou famosa no escândalo do mensalão não foi visitada apenas por integrantes do Partido Liberal, do Partido Progressista, do PTB e do PMDB. O cruzamento de dados feito por um deputado – e obtido pela jornalista Cristiana Lobo – mostra que petistas, ou parentes ou assessores e funcionários de petistas, também estiveram na agência. Em quatro casos, as visitas se deram em dias em que emissários de empresas de Marcos Valério fizeram saques volumosos. Em cinco casos, o relatório do Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras] não registra saques de 100 mil reais ou mais’.

No correr da matéria, é entrevistado o autor dos cruzamentos, o deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ). Como se sabe, ele é o líder do PFL na Câmara dos Deputados, um dos principais partidos de oposição ao PT, e filho do prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, também do PFL. O deputado fala sobre o cruzamento de dados e, a seguir, William Bonner registra o nome dos nove deputados do PT, associando cada um ao respectivo assessor/parente e aos saques no Banco Rural.

Após a apresentação da lista, Bonner relata as negativas dos deputados acusados. O único petista que aparece falando é o deputado Paulo Rocha (PT-PA), que diz ter apenas a informação de que sua funcionária esteve numa clinica neurológica no mesmo prédio, um shopping no centro de Brasília.

O que a matéria sugere de forma inequívoca é que deputados do PT sacaram ou mandaram sacar dinheiro no Banco Rural – estando, portanto, também envolvidos diretamente no ‘escândalo do mensalão’ (expressão usada na abertura do JN).

De volta ao assunto

Não houve qualquer cuidado em checar as informações. O fato de deputados petistas ou pessoas a eles relacionadas terem estado no shopping onde se localiza o Banco Rural foi associado, sem mais, ao ‘escândalo do mensalão’. O cruzamento de dados atribuído ao líder do PFL foi considerado como critério suficiente para a veracidade da informação.

Seriam os nomes relacionados verdadeiramente nomes de auxiliares e/ou parentes dos deputados petistas ou seriam homônimos? Haveria explicações razoáveis para que eles tivessem ido ao prédio onde se localiza o Banco Rural ou mesmo ao próprio banco naquelas datas? Seria boa ética e bom jornalismo estabelecer a associação de nove deputados petistas com práticas suspeitas no telejornal de maior audiência do país sem que essas checagens fossem feitas?

Na sexta feira (15/7), a irresponsabilidade jornalística e ética da matéria do Jornal Nacional da Rede Globo começou a aparecer à luz do dia.

O jornalista Ilimar Franco, do jornal O Globo, foi o primeiro a escrever em seu blog:

‘O levantamento feito pelo líder do PFL, deputado Rodrigo Maia (RJ), relacionando a ida de funcionários e familiares de deputados do PT à agência do Banco Rural em Brasília com saques feitos numa agência de Belo Horizonte foi uma das maiores monstruosidades que já vi desde que cheguei em Brasília, em 1987. (O episódio é mais diabólico ainda. Quando escrevi estas linhas, às 1h31min da madrugada de sexta-feira, ainda não sabia que funcionários do nobre deputado também tinham ido ao Rural e que esta informação foi omitida para a reportagem do Jornal Nacional).’

Pela manhã já circulava em Brasília a informação de que o tal cruzamento de dados na verdade havia sido feito por jornalista do Correio Braziliense na assessoria de informática (?) do PFL. O resultado, no entanto, teria sido abandonado pelo jornal porque a checagem dos nomes havia levado à conclusão de que a lista não era confiável. A base de dados que teria ficado na assessoria do PFL foi, então, utilizada por seu líder Rodrigo Maia para municiar o Jornal Nacional.

À noite, o JN volta ao assunto revelando que o próprio líder do PFL tinha dois auxiliares que também freqüentaram a agência do Banco Rural, apresentando a justificava de alguns dos deputados petistas e criticando a Câmara dos Deputados por não disponibilizar uma relação completa e atualizada de seus funcionários para que novo cruzamento fosse feito entre os freqüentadores do shopping onde se localiza o banco e os saques atribuídos ao ‘mensalão’! Em nenhum momento houve qualquer reconhecimento da irresponsabilidade do dia anterior.

Compromissos claros

No sábado (16/7), o próprio Correio Braziliense, em matéria assinada pelo jornalista Lúcio Vaz, relata como o tal cruzamento de dados teria surgido, confirmando as versões que já circulavam entre jornalistas.

