A notícia correu as redações de todo o mundo, esta semana. Cientistas japoneses… melhor copiar, para evitar qualquer dúvida:
‘Chimpanzés batem humanos em exercício de memória
Chimpanzés já demonstraram que são parecidos com os seres humanos em vários aspectos culturais – eles disputam poder, são altruístas, transmitem conhecimento. Agora, eles mostraram que podem ser ainda melhores que nós, ao menos quando o assunto são números.
Estudo publicado na revista Current Biology mostra que eles são capazes de lembrar com `extraordinária precisão´ a ordem de números arábicos. Em um teste de memória, animais de até cinco anos bateram um grupo de estudantes universitários.
Em um dos exercícios, chimpanzés e humanos foram apresentados brevemente a vários algarismos, de 1 a 9, dispostos em um monitor com tela sensível ao toque. Logo depois os números eram substituídos por quadrados brancos. O desafio era lembrar qual número aparecia em qual localização e tocar os quadrados na ordem correta.
Em geral os chimpanzés jovens foram mais rápidos, no confronto com os adultos. O campeão foi Ayumu, que manteve o mesmo desempenho de acertos, 80%, independentemente do tempo de exposição aos números. O acerto humano caía pela metade quando a observação aos algarismos era de décimos de segundo.’ (Folha de S. Paulo, 4/12/2007)
‘Eles’ sabiam…
Como vêem, os jornalistas escrevem com uma ligeireza incapaz de ser imitada por qualquer símio. Notem, já no primeiro parágrafo: ‘Agora eles’, os chimpanzés, of course, ‘mostraram que podem ser ainda melhores que nós, ao menos quando o assunto são números’. Não sei se o analfabetismo científico se tornou uma praga em todos os hemisférios cerebrais dos jornais. Isso porque os despachos de agências noticiosas confundem a sucessão, a contagem de 1 até 9, com a própria capacidade humana de compreender universos maiores que essa contagem. Não sei, a evolução humana da matemática que nos perdoe, mas… não compliquemos. Adiante, porque em outra agência a derrota humana foi bem mais eloqüente:
‘Memória do chimpanzé é melhor que a do homem
Os chimpanzés jovens têm uma memória extraordinária, muito superior à dos humanos adultos, segundo uma pesquisa científica japonesa publicada nesta terça-feira…’ (Agence France Presse)
Não sei se o racional, supondo-o assim, que escreveu o título acima, conseguiu ler – ou menos, ou mais, a esta altura não sei. Não sei se o autor do título imagina que exista uma obra chamada Em busca do tempo perdido, a melhor coisa que já se escreveu sobre a memória até hoje. Um pouco menos, digamos então: não sei se os jornalistas nas agências de notícias desconfiam que a memória humana venha a ser um pouco mais complexa que o recordar uma sucessão numérica em uma tela. Que ela, memória, alcança a história, não exatamente a historinha que periodistas contam todos os dias, mas uma História que vai além e aquém de um teste em Tóquio.
Mas não compliquemos porque nesse particular de alumbramento diante das capacidades cognitivas dos macacos, o cientista-chefe não lhes ficou atrás – dos jornalistas, devo acrescentar. Assim escrevo porque assim se expressou Tetsuro Matsuzawa, o pesquisador de surpreendente inteligência: ‘Ninguém poderia imaginar que chimpanzés – chimpanzés jovens, de cinco anos de idade – tivessem uma performance melhor que seres humanos em tarefas de memorização.’ Ninguém, vírgula, doutor Tetsuro. A julgar pela qualidade da notícia, os chimpanzés já imaginavam. Esperavam apenas que algum símio o proclamasse.
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Jornalista e escritor, Recife, PE