Em entrevista ao Correio, o líder do PFL afirma que fez o cruzamento de dados a pedido da TV Globo que – em suas palavras – estaria ‘querendo pegar o PT’. Além disso, afirma ter advertido a TV Globo para a presença de homônimos na lista, para o fato de que pelo menos uma das visitas ao Banco Rural ter ocorrido em 2002 e, sobretudo, pela presença na lista de nomes insuspeitos como os dos deputados petistas Wasny de Roure (DF), Paulo Delgado (MG) e Sigmaringa Seixas (DF). No entanto, afirma Maia, não foi ouvido pela Globo.

Em artigo anterior escrevi que não se sabe onde a atual crise irá desembocar, mas certamente, não só os políticos mas também a grande mídia deverá ser avaliada, em futuro próximo, pelo seu comportamento e por seu compromisso com os interesses maiores da sociedade brasileira e com o processo democrático [veja remissão abaixo].

O Jornal Nacional da Rede Globo já deixou claro qual é o seu comportamento e quais são os seus compromissos.

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Transcrição da matéria do JN de 14/7/2005

William Bonner – A agência do Banco Rural em Brasília que se tornou famosa no escândalo do Mensalão não foi visitada apenas por integrantes do Partido Liberal, do Partido Progressista, do PTB e do PMDB. O cruzamento de dados feito por um deputado – e obtido pela jornalista Cristiana Lobo – mostra que petistas, ou parentes ou assessores e funcionários de petistas, também estiveram na agência. Em quatro casos, as visitas se deram em dias em que emissários de empresas de Marcos Valério fizeram saques volumosos. Em cinco casos, o relatório do Coaf não registra saques de R$ 100 mil ou mais.

A agência do Banco Rural, que fica no nono andar de um shopping em Brasília, foi identificada na CPI dos Correios como um ponto de saques de dinheiro das agências de publicidade SMP&B e DNA do empresário Marcos Valério, acusado de ser o operador do Mensalão. Até agora, a CPI sabia que parlamentares de partidos que apóiam o governo ou seus assessores tinham visitado a agência exatamente em dias em que foram feitos saques volumosos.

Um cruzamento de informações, feito pelo deputado Rodrigo Maia, do PFL, revelou que deputados do PT, parentes e assessores deles também estiveram no Banco Rural nos mesmos dias em que foram feitos saques volumosos em dinheiro, registrados pelo Coaf, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras. O Coaf registra apenas saques de, no mínimo, R$ 100 mil. O deputado cruzou a lista de pessoas que foram ao Banco Rural com a relação de funcionários de gabinetes da Câmara e nomes de cônjuges. Apareceram nomes de pessoas ligadas a, pelo menos, nove petistas, entre eles o líder do PT, Paulo Rocha, e o ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha.

Rodrigo Maia, deputado federal (PFL/RJ) – Esse primeiro cruzamento mostra que, de fato, a assessoria desses deputados estiveram no Banco Rural, naquela data, que coincide com o levantamento do Coaf, em relação a saques da conta do senhor Marcos Valério. Essa investigação deve ser aprofundada pela CPI dos Correios.

William Bonner – Em maio de 2003, Jair dos Santos, que trabalha no gabinete do deputado Vicentinho, do PT de São Paulo, esteve na agência pela primeira vez. Depois, retornou nos dias 20 de agosto, 18, 24 e 25 de setembro. Nos dias 18 e 25 de setembro, dois saques foram feitos no valor total de R$ 550 mil da SMP&B. Em maio de 2003, Francisco da Silva Neiva Filho, que trabalha para o deputado Paulo Delgado, do PT de Minas Gerais, foi ao Banco Rural. Outro funcionário do deputado, Raimundo Ferreira da Silva, também esteve lá em março de 2004. O saque da SMP&B foi de R$ 200 mil.

Josias Gomes da Silva, do PT da Bahia, foi o único deputado que esteve pessoalmente na agência – duas vezes em setembro de 2003. No dia 18, saíram R$ 250 mil da conta da SMP&B. Em julho de 2003, Anita Leocádia Pereira, do gabinete do líder do PT na Câmara, o deputado Paulo Rocha, visitou a agência. Ela retornou ao Banco Rural cinco meses depois, em dezembro. Saíram da conta da SMP&B R$ 120 mil.

Paulo Rocha, deputado federal (PT/PA) – Anita é minha assessora. Portanto, pelos levantamentos que eu fiz consta que ela foi em janeiro de 2005 numa clínica neurológica. É isso que me consta e que, portanto, é isso que eu tenho a tratar na newsletter.

William Bonner – O cruzamento de dados feito pelo deputado Rodrigo Maia encontrou pessoas ligadas a outros petistas na lista dos visitantes do Banco Rural mas em dias em que o Coaf não registrou saques de R$ 100 mil ou mais. Bruno Silva Nascimento, funcionário do deputado Zezéu Ribeiro, do PT da Bahia, foi à agência em março de 2003. Maria Aparecida da Silva, funcionária do gabinete do deputado Devanir Ribeiro, do PT de São Paulo, esteve no Banco Rural em janeiro de 2004. Em novembro de 2004, Geralda Magela Rodrigues, funcionária do deputado Sigmaringa Seixas, do PT do Distrito Federal, esteve na agência.

A mulher do ex-presidente da Câmara, o deputado João Paulo Cunha, Márcia Regina Milanesi Cunha, esteve no Banco Rural três vezes no mesmo dia – em 4 de setembro de 2003. A secretária dele, Silvana Paes Japiassu, também foi à agência duas vezes – em abril de 2004. Luis Carlos da Silva, que trabalha para o deputado Wasny de Roure, do PT do Distrito Federal, esteve no Banco Rural em junho de 2002, sem registro de saques nessa data.

O ex-presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha, divulgou nota em que afirma que sua secretária e sua mulher foram à agência do Banco Rural tratar de problemas com contas de TV a cabo que só poderiam ser resolvidos no Banco Rural, titular da cobrança – e que tem apenas uma agência em Brasília. Na nota, João Paulo afirma que um informe sobre as passagens delas pela agência foi entregue à CPI dos Correios.

O deputado Paulo Delgado disse que seu assessor Francisco Neiva Filho foi ao Banco Rural para fazer um pagamento de serviço de carpintaria. Ele mostrou comprovante do depósito. Já o outro assessor, Raimundo Ferreira da Silva, é militante do PT e disse ao deputado que foi ao banco pegar uma ordem de pagamento para o Diretório Nacional. O deputado Sigmaringa Seixas disse que sua secretária foi ao Rural sacar R$ 400 recebidos por um trabalho particular. Ele apresentou à CPI copia do cheque descontado. O deputado Devanir Ribeiro negou que Maria Aparecida seja sua assessora, embora a nomeação dela conste nos registros oficiais da Câmara.

O deputado Zezéu Ribeiro disse que não tem nenhum assessor com o nome de Bruno Silva Nascimento – embora o deputado Rodrigo Maia afirme que o nome dele também conste dos registros da Câmara. O deputado Vicentinho, que está na Turquia, não foi encontrado. Os deputados Wasny de Roure e Josias Gomes da Silva também não foram encontrados para comentar o assunto.



Transcrição da matéria do JN de 15/7/2005

Quando divulgou ontem a lista mostrando a ligação entre saques no Banco Rural e petistas, parentes e funcionários do Partido dos Trabalhadores, o deputado Rodrigo Maia já sabia que dois funcionários do gabinete dele também tinham estado na agência do Banco Rural.

Na última quarta-feira, o líder do PFL chegou a mandar uma carta ao presidente da CPI dos Correios para dar explicações. A carta só foi divulgada hoje.

O motorista do PFL, Antonio de Souza Filho, esteve 14 vezes na agência. E usou dois números de identidade diferentes. Em uma das vezes em que Antônio esteve na agência, no dia 12 de agosto de 2004, o conselho de controle de atividades financeiras registrou um saque de R$ 437 mil nas contas do empresário Marcos Valério, tido como operador do mensalão.

Outro assessor de Rodrigo Maia, Jairo Antônio Gomes, esteve no banco duas vezes: o deputado mostrou recibos e disse que os funcionários iam lá fazer depósitos na conta de um posto de combustível, onde sempre abastece o carro no Rio de Janeiro.

‘Eu pago por mês, eu não pago por vez que eu vou no posto. Eu tenho uma conta lá que eu pago com a verba indenizatória. Por isso, que é pago uma vez só em vez de ser no posto de gasolina. Tem uma única agência do Banco Rural que é no Brasília Mall, acaba que todo mundo que tem contas a pagar no Banco Rural tem que fazer naquela agência bancária’, explica o deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ), líder do partido.

O Jornal Nacional mostrou ontem que assessores e cônjuges de oito deputados petistas e um parlamentar do PT da Bahia estiveram no Banco Rural. Em alguns casos, as visitas coincidiram com saques registrados pelo Coaf, que não registra saques inferiores a R$ 100 mil.

Em maio de 2003, Francisco da Silva Neiva Filho, que trabalha para o deputado Paulo Delgado, do PT de Minas Gerais, foi ao Banco Rural. Outro funcionário do deputado, Raimundo Ferreira da Silva, também esteve lá em 29 de março de 2004, quando houve um saque de R$ 200 mil.

‘O Francisco foi pagar uma dívida que eu tinha com uma pessoa que prestou um serviço para mim em Juiz de Fora, uma dívida de três prestações, então o Francisco foi lá três vezes pagar. Eu estou entregando os recibos à CPI. E o Raimundo é dirigente do PT de Brasília, não foi fazer serviço para mim’, alega o deputado Paulo Delgado (PT-MG).

Em julho de 2003, Anita Leocádia Pereira, do gabinete do líder do PT na Câmara, deputado Paulo Rocha, visitou a agência. Ela retornou ao Banco Rural cinco meses depois, em 19 de dezembro, quando saíram da conta da SMP&B R$ 120 mil.

‘Anita é minha assessora, portanto pelos levantamentos que eu fiz me consta só que ela foi em janeiro de 2005 em uma clínica neurológica. É isso que me consta e é isso que eu tenho a tratar dessa questão’, aponta o deputado Paulo Rocha (PT-PA), líder do partido.

Josias Gomes da Silva, do PT da Bahia, foi o único deputado que esteve pessoalmente na agência duas vezes, em setembro de 2003. No dia 18 de setembro, saíram R$ 250 mil da conta da SMP&B.

Pelo telefone ele confirmou que foi pessoalmente ao Banco Rural em 2003, mas não lembra a data. Explicou que esteve lá porque fazia uma pesquisa sobre juros bancários, já que precisava de um empréstimo pessoal.

Três dos nove deputados do PT incluídos no levantamento do deputado Rodrigo Maia disseram que as pessoas que estiveram no Banco Rural são homônimos, ou seja, tinham o mesmo nome de seus assessores.

Jair dos Santos, que trabalha com o deputado Vicentinho, mostrou a identidade para provar que a pessoa que esteve no Banco Rural tem outro número de registro.

‘O número do RG não bate com o meu. Então é totalmente descartada a minha pessoa em relação a pessoa que visitou o banco’, diz Jair dos Santos.

O chefe de gabinete do deputado Wasny de Roure, que está viajando, explicou que a pessoa que foi ao Banco Rural tem o mesmo nome de um ex-assessor. E que na época, ainda não trabalhava para o deputado.

‘Em 2002 o deputado Wasny não era deputado federal, e o Luiz Carlos que trabalhou com o deputado Wasny não era funcionário’, afirmou Abimael Nunes de Carvalho.

O deputado Devanir Ribeiro disse que a assessora dele nunca esteve em Brasília. E também mostrou documento de identidade com número diferente do que foi divulgado. E criticou Rodrigo Maia.

‘Ele vai ter que provar ou na Comissão de Ética ou na Corregedoria da casa para que ele possa provar de onde ele extraiu essa informação porque ele não condiz com a forma de um parlamentar trabalhar na casa, principalmente ele, que é o líder de uma bancada’, afirma o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP).

O cruzamento de dados para saber se houve relação entre assessores de parlamentares e os saques nas agências de Marcos Valério ficou mais difícil. A mesa diretora da Câmara proibiu a divulgação da lista dos funcionários públicos. Usou como argumento a lei que garante sigilo a documentos confidenciais da época do regime militar, porque põe em risco a segurança da sociedade e do estado. Só a CPI ou a justiça podem requisitar oficialmente a lista. Mas têm obrigação de manter o sigilo.

Assessores de outros três deputados do PT estiveram na agência do Banco Rural, mas em dias em que o Coaf não registrou saques de R$ 100 mil ou mais. O presidente da CPI dos Correios, senador Delcídio Amaral, disse que a quebra do sigilo bancário do Banco Rural pode ajudar a esclarecer os saques feitos na agência.

O deputado Sigmaringa Seixas protocolou na mesa diretora da Câmara uma representação – em que pede a cassação do deputado Rodrigo Maia por abuso da imunidade parlamentar. [Encontre esta reportagem clicando aqui]

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª ed., 2004